Abordagem

A assistência ideal para os pacientes que se apresentam com dor torácica sugestiva de angina instável (AI) inclui um diagnóstico preciso e rápido com o uso de uma combinação de marcadores clínicos, laboratoriais e do ECG, para minimizar o tempo até a terapia apropriada.

História

Deve-se suspeitar de síndrome coronariana aguda (SCA) em qualquer paciente com dor torácica aguda, o que inclui dor em outras áreas (por exemplo, braços, costas ou mandíbula), que dura mais de 15 minutos, está associada a náuseas e vômitos, sudorese intensa, dispneia ou, particularmente, uma combinação destes, e/ou é de início recente ou ocorre como piora súbita de uma angina estável conhecida (ou seja, episódios recorrentes de dor torácica com duração superior a 15 minutos que ocorrem com frequência e com pouco ou nenhum esforço, ou diminuição da eficácia de medicamentos antianginosos).[1][81]

Características típicas incluem indivíduos >45 anos, fumantes com hipertensão, diabetes ou hipercolesterolemia de longa duração. Deve-se determinar a presença ou não de história de doença vascular periférica ou cardiopatia preexistente.

A maioria dos pacientes se apresenta com dor torácica, embora as mulheres, os diabéticos e os idosos possam apresentar sintomas não característicos de isquemia.

Em geral, a dor torácica cardíaca é descrita como uma pressão retroesternal ou sensação de peso intermitente ou persistente irradiando à mandíbula, ao braço ou ao pescoço. Os pacientes podem perceber os sintomas de angina como dor, desconforto, peso, aperto, pressão, constrição ou esmagamento.[82] Os achados clínicos específicos na AI incluem angina prolongada (>20 minutos) em repouso, novo episódio de angina intensa; angina que se apresenta com maior frequência, maior duração ou menor limiar; ou angina que ocorre após um episódio recente de infarto do miocárdio (IAM).[1]​ A dor pode vir acompanhada de outros sintomas como diaforese, náuseas, dispneia e síncope.[1][81][83]

Os pacientes podem apresentar uma variedade de sintomas clássicos não característicos, podendo qualquer um deles ser o único sintoma manifesto. Entre eles estão fraqueza, náuseas, vômitos, dor abdominal e síncope. Eles são mais comuns em mulheres, idosos e diabéticos ou portadores de doença renal crônica.[1]​ Sintomas geralmente considerados não cardíacos ainda podem ser de origem isquêmica.[82] Nas situações clínicas apropriadas, o diagnóstico de AI deve ser considerado quando os pacientes se apresentarem com dor epigástrica, pirose/dispepsia de início recente (especialmente se não relacionada a refeições), dor no ombro (com ou sem dor no pescoço, mandíbula ou braço), dorsalgia ou dispneia isolada. Raramente, o sintoma de apresentação pode ser uma dor torácica aguda/intensa ou pleurítica. No entanto, a dor descrita como aguda, passageira (duração de poucos segundos), relacionada à inspiração (pleurítica) ou à posição, ou que está mudando de localização, sugere menor probabilidade de isquemia.

Exame

O exame físico geralmente está normal nos pacientes com AI. Entretanto, o paciente pode apresentar sudorese significativa devido ao alto estímulo simpático.[1][81][83]​​​ Se o paciente estiver hemodinamicamente instável (hipotensão arterial ou choque), apresentar evidências de insuficiência ventricular esquerda ou apresentar uma arritmia com risco à vida (taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular), deve-se suspeitar de um IAM agudo; é improvável que essas sejam características de uma AI.[84][85]​​​ Consulte Choque, Insuficiência cardíaca aguda, Taquicardias ventriculares sustentadas, Infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST e Infarto do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST.

Raramente, podem ser detectados sopro por insuficiência mitral isquêmica, valvopatia concomitante (por exemplo, estenose aórtica) ou sinais de insuficiência cardíaca.

A presença de sopros e de doença arterial periférica sugere doença vascular extracardíaca e identifica os pacientes com maior probabilidade de doença arterial coronariana (DAC) significativa.

O exame físico é essencial para se fazerem diagnósticos alternativos importantes nos pacientes com dor torácica. A título de exemplo, a dissecção da aorta é sugerida por dor na região interescapular e nas costas com pulsos desiguais, ou por um sopro de regurgitação aórtica. A febre pode sugerir endocardite ou pneumonia. A pericardite aguda é sugerida por um atrito pericárdico, podendo o tamponamento cardíaco evidenciar-se por um pulso paradoxal. Um pneumotórax de grande porte pode resultar em desvio traqueal, hiper-ressonância e expansibilidade comprometida unilateralmente. Uma embolia pulmonar grande pode resultar em hipotensão com pressão venosa jugular elevada e campos pulmonares limpos. O exame físico também ajuda a identificar possíveis fatores precipitadores e contribuintes, como hipertensão maligna, tireotoxicose ou anemia.

eletrocardiograma (ECG)

As diretrizes recomendam que o ECG seja obtido e interpretado por um médico qualificado nos primeiros 10 minutos após o paciente apresentar dor torácica.[1][82][86]

Pode-se observar infradesnivelamento do segmento ST e alterações na onda T nos pacientes com AI. De forma alternativa, o ECG inicial pode mostrar elevação transitória do segmento ST ou pode estar normal.[1]

O infradesnivelamento transitório do segmento ST (>0.05 mV) ou a inversão da onda T (>0.2 mV) no período sintomático que remite quando o paciente se torna assintomático é altamente sugestivo de isquemia aguda e DAC subjacente grave.[2] A extensão do infradesnivelamento do segmento ST e a magnitude em milímetros em comparação com a linha basal representam indicadores prognósticos importantes.[87][88] Derivações de ECG adicionais (V3R, V4R, V7-V9) são recomendadas se houver suspeita de isquemia contínua quando derivações padrões forem inconclusivas.[1]

Em pacientes com sintomas recorrentes ou em caso de incerteza diagnóstica, um ECG adicional de 12 derivações deve ser obtido.[1]

Se o ECG inicial não for diagnóstico, mas o paciente permanecer sintomático e houver uma alta suspeita clínica de síndrome coronariana aguda, ECGs seriados devem ser realizados para se detectarem alterações isquêmicas.[2][82]

O momento para repetir os ECGs deve ser guiado pelos sintomas, especialmente se a dor torácica se repetir ou se ocorrer uma mudança na condição clínica.[82] Na prática clínica, o ECG geralmente é repetido em 6 e 24 horas (mais frequentemente caso o quadro clínico se altere). Se possível, ECGs anteriores devem ser obtidos para fins de comparação.

Biomarcadores cardíacos

Os biomarcadores cardíacos (troponina I ou T) devem ser medidos durante a apresentação.

Os ensaios da troponina cardíaca de alta sensibilidade (hs-cTn) permitem descartar a necrose miocárdica rapidamente, e são recomendados por diretrizes nos EUA e na Europa.[1][82][86]​​ O algoritmo hora 0/hora 1 (em que a medição da troponina cardíaca de alta sensibilidade é realizada à apresentação [hora 0] e 1 hora após a apresentação) é recomendado para descartar síndromes coronarianas agudas sem supradesnivelamento do segmento ST, ou pode-se usar também o algoritmo hora 0/hora 2 como segunda opção. Recomenda-se realizar testes adicionais após 3 horas se as duas primeiras medições da troponina cardíaca do algoritmo de 0 hora/1 hora não forem conclusivas e o quadro clínico ainda sugerir síndrome coronariana aguda.[1]​ O diagnóstico de AI geralmente pode ser realizado se os testes dinâmicos da troponina subsequentes mostrarem que a troponina cardíaca permanece abaixo do 99º percentil. Diagnósticos por imagem, incluindo angiografia coronária invasiva, testes funcionais (estresse) ou angiotomografia coronária, podem ser úteis para os pacientes nos quais os resultados da troponina cardíaca e do ECG permanecerem inconclusivos.[1]

Na prática clínica, algoritmos de diagnóstico para síndromes coronarianas agudas sem supradesnivelamento do segmento ST devem ser usados junto com todas as informações clínicas disponíveis e ECG. Um teste seriado adicional de troponina cardíaca deve ser realizado se a suspeita clínica permanecer alta ou caso o paciente desenvolva dor torácica recorrente.[1][82]

Quando um ensaio de troponina da geração anterior é usado, os níveis de troponina cardíaca específica (troponina I ou T) devem ser medidos na apresentação e 3 a 6 horas após o início dos sintomas em todos os pacientes que apresentarem sintomas consistentes com síndromes coronarianas agudas.[2] Em pacientes com risco baixo a intermediário e suspeita de síndrome coronariana aguda, valores indetectáveis de troponina T de alta sensibilidade na internação estão associados a um baixíssimo risco de morte ou IAM em até 90 dias.[89]

A troponina permanece elevada até 10 a 14 dias após a liberação. Assim, nos pacientes que tiverem sofrido infarto agudo do miocárdio vários dias antes de apresentarem desconforto torácico, um único nível de troponina levemente elevado pode representar uma isquemia antiga. Nos pacientes com suspeita de reinfarto, considera-se como marcador uma nova elevação da troponina igual a 20% ou mais.[90]

Entre os pacientes que se apresentam ao pronto-socorro com dor torácica, até mesmo níveis sanguíneos ligeiramente elevados da troponina T cardíaca de alta sensibilidade estão associados a desfechos clínicos adversos, com uma forte e gradual associação entre todos os níveis detectáveis de troponina T de alta sensibilidade e os riscos de infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, e mortalidade cardiovascular e não cardiovascular. A taxa anual de mortalidade foi de 0.5% entre pacientes com níveis de troponina T cardíaca de alta sensibilidade <0.005 microgramas/L, e essa taxa aumentou de forma gradual com níveis crescentes até 33% entre pacientes com níveis de troponina T cardíaca de alta sensibilidade ≥0.05 microgramas/L.[91]

As troponinas cardíacas são marcadores mais sensíveis e específicos de dano aos cardiomiócitos que a creatina quinase (CK), sua isoenzima de fração miocárdica (CK-MB), e a mioglobina. Nos pacientes com IAM, os níveis de troponina aumentam rapidamente (geralmente, até 1 hora após o início dos sintomas se forem usados ensaios de alta sensibilidade) e permanecem elevados por vários dias. Portanto, com o advento da hs-cTn, outros biomarcadores como a CK, a CK-MB e a mioglobina não são mais necessários para fins diagnósticos.​​[2][82]

Caso não haja evidências de lesão ou necrose miocárdicas, deve-se considerar que o paciente com história e alterações eletrocardiográficas sugestivas de infarto do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST (IAMSSST) apresenta AI.[2]

Outros exames de sangue

Exames de sangue basais para hemograma completo, eletrólitos, função renal, função hepática, glicemia, proteína C-reativa, perfil lipídico/colesterol e perfil de coagulação devem ser coletados à apresentação. O colesterol sérico cai significativamente após algumas horas de internação após o IAM, então ele deve ser medido no momento da apresentação inicial.[92]

Exames por imagem

A radiografia torácica deve ser realizada à apresentação para identificar outras causas de dor torácica.[86]

Uma ecocardiografia urgente deve sempre ser realizada nos pacientes com choque cardiogênico ou instabilidade hemodinâmica.[1][93]​​​ Uma ecocardiografia transtorácica​no ponto de atendimento também pode ser usada para procurar anormalidades regionais de contratilidade da parede do ventrículo esquerdo nos pacientes com apresentação atípica ou ECG ambíguo, procurar complicações mecânicas de infarto agudo do miocárdio (como função ventricular esquerda, função ventricular direita, ruptura do septo ventricular, ruptura da parede livre do ventrículo esquerdo, regurgitação mitral aguda, derrame pericárdico, tamponamento cardíaco) e para evidências que sugiram etiologias alternativas associadas a dor torácica (por exemplo, doença aórtica aguda, embolia pulmonar).[1][2][93]​​​[94][95]

Uma ecocardiografia pré-alta é indicada para todos os pacientes pós-infarto agudo do miocárdio para avaliar a função ventricular esquerda após a terapia de reperfusão coronária e para orientar o prognóstico.[2][84]​​​[96]

A angiografia coronária invasiva (com ou sem revascularização) deve ser considerada para um paciente com suspeita de AI (com resultado negativo no teste de troponina) com base na avaliação do risco e no quadro clínico, sendo a investigação de escolha para avaliar a presença e a gravidade da DAC, e permitindo o tratamento concomitante com angioplastia e colocação de stent.[84]​​[97]​ Os pacientes com AI têm um risco significativamente menor de morte em comparação àqueles com IAMSSST, e obtêm menos benefícios de uma abordagem invasiva imediata.[98]​ Uma estratégia invasiva durante a internação (angiografia coronária em até 72 horas após a internação, com intervenção coronária percutânea de acompanhamento, se indicada) é geralmente recomendada para os pacientes com alto índice de suspeita de AI, particularmente para aqueles que têm risco intermediário ou alto de eventos adversos cardiovasculares.[1]

Testes funcionais (de estresse) com ecocardiografia sob estresse, ressonância nuclear magnética cardíaca (RNMC) de perfusão/estresse, cintilografia de perfusão miocárdica podem ser considerados pela equipe de cardiologia como parte da avaliação inicial nos pacientes com suspeita de SCA, mas com hs-cTn não elevada (ou inconclusiva), sem alterações no ECG e sem recorrência da dor.[1]​ Eles também podem ser realizados após a estabilização, para identificar a extensão da isquemia miocárdica e direcionar os pacientes para um possível tratamento invasivo.[82]

Em pacientes com ECG normal e troponinas cardíacas normais, uma angiotomografia para avaliar a anatomia da artéria coronária ou uma cintilografia de perfusão miocárdica de repouso para descartar isquemia miocárdica pode ser razoavelmente realizada.[2][82]​​ A angiotomografia coronária é aceita nos quadros agudos para identificar uma estenose proximal das artérias coronárias significativa quando o ECG não é conclusivo e há uma suspeita clínica intermediária de síndrome coronariana aguda indicada por angina leve, IAM anterior, insuficiência cardíaca anterior ou compensada, diabetes, ou insuficiência renal.[99][100]​​ ​​​


Venopunção e flebotomia – Vídeo de demonstração
Venopunção e flebotomia – Vídeo de demonstração

Como colher uma amostra de sangue venoso da fossa antecubital usando uma agulha a vácuo.



Como realizar uma demonstração animada do ECG
Como realizar uma demonstração animada do ECG

Como registrar um ECG. Demonstra a colocação de eletrodos no tórax e nos membros.


Estratificação de risco

O American College of Cardiology (ACC)/American Heart Association (AHA) recomenda o uso de escores de risco de dor torácica validados como parte das vias de decisão clínica padronizadas para determinar quais pacientes necessitam de investigação adicional, particularmente em ambientes onde os ensaios de troponina cardíaca de alta sensibilidade não estiverem disponíveis.[82][86]

Os escores de risco fornecem uma avaliação somativa do risco de um paciente sofrer um evento cardiovascular adverso maior, ou morte, nos 30 dias seguintes à apresentação de uma possível SCA.[82] Eles combinam os níveis de troponina com outras informações clínicas, como idade, alterações do segmento ST no ECG, sintomas e fatores de risco para DAC. Testes diagnósticos para a suspeita de DAC não são necessários na urgência para os pacientes considerados de baixo risco.[82]

Os exemplos de escores de risco validados recomendados pelo ACC/AHA incluem o escore de risco do Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI) e o modelo de risco do Acute Coronary Events (GRACE).[2] [ Escore do Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI) para infarto do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST com angina instável Opens in new window ] [ Escore GRACE para prognóstico de síndrome coronariana aguda Opens in new window ]

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal