Rastreamento

Rastreamento

O rastreamento determina quem deve se submeter a um teste oral de tolerância à glicose (TOTG), o exame diagnóstico definitivo para diabetes mellitus gestacional (DMG). O rastreamento pode ser realizado usando fatores de risco clínicos, testes bioquímicos com um teste de carga de glicose (teste em duas etapas) ou uma combinação de ambos. O rastreamento positivo é seguido por um TOTG diagnóstico.[56]​ As diretrizes e o consenso de especialistas recomendam de forma variada o rastreamento do DMG em gestantes com risco elevado e risco normal; porém, estratégias de rastreamento não foram comparadas em ensaios clínicos randomizados.[57]

Recomendações do Reino Unido

No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) recomenda oferecer exames diagnósticos com um TOTG com 75 g de glicose por 2 horas nas semanas 24 a 28 de gestação a mulheres com alto risco que apresentam um ou mais dos seguintes fatores de risco para DMG:[4]

  • Índice de massa corporal (IMC) >30 kg/m²

  • Um bebê prévio com peso ≥4.5 kg

  • História familiar de diabetes mellitus (parente de primeiro grau com diabetes mellitus)

  • Origem familiar em uma área com alta prevalência de diabetes mellitus. O NICE não especifica mais quais origens familiares isso inclui, deixando que seja decidido em nível local ou pelos médicos individualmente.

As mulheres que tiverem tido DMG em uma gestação anterior devem receber automonitoramento precoce de glicose sanguínea ou um TOTG com 75 g de glicose em 2 horas o mais rapidamente possível após a consulta marcada (seja no primeiro ou no segundo trimestres), e um TOTG adicional com 75 g de glicose por 2 horas a 24 a 28 semanas se os resultados do primeiro TOTG forem normais.[4]

O DMG deve ser diagnosticado se a gestante apresentar:

  • Uma glicemia de jejum (GJ) ≥5.6 mmol/L (≥100 mg/dL), ou

  • Uma glicose plasmática em 2 horas ≥7.8 mmol/L (≥140 mg/dL).

O NICE não recomenda avaliar o risco de desenvolvimento de DMG com GJ, glicose sanguínea aleatória, hemoglobina A1c (HbA1c), teste de desafio com glicose ou urinálise para glicosúria.[4]

É importante estimular todas as gestantes com fatores de risco a fazerem um teste de TOTG. Um estudo prospectivo de caso-controle, realizado antes que as diretrizes atuais do NICE fossem estabelecidas, constatou que sem o rastreamento por GJ, as mulheres "com risco" de DMG (de acordo com os critérios do NICE acima) apresentaram um risco 47% maior de natimorto. Para as mulheres submetidas a rastreamento, esse risco foi essencialmente eliminado. De maneira similar, sem o diagnóstico de DMG, as mulheres com GJ elevada apresentaram um risco quatro vezes maior de natimorto. Para as mulheres diagnosticadas, esse risco a mais deixou de ser aparente.[58]

Outras diretrizes

Os critérios e a abordagem para o diagnóstico de DMG não são universalmente aceitos e os protocolos de rastreamento variam entre os países.[2]

Momento do rastreamento

As diretrizes concordam em sua recomendação de que o rastreamento deve ser realizado a partir de 24 semanas; isso ocorre porque o tratamento do DMG na ou após 24 semanas de gestação demonstrou estar significativamente associado a melhores desfechos de saúde (risco reduzido de partos cesáreos primários, distocia de ombro, macrossomia, tamanho grande para a idade gestacional, lesões no parto e internações em unidade de terapia intensiva neonatal).[59] Um ensaio clínico randomizado e controlado (ECRC) descobriu que o diagnóstico precoce de DMG (antes de 24 semanas de gestação) e o tratamento imediato demonstraram uma redução modesta em um desfecho neonatal composto primário, que foi impulsionado principalmente por uma redução na dificuldade respiratória neonatal.[60]​ Outro ECRC, no entanto, descobriu que o rastreamento precoce para DMG (entre 14 e 20 semanas de gestação) em mulheres obesas não melhorou os desfechos perinatais.[61]​ Devido à falta de evidências consistentes que indiquem benefícios neonatais e maternos do diagnóstico e tratamento precoces, o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) não recomenda o rastreamento de rotina para DMG antes de 24 semanas de gestação.[62] Caso a mulher inicie os cuidados pré-natais após 28 semanas de gestação, o rastreamento deve ser feito o mais rapidamente possível.[53]

Rastreamento universal versus baseado em fatores de risco

A American Diabetes Association (ADA), a American Association of Clinical Endocrinology (AACE) e a International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO) endossam o rastreamento universal para DMG no final da gravidez.[54][63]​ Isso significa que, entre 24 e 28 semanas de gestação, todas as mulheres sem diagnóstico de diabetes (incluindo mulheres de alto risco se os testes anteriores foram normais) devem ser submetidas a um rastreamento com um teste de tolerância à glicose.[3][54]​​ As diretrizes da US Preventive Services Task Force (USPSTF) observam que os testes podem ocorrer mais tarde se as mulheres iniciarem os cuidados pré-natais após 28 semanas de gestação.[53]

Outras diretrizes usam rastreamento baseado em fatores de risco para informar a necessidade de TOTG entre 24 e 28 semanas de gestação.​[56] A Organização Mundial da Saúde (OMS) deixa a decisão sobre o rastreamento universal ou direcionado para as autoridades de saúde locais, de acordo com a carga local de DMG, disponibilidade de recursos e prioridades, embora sugira, como possíveis abordagens, o rastreamento no primeiro trimestre de mulheres de alto risco e o rastreamento universal nas semanas 24 a 28 de gestação.[2]

Estratégias de teste

As estratégias de teste adotam um método de uma etapa usando o TOTG com 75 g de glicose ou um método de duas etapas usando um teste de carga de glicose de 50 g (sem jejum) para rastreamento, seguido por um TOTG com 100 g de glicose para aquelas com rastreamento positivo.[3] Não há consenso entre organizações nacionais e internacionais sobre a abordagem ideal, e a escolha geralmente depende dos costumes locais.

Estratégia de uma etapa:[1][3]

  • Realizar um TOTG com 75 g de glicose, com medição da glicemia de jejum e após 1 e 2 horas, entre as semanas 24 e 28 de gestação em todas as mulheres que não foram diagnosticadas com diabetes estabelecido previamente à gestação.

  • O TOTG deve ser realizado pela manhã, após jejum de, pelo menos, 8 horas.

  • O diagnóstico de DMG é realizado quando qualquer um dos seguintes valores de glicose plasmática é excedido (critérios da International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups [IADPSG], aprovados pela ADA):

    • Jejum: ≥5.1 mmol/L (≥92 mg/dL)

    • 1 hora: ≥10.0 mmol/L (≥180 mg/dL)

    • 2 horas: ≥8.5 mmol/L (≥153 mg/dL).

  • Esses critérios diferem daqueles do NICE, com uma glicemia de jejum substancialmente menor (5.1 mmol/L [92 mg/dL] versus 5.6 mmol/L [100 mg/dL] para o NICE), uma glicose plasmática em 2 horas mais alta (8.5 mmol/L [153 mg/dL] versus 7.8 mmol/L [140 mg/dL] para o NICE) e um nível adicional de glicose plasmática em 1 hora.

Estratégia de duas etapas:[3][51][52][64]

  • Realizar um teste de carga com 50 g de glicose por 1 hora, que não precisa ser em jejum.

  • Os limiares de glicose de ≥7.2, 7.5 ou 7.8 mmol/L (≥130, 135 ou 140 mg/dL) no teste de carga de glicose podem ser considerados anormais (o ACOG recomenda que qualquer um desses limiares possa ser usado).​​ Limiares mais baixos são mais sensíveis, mas menos específicos e mais propensos a falsos-positivos. Não há ECRC de limiares diferentes; portanto, é razoável que as instituições considerem os custos e benefícios específicos da população atendida ao se determinar um ponto de corte.

  • Se os níveis de glicose forem maiores que o valor de corte escolhido para o teste de carga de glicose, um TOTG em jejum com 100 g de glicose por 3 horas deve ser realizado.

  • De acordo com os critérios de Carpenter e Coustan (endossados pela ADA e ACOG), dois ou mais níveis de glicose plasmática iguais ou superiores aos seguintes limites estabelecem o diagnóstico:[3][51]

    • Em jejum: ≥5.3 mmol/L (≥95 mg/dL)

    • 1 hora: ≥10.0 mmol/L (≥180 mg/dL)

    • 2 horas: ≥8.6 mmol/L (≥155 mg/dL)

    • 3 horas: ≥7.8 mmol/L (≥140 mg/dL).

  • Os critérios mais antigos do National Diabetes Data Group são mais rigorosos e podem ser usados como uma alternativa aos critérios de Carpenter e Coustan. Dois ou mais níveis de glicose plasmática nos seguintes limites ou acima deles estabelecem o diagnóstico:[65]

    • Jejum: ≥5.8 mmol/L (≥105 mg/dL)

    • 1 hora: ≥10.6 mmol/L (≥190 mg/dL)

    • 2 horas: ≥9.2 mmol/L (≥165 mg/dL)

    • 3 horas: ≥8.0 mmol/L (≥145 mg/dL).

A IADPSG e a FIGO recomendam a abordagem de uma etapa.[1][63] Os National Institutes of Health dos EUA e o ACOG recomendam o antigo teste de duas etapas (embora o ACOG observe que um valor elevado, em vez de dois, pode ser usado para o diagnóstico de DMG).[1][51]​​​[52]​​​[62]​​ A ADA, a USPSTF e a AACE reconhecem que há dados para dar suporte a ambas as abordagens, com a ADA observando que a estratégia de uma etapa foi adotada internacionalmente como a abordagem preferencial.[3][53]​​[54]

Diferentes critérios de diagnóstico identificarão diferentes graus de hiperglicemia materna e risco materno/fetal, levando alguns especialistas a debater e discordar sobre estratégias ideais para o diagnóstico do DMG.[3]​ Um ensaio randomizado que comparou as duas estratégias de teste identificou o dobro de indivíduos com DMG usando o método de uma etapa em comparação com o método de duas etapas; no entanto, apesar de mais indivíduos terem sido tratados para DMG usando o método de uma etapa, não houve diferença nas complicações da gestação e perinatais (embora tenham sido levantadas preocupações sobre estimativas do tamanho da amostra e envolvimento abaixo do ideal com o protocolo de rastreamento e tratamento).[66]​ Uma revisão sistemática da USPST de 2021 concluiu que o rastreamento em uma etapa versus duas etapas está associado ao aumento da probabilidade de DMG (11.5% vs. 4.9%), mas sem melhores desfechos de saúde.[67] A ADA comenta que os dados que comparam desfechos em toda a população com abordagens de uma etapa versus duas etapas têm sido inconsistentes até o momento, mas que estudos de desfechos de longo prazo estão em andamento.[3]

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda uma estratégia de uma etapa, mas usa seus próprios limites de glicose para distinguir entre DMG e diabetes estabelecido (denominado “diabetes na gravidez” na diretriz).[2] O DMG é definido como hiperglicemia em qualquer momento da gestação que não atinge os limites diagnósticos de diabetes em adultos não gestantes, enquanto o diabetes estabelecido é diagnosticado quando esses limites são atingidos.[2] Com base nessa definição, as diretrizes da OMS recomendam que o diagnóstico de DMG seja realizado a qualquer momento da gestação se um ou mais dos seguintes critérios forem atendidos:[2]

  • A glicemia de jejum é 5.1-6.9 mmol/L (92-125 mg/dL)

  • glicose plasmática em 1 hora ≥10.0 mmol/L (≥180 mg/dL) após uma carga oral com 75 g de glicose

  • Glicose plasmática de 2 horas de 8.5-11.0 mmol/L (153-199 mg/dL) após 75 g de glicose oral.

Níveis de glicemia de jejum e de glicose plasmática a 2 horas acima desses valores indicam diabetes manifesto (em vez de gestacional).[2] Não há critérios estabelecidos para o diagnóstico de diabetes estabelecido com base no valor pós-carga de 1 hora.[2]

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