Etiologia
A emergência do diabetes mellitus do tipo 2 (DMT2) na infância parece ser decorrente de uma combinação de natureza e ambiente. O principal fator etiológico é a obesidade, embora o ambiente no útero, o peso ao nascer, a nutrição na primeira infância, a puberdade, o sexo, a etnicidade e a genética também atuem no desenvolvimento da resistência insulínica e da predisposição ao DMT2.[5][23] Lactentes que nasceram pequenos para a idade gestacional e os nascidos com macrossomia apresentam aumento do risco para o desenvolvimento de obesidade, síndrome metabólica e DMT2 na infância.[24][25]
Obesidade
O rápido aumento recente da prevalência de DMT2 em pacientes jovens muito provavelmente se deve a alterações no ambiente: mais importantemente, ao aumento na prevalência da obesidade.[23]
A maioria das crianças tem sobrepeso (índice de massa corporal [IMC] no 85º ao 95º percentil para a idade e o sexo) ou obesidade (IMC >95º percentil) no momento do diagnóstico. Dados auditados do Reino Unido mostraram que mais de 90% das crianças e jovens com DMT2 também têm obesidade ou sobrepeso.[26] A prevalência global de obesidade entre pacientes pediátricos com DMT2 foi relatada em 75%.[27]
A obesidade total não é tão importante quanto a localização do tecido adiposo para causar resistência insulínica.[28] A gordura visceral é mais ativa metabolicamente que a subcutânea na produção de adipocinas que causam resistência insulínica.[29]
Ambiente no útero
Estudos nos índios Pima do Arizona constataram que crianças expostas a ambiente diabético intrauterino tinham risco 3.7 vezes maior de evoluir para DMT2 na infância em comparação com irmãos nascidos antes que a mãe se tornasse diabética.[30]
Peso ao nascer e nutrição na primeira infância
A associação de peso mais baixo ao nascer com o desenvolvimento posterior de resistência insulínica, intolerância à glicose ou DMT2 sugere que a programação fetal intrauterina limita a capacidade das células beta e induz a resistência insulínica nos tecidos periféricos.[31]
Também foi constatado que o rápido ganho de peso de recuperação entre o nascimento e os 2 anos de idade em bebês com baixo peso ao nascer está associado ao aumento de adiposidade central e à resistência insulínica.[32][33]
Atualmente não está claro se a associação do baixo peso ao nascer com a resistência insulínica, a intolerância à glicose e a adiposidade central é decorrente principalmente da restrição de crescimento pré-natal e dos nutrientes intrauterinos limitados, do rápido crescimento de recuperação pós-parto, ou de uma combinação de ambos os fatores.
Foi sugerido que o aleitamento materno durante a primeira infância proteja contra o desenvolvimento de DMT2 no final da infância.[34] O aleitamento materno reduz a razão de chances para a obesidade infantil em aproximadamente 20% em comparação com a alimentação com uso de mamadeira/fórmula.[35] Considera-se que essa redução ocorre, em parte, porque o aleitamento materno resulta em taxas menores de ganho de peso em lactentes, na medida em que proporciona ingestão calórica mais apropriada em um estágio crítico do desenvolvimento que a alimentação com mamadeira, que tende a estar associada a superalimentação e obesidade.
Também foi sugerida uma associação entre a alta ingestão de proteína na primeira infância e obesidade tardia.[35] A ingestão de proteína é 55% a 80% maior por quilograma de peso corporal em lactentes alimentados com mamadeira que naqueles alimentados com leite materno.[35]
Puberdade
A idade média no diagnóstico de DMT2 em crianças/adolescentes é de 14 anos (ou seja, durante a puberdade), e a maioria das crianças é diagnosticada entre 10 e 19 anos de idade.[36][37]
Durante a puberdade, há uma onda de hormônio do crescimento e fator de crescimento semelhante à insulina I (IGF-1), que aumenta a resistência insulínica. Quase sempre, essa resistência insulínica é transitória e qualquer hiperglicemia volta ao normal após a puberdade.[37] Além disso, um aumento dos hormônios sexuais durante a puberdade, especialmente androstenediona, eleva a resposta aguda à insulina, que é um preditor independente para DMT2.[37]
Quando presente com a resistência insulínica preexistente, a puberdade pode desencadear insuficiência das células beta; portanto, jovens com obesidade, que tendem a ser mais resistentes à insulina que aqueles sem obesidade no início da puberdade, têm maior probabilidade de evoluir para DMT2 nesse momento.[38] Dados sugerem que jovens com obesidade não recuperam a sensibilidade à insulina no fim da puberdade, o que pode ter um impacto negativo na função celular beta durante esse período.[38]
A puberdade também anuncia um período de alterações em outros fatores de risco cardiometabólicos, como perfil lipídico, pressão arterial e adipocinas. Isso tem consequências significativas para jovens com obesidade: há evidências de que a puberdade é um dos maiores fatores de risco para a transição da obesidade metabolicamente saudável para não saudável.[38]
Sexo
Na diabetes do tipo 2 com início na juventude, as mulheres são mais afetadas que os homens.[13] Uma auditoria de 2021 do Reino Unido constatou que 64% das crianças com DMT2 eram do sexo feminino.[26]
Etnia/raça
A maioria dos casos de início de DMT2 na infância ocorre em crianças com origem racial/étnica de alto risco.[13][14][15]
As diferenças étnicas na sensibilidade à insulina são indicadas por maiores respostas da insulina à glicose oral em crianças e adolescentes negros em comparação com crianças brancas, com ajuste para peso, idade e estádio puberal.[39]
Predisposição genética
A predisposição genética subjacente é enfatizada pelo fato de que somente uma minoria das crianças com obesidade desenvolve DMT2.[3]
Outras evidências apoiando a etiologia genética vêm das análises de agregação e segregação familiar, indicando risco 3.5 vezes maior de evoluir para DMT2 em irmãos de indivíduos afetados em comparação com a população geral, e de estudos de gêmeos monozigóticos indicando concordância de 80% a 100%.[40] No estudo Treatment Options for Type 2 Diabetes in Adolescents and Youth (TODAY), realizado com jovens norte-americanos com DMT2 de início recente, quase 60% relataram ter pelo menos um parente, irmão ou meio irmão com diabetes, subindo para quase 90% quando os avós foram incluídos.[41]
O DMT2 em crianças e adolescentes, como em adultos, é poligênico. Embora tenha havido avanços rápidos no entendimento da genética do DMT2 em adultos, a genética do DMT2 em jovens permanece pouco estudada. Em 2021, o consórcio Progress in Genetic studies of youth-onset diabetes (ProDiGY) publicou o primeiro estudo de associação genômica ampla sobre DMT2 com início na juventude, identificando sete loci cruciais no genoma, inclusive rs7903146 em TCF7L2, rs72982988 próximo de MC4R, rs200893788 em CDC123, rs2237892 em KCNQ1, rs937589119 em IGF2BP2, rs113748381 em SLC16A11 e rs2604566 em CPEB2, que podem ter um papel significativo na detecção precoce da doença no futuro.[42]
Fisiopatologia
Citocinas e hormônios inflamatórios, secretados pelo excesso de tecido adiposo, estão associados à diminuição da capacidade de tecidos sensíveis à insulina responderem à insulina em nível celular.[43] Essa resistência insulínica é a primeira etapa no desenvolvimento do diabetes mellitus do tipo 2 (DMT2).
A gordura visceral é metabolicamente mais ativa que a subcutânea na produção de adipocinas que causam resistência insulínica. A quantidade de gordura visceral em adolescentes com obesidade se correlaciona diretamente com os níveis de insulina basal e estimulado pela glicose e inversamente com a sensibilidade à insulina.[44] A remoção de tecido adiposos subcutâneo em adultos, com lipossucção, não altera significativamente os níveis de adipocinas, a sensibilidade à insulina ou outros fatores de risco para doença coronariana (por exemplo, hipertensão, dislipidemia), enfatizando portanto a importância da localização do excesso de tecido adiposo.[45]
As células beta do pâncreas, no início da doença, compensam essa resistência insulínica celular aumentando a secreção de insulina. Em um dado momento, no entanto, a resposta compensatória das células beta falha e a intolerância à glicose se desenvolve. O fracasso das células beta na produção de insulina suficiente para permitir a utilização adequada da glicose a nível celular é a causa subjacente da transição de resistência insulínica para DMT2 clínico.[43]
Ceramidas elevadas (um tipo de esfingolipídio que demonstra toxicidade celular e ações pró-inflamatórias) nos músculos esqueléticos e níveis elevados de alanina aminotransferase hepática também estão associados a declínio na sensibilidade à insulina e desenvolvimento de DMT2.[46][47][48]
Devido à sobreposição na fisiopatologia entre diabetes, doença cardiovascular, obesidade e doença renal crônica, alguns grupos argumentam que essas afecções devem ser consideradas como pertencentes a um único espectro conhecido como síndrome cardiovascular-renal-metabólica. A American Heart Association, particularmente, endossou essa terminologia e defende o rastreamento a partir dos 3 anos de idade.[49] Consulte Rastreamento para obter mais informações.
Classificação
Classificação do diabetes mellitus em crianças
O diabetes é classificado de forma convencional nas seguintes categorias clínicas:[1][2]
Diabetes do tipo 1 (devido à destruição autoimune das células beta, geralmente ocasionando a deficiência absoluta de insulina)
Diabetes do tipo 2 (devido a uma perda progressiva não autoimune de secreção adequada de insulina das células beta, frequentemente secundária à resistência insulínica e síndrome metabólica)
Tipos específicos de diabetes por outras causas, por exemplo:
Síndromes de diabetes monogênico (por exemplo, diabetes de início na idade adulta em jovens, diabetes neonatal)
Defeitos genéticos na ação da insulina (por exemplo, diabetes lipoatrófico)
Doenças do pâncreas exócrino (por exemplo, fibrose cística, pancreatite, neoplasia, trauma/pancreatectomia, hemocromatose, sobrecarga de ferro relacionada a transfusão)
Endocrinopatias (por exemplo, síndrome de Cushing, hipertireoidismo, acromegalia, feocromocitoma)
Induzido por medicamentos ou químicos (por exemplo, com uso de glicocorticoide, no tratamento de pessoas com HIV ou após transplante de órgão)
Infecções (por exemplo, rubéola congênita, enterovírus, citomegalovírus)
Formas incomuns de diabetes mediados imunologicamente (por exemplo, anticorpos contra receptores de insulina, deficiências poliendócrinas autoimunes, SAF I e II)
Outras síndromes genéticas algumas vezes associadas ao diabetes (por exemplo, síndrome de Prader-Willi, síndrome de Down, síndrome de Klinefelter, síndrome de Turner, porfiria)
Diabetes mellitus gestacional (diabetes diagnosticado no segundo ou terceiro trimestre da gestação, que não era diabetes claramente evidente antes da gestação, ou outros tipos de diabetes que ocorrem ao longo da gestação, como o diabetes do tipo 1).
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal