Abordagem

O reconhecimento precoce da doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) é fundamental.

O diagnóstico da doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) baseia-se principalmente nos sintomas e nas manifestações clínicas.[79][80]​​​ Portanto, após o transplante de células hematopoéticas (HCT), todos os pacientes devem ser submetidos a um monitoramento rigoroso e acompanhamento do HCT, incluindo exames físicos repetidos de todos os sistemas de órgãos relevantes e obtenção da história em intervalos. A intensidade do envolvimento de cada órgão deve ser avaliada e classificada para servir de base para o prognóstico e o manejo.

Investigações adicionais com exames laboratoriais, estudos de imagem e biópsias de tecidos são recomendadas quando indicadas para auxiliar o diagnóstico e descartar outras causas.[81]​ Diretrizes sobre monitoramento e acompanhamento (incluindo exames adicionais) foram publicadas.[80][82]

DECH aguda

Geralmente, o tempo mediano até o início da DECH é de 21-25 dias após o HCT alogênico (embora agora se reconheça que a DECH aguda pode ocorrer depois dos 100 dias pós-transplante que historicamente definiram a doença).[1]

Fatores na história que podem aumentar a probabilidade da DECH aguda incluem: incompatibilidade do antígeno leucocitário humano (HLA), receptor ou doador em idade avançada, disparidade entre gêneros do doador e do receptor (sobretudo uma doadora mulher com um receptor homem), doadora mulher que já teve filhos, tipo e estágio da neoplasia subjacente, intensidade do esquema de condicionamento para transplante, profilaxia de DECH ausente ou aquém do ideal. Consulte Fatores de risco.

Os escores comumente usados para classificar a DECH aguda incluem:

  • Critérios de Keystone (Glucksberg modificado)[83][84]

  • Critérios do Mount Sinai Acute GVHD International Consortium (MAGIC)[85]

  • Escore Refinado de Risco de DECH Aguda da Universidade de Minnesota[86][87]​​ [ Escore Refinado de Risco de DECH Aguda de Minnesota Opens in new window ]

Consulte Critérios diagnósticos.

Manifestações clínicas da DECH aguda

Os principais órgãos afetados na DECH aguda são a pele, o trato gastrointestinal e o fígado.[1]

Pele

  • Órgão mais comumente afetado e, geralmente, o primeiro a ser afetado. Frequentemente, a manifestação com o comprometimento da pele coincide com a sobrevivência de enxerto de células do doador e caracteriza-se por um exantema maculopapular e eritematoso, que geralmente é pruriginoso.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) cutânea, aguda (grau I)Cortesia do Dr John Levine, Professor, Blood and Marrow Transplantation Program, University of Michigan; uso autorizado [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@4cac7158

  • Em casos graves (estágio 4), a pele pode formar vesículas e ulcerações.

Trato gastrointestinal

  • O comprometimento gastrointestinal da DECH pode se manifestar como náuseas, vômitos, anorexia, diarreia e/ou dor abdominal.[88]​ Trata-se de um processo pan-intestinal, frequentemente com diferenças no nível de gravidade entre os tratos gastrointestinais superior e inferior.

  • A diarreia é secretora e pode ser acompanhada de significativo sangramento gastrointestinal como resultado de uma ulceração mucosa, a qual é um fator prognóstico de desfecho desfavorável.[89] Em uma doença avançada, dor abdominal e dilatação graves e difusas, são acompanhadas de diarreia volumosa.

Fígado

  • É possível que se observe icterícia ou hepatomegalia. Pode ser difícil distinguir a apresentação de outras causas de disfunção hepática após um HCT, como a doença veno-oclusiva/síndrome da obstrução sinusoidal, toxicidade medicamentosa, infecção viral, sepse, coléstase por nutrição parenteral total ou sobrecarga de ferro.

  • A DECH hepática isolada (ou seja, sem nenhum outro órgão envolvido simultaneamente) é um achado incomum.[90] Frequentemente, é necessário realizar uma biópsia hepática para estabelecer o diagnóstico. No entanto, o aumento do risco de sangramento associado a uma trombocitopenia no período imediatamente pós-transplante significa que o diagnóstico da DECH hepática isolado é frequentemente um diagnóstico de exclusão.

DECH crônica

A DECH crônica clássica não é definida apenas por qualquer relação temporal com o HCT, embora, geralmente, ocorra ≥100 dias após o transplante. O tempo mediano relatado até o diagnóstico é de 4.5 meses, após um transplante de irmãos com HLA idêntico, e 4 meses, após um transplante de doador não aparentado.[22]​ A DECH crônica "de novo" quase nunca ocorre ≥2 anos após um HCT alogênico.

Fatores na história que podem aumentar a probabilidade da DECH crônica incluem: DECH aguda prévia, receptor ou doador em idade avançada, doadora mulher com receptor homem, doadora mulher que já teve filhos, uso de células-tronco do sangue periférico e infusão de linfócitos do doador. Consulte Fatores de risco.

Manifestações clínicas da DECH crônica

As possíveis manifestações clínicas da DECH crônica são muitas e variadas. Além disso, elas afetam diversos órgãos e locais.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Manifestações clínicas da doença do enxerto contra o hospedeiro crônica dos National Institutes of HealthCriado pelo BMJ Knowledge Centre [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@6cefd4a8

Os critérios do grupo de trabalho do National Institutes of Health (NIH) recomendam pelo menos uma manifestação diagnóstica (por exemplo, achados liquenoides orais ou vaginais, despigmentação da pele, bronquiolite obliterante) ou uma manifestação distintiva (por exemplo, secura ocular, despigmentação, placas papuloescamosas) associada a uma biópsia pertinente, exame laboratorial ou outros testes (por exemplo, exame radiográfico e/ou teste pulmonar) para o diagnóstico de DECH crônica.[1]

O diagnóstico definitivo da DECH crônica necessita da exclusão de outros possíveis diagnósticos, como infecção, efeitos de medicamentos, neoplasias, além de lesões e cicatrizes residuais pós-inflamatórias.[1]​ Consulte Critérios diagnósticos.

Exames laboratoriais

Alguns achados de exames laboratoriais podem ser sugestivos de DECH ou ajudar a descartar outras causas de DECH.

Hemograma completo

  • No período inicial pós-transplante, a citopenia (sobretudo a trombocitopenia) pode ser associada à DECH aguda.

  • Citopenias autoimunes (leucopenia, anemia e trombocitopenia) podem ser observadas em um estágio posterior na DECH crônica.

  • Eosinofilia pode estar presente na DECH aguda ou crônica.

Testes de função hepática

  • Níveis elevados de transaminases, fosfatase alcalina e/ou bilirrubina, podem ser uma manifestação de DECH aguda e/ou crônica.

Eletrólitos séricos

  • A DECH aguda e/ou crônica que afetam o trato gastrointestinal (por exemplo, anorexia, náuseas, vômitos, diarreia, perda de peso e retardo do crescimento pôndero-estatural [em lactentes e crianças]) podem causar uma variedade de alterações eletrolíticas.

Urinálise

  • Proteinúria pode ser uma manifestação de disfunção renal observada com síndrome nefrótica associada à DECH crônica.

Hemocultura

  • Para descartar a possibilidade de bacteremia e/ou sepse.

Urocultura

  • Para descartar a possibilidade de infecção do trato urinário.

Coprocultura

  • Pode ajudar a descartar possíveis causas de infecção de diarreia que possa assemelhar-se muito à DECH. No entanto, exames de fezes positivos e DECH gastrointestinal podem ocorrer simultaneamente.

Reação em cadeia da polimerase viral

  • Para testar a presença de infecção por citomegalovírus, HHV-6, adenovírus, vírus da hepatite (A, B, C, D, E) e parvovírus. Uma infecção viral constitui um dos diagnósticos diferenciais da DECH.

Exames de imagem

Alguns achados de exames radiográficos podem ser sugestivos de DECH ou ajudar a descartar outras causas de DECH.

Tomografia computadorizada (TC) de alta resolução do tórax

  • O aprisionamento aéreo e a bronquiectasia são características distintivas da DECH crônica que podem ser evidentes em exames de imagem.

  • Opacidades em vidro fosco irregulares e bilaterais com broncogramas aéreos (geralmente localizados de modo periférico) ou um nódulo circular em um dos pulmões (ou 3-5 nódulos nos dois pulmões) sugerem pneumonia em organização criptogênica (POC). O "sinal de triângulo" (uma opacidade em vidro fosco triangular com a base na pleura e o ápice em direção ao mediastino) é característico da POC.

tomografia computadorizada (TC) abdominal

  • Uma dilatação luminal com um espessamento da parede do intestino delgado (sinal de manto) e níveis hidroaéreos sugestivos de um íleo paralítico podem ser observados na DECH que afeta o trato gastrointestinal.

Esofagografia baritada

  • Pode revelar aspectos característicos da DECH crônica do trato gastrointestinal, como uma rede esofágica, estenose ou anéis concêntricos.

Ultrassonografia com Doppler do fígado

  • Útil para diferenciar a DECH de outras causas de disfunção hepática, como colecistite e doença veno-oclusiva/síndrome da obstrução sinusoidal.

  • É possível observar hepatomegalia e ascite na DECH.

Tomografia por emissão de pósitrons com fluordesoxiglucose (18F) (FDG-PET)

  • A FDG-PET pode ser útil para localizar a DECH do trato gastrointestinal, bem como para predizer e monitorar a capacidade de reação do tratamento.[91]

Biópsias

A DECH é um diagnóstico clínico. No entanto, uma biópsia do órgão afetado (por exemplo, pele, trato gastrointestinal, fígado, pulmão) pode ser realizada para auxiliar ou confirmar o diagnóstico, particularmente se houver incerteza clínica.[92]

A confirmação histopatológica também é útil para excluir outras condições que possam mimetizar a DECH.

Pele

  • O achado histopatológico patognomônico é apoptose na base das cristas interpapilares (rete pegs). Outras características incluem disceratose, exocitose dos linfócitos, linfócitos satélites adjacentes aos ceratinócitos epidérmicos disceratóticos e uma infiltração linfocítica perivascular na derme.[93][94][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Histologia da doença do enxerto de pele contra o hospedeiro (DECH) (baixa potência): dermatite de interface vacuolar na junção dermoepidérmica com comprometimento do epitélio folicular (100x, hematoxilina e eosina)Cortesia do Dr Lori Lowe, Professor, Dermatopathology, University of Michigan; uso autorizado [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@1c006aba[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Histologia da doença do enxerto de pele contra o hospedeiro (DECH) (alta potência): dermatite de interface vacuolar com ceratinócitos necróticos raros (200x, hematoxilina e eosina)Cortesia do Dr Lori Lowe, Professor, Dermatopathology, University of Michigan; uso autorizado [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5d6774bc

Trato gastrointestinal

  • A biópsia do trato gastrointestinal inferior pode ser considerada se houver diarreia.[92] A biópsia do trato gastrointestinal superior pode ser mais adequada se houver náuseas e/ou vômitos.[92]

  • Características histológicas incluem ulcerações desiguais, corpos apoptóticos na base das criptas, abscessos em criptas, e perda e achatamento da superfície do epitélio.[95][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Histologia da doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) do trato gastrointestinal superior (fotomicrografia de média potência do estômago): Glândula gástrica dilatada contendo resíduos necróticos/apoptóticos (seta), típicos de DECHCortesia do Dr Joel Greenson, Professor, Pathology, University of Michigan; uso autorizado [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5722a426[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Histologia da doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) do trato gastrointestinal inferior (fotomicrografia de alta potência do cólon, doença leve): Muitos corpos apoptóticos (setas) indicativos de DECH envolvendo o cólonCortesia do Dr Joel Greenson, Professor, Pathology, University of Michigan; uso autorizado [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@6d6aa7f6[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Histologia da doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) do trato gastrointestinal inferior (fotomicrografia de média potência do cólon, doença grave): Desnudamento quase completo da mucosa, indicativo de DECH grave envolvendo o cólonCortesia do Dr Joel Greenson, Professor, Pathology, University of Michigan; uso autorizado [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@19bde4fd

Fígado

  • Uma biópsia hepática pode ser considerada para descartar outras causas de disfunção hepática indicadas (por exemplo, se os testes da função hepática estiverem anormais).[92]​ As características histológicas que respaldam o diagnóstico de DECH hepática aguda são endotelite, infiltração linfocítica dos espaços portais, pericolangite e destruição de ductos biliares.[96][97]​​ No entanto, o aumento do risco de sangramento associado a uma trombocitopenia no período imediatamente pós-transplante significa que o diagnóstico de DECH hepática é frequentemente um diagnóstico de exclusão.

Pulmão

  • As características histológicas da bronquiolite obliterante incluem uma pequena inflamação das vias aéreas com obliteração fibrinosa do lúmen bronquiolar.[98]

Outras investigações

As investigações a seguir podem também ajudar a orientar o diagnóstico.

Testes de função pulmonar (TFPs)

  • Utilizados como ferramenta para identificar doença pulmonar obstrutiva (por exemplo, bronquiolite obliterante) na DECH crônica. Úteis no monitoramento da resposta ao tratamento.

Broncoscopia/lavagem broncoalveolar e cultura

  • Podem ser úteis para avaliar e descartar infecções como possível diagnóstico diferencial da DECH.

Endoscopia digestiva alta

  • Pode revelar aspectos da DECH gastrointestinal, como uma rede esofágica, estenose ou anéis concêntricos.

Ecocardiografia

  • Útil para detectar derrames pericárdicos ou cardiomiopatia.

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