Abordagem

A distinção entre diabetes mellitus do tipo 1, diabetes mellitus do tipo 2 e novo episódio de hiperglicemia pode ajudar a estabelecer um plano claro para o controle glicêmico durante a internação hospitalar. Já se demonstrou que os pacientes com hiperglicemia recém-descoberta apresentam uma mortalidade intra-hospitalar significativamente maior que os pacientes com uma história de diabetes ou normoglicêmicos.[33] A vigilância é necessária para detectar cetoacidose em pacientes com diabetes do tipo 1. Consulte Cetoacidose diabética.

A insulinoterapia é a prática padrão para o manejo de pacientes hospitalizados com hiperglicemia devido à sua eficácia e flexibilidade na dosagem.[4] Pacientes hospitalizados frequentemente apresentam flutuações na sensibilidade à insulina e na secreção de insulina devido a doenças agudas, estresse, infecções, medicamentos ou disfunção orgânica. A ingestão nutricional é frequentemente instável devido a náuseas, procedimentos ou jejum cirúrgico, e os esquemas medicamentosos muitas vezes exigem ajustes. Por exemplo, pode ser necessário suspender o uso de medicamentos orais em pacientes ambulatoriais devido a fatores como: comprometimento renal ou uso de contraste intravenoso (por exemplo, metformina), exacerbações de insuficiência cardíaca (por exemplo, tiazolidinedionas) ou jejum absoluto (por exemplo, sulfonilureias).

​Tanto em ambientes de cuidados intensivos quanto em ambientes não intensivos, as metas glicêmicas devem ser individualizadas com base no estado clínico do paciente e nos recursos disponíveis.[1]​​[34] A hiperglicemia e a hipoglicemia estão associadas à alta mortalidade, independentemente de história conhecida de diabetes.[3][21]​​

A estratégia e os objetivos do manejo são semelhantes para pacientes clínicos e cirúrgicos. No entanto, a hipoglicemia é um problema comum em pacientes com afecções não cirúrgicas e está associada a desfechos mais desfavoráveis nesse grupo.[26] Os princípios de manejo da glicose em pacientes com hiperglicemia recém-detectada continuam os mesmos dos pacientes com diabetes estabelecido. Uma prioridade fundamental no gerenciamento da glicemia em pacientes hospitalizados é evitar a hipoglicemia, mantendo ao mesmo tempo um controle glicêmico seguro.

Objetivos do controle glicêmico

Atualmente, é amplamente reconhecido que a hiperglicemia em pacientes hospitalizados não é apenas uma resposta transitória à doença ou ao estresse, mas sim uma condição que requer controle ativo. Diversos estudos de grande porte investigaram as metas glicêmicas ideais para pacientes em estado crítico, com resultados variados. Embora os primeiros estudos tenham apoiado o controle glicêmico rigoroso na unidade de terapia intensiva (UTI), pesquisas posteriores levantaram preocupações sobre o aumento da mortalidade e da hipoglicemia associadas à insulinoterapia intensiva.[35][36][37]

Uma vez iniciada a terapia para hiperglicemia (seja ela decorrente de diabetes recém-diagnosticada, hiperglicemia ou hiperglicemia por estresse relacionada ao diabetes antes da internação), a American Diabetes Association (ADA) recomenda:[1]

  • Para a maioria dos pacientes em estado crítico, a meta é manter os níveis de glicose entre 7.8 e 10.0 mmol/L (140-180 mg/dL).

    • Metas glicêmicas individualizadas mais rigorosas para pacientes críticos selecionados, se alcançáveis sem hipoglicemia significativa.

  • Para pacientes em estado não crítico, a meta é atingir níveis de glicose de 5.6 a 10.0 mmol/L (100-180 mg/dL), se possível sem causar hipoglicemia significativa.

    • Níveis glicêmicos de até 13.9 mmol/L (250 mg/dL) podem ser aceitáveis em populações selecionadas (por exemplo, indivíduos em fase terminal com expectativa de vida curta, insuficiência renal avançada [e/ou em diálise], alto risco de hipoglicemia e/ou excursões glicêmicas instáveis).

A The Endocrine Society recomenda a mesma faixa de valores-alvo glicêmicos de 5.6 a 10.0 mmol/L (100-180 mg/dL) para pacientes em estado não crítico que estão sendo tratados para hiperglicemia.[4]

A Canadian Diabetes Association recomenda valores-alvo glicêmicos entre 6.0 e 10.0 mmol/L (108 e 180 mg/dL) para a maioria dos pacientes hospitalizados em estado crítico.[2] Para a maioria dos pacientes hospitalizados com diabetes que não estejam em estado crítico, os valores-alvo glicêmicos pré-prandiais devem ser de 5.0 a 8.0 mmol/L (90-144 mg/dL), em conjunto com valores de glicemia aleatória <10.0mmol/L (<180 mg/dL), desde que essas metas possam ser alcançadas com segurança.[2]

A Joint British Diabetes Societies for Inpatient Care (JBDS-IP) recomenda uma meta glicêmica de 6.0 a 10.0 mmol/L (108-180 mg/dL) para pacientes hospitalizados em estado agudo.[29] No entanto, ressalta que as metas devem ser individualizadas. Para alguns pacientes hospitalizados que estejam bem, uma meta mais flexível de 3.9 a 10.0 mmol/L (54-180 mg/dL) pode ser aceitável (por exemplo, em adultos saudáveis e em boas condições de saúde que aguardam procedimentos cirúrgicos eletivos).[29]

As decisões diárias relativas aos objetivos do tratamento devem ser orientadas pelo julgamento clínico e pela avaliação contínua da condição do paciente, incluindo as tendências dos níveis de glicose, a gravidade da doença, o estado nutricional e o uso de medicamentos que afetam a glicose (por exemplo, glicocorticoides).[1]

Monitoramento da glicose em pacientes hospitalizados

Em pacientes diabéticos hospitalizados que estejam se alimentando, o monitoramento da glicose sanguínea capilar deve ser realizado antes das refeições. Para quem não está se alimentando, recomenda-se o monitoramento da glicose a cada 4 a 6 horas.[1] Quando se utiliza insulinoterapia intravenosa, é necessário um monitoramento mais frequente da glicose sanguínea capilar, normalmente a cada 30 minutos a 2 horas, para garantir um controle seguro e eficaz.[1] É importante observar que os medidores de glicose sanguínea capilar são menos precisos e exatos do que os analisadores de glicose de laboratório. As melhores práticas recomendam confirmar qualquer resultado de glicose sanguínea capilar que seja inconsistente com o quadro clínico do paciente, repetindo o teste e, se a discrepância persistir, enviando uma amostra para medição laboratorial, especialmente em casos de hipoglicemia assintomática.[1]

Embora a glicose sanguínea capilar continue sendo o padrão para monitoramento de glicose em pacientes hospitalizados, pesquisas recentes têm explorado o uso do monitoramento contínuo de glicose (MCG) ambulatorial em pacientes hospitalizados em estado não crítico. Estudos iniciais sobre um desses dispositivos sugerem que ele pode ajudar a reduzir tanto a hiperglicemia quanto a hipoglicemia em ambientes fora da UTI.[38] Vários dispositivos de MCG foram aprovados para uso hospitalar na Europa (a maioria usa amostras de glicose por via intravascular e um por via subcutânea) e nos EUA (via intravascular). Foi demonstrado que o MCG em tempo real reduz a incidência de hipoglicemia, embora possa aumentar a carga de trabalho da equipe de enfermagem.[39] Com a pandemia da doença do coronavírus de 2019 (COVID-19), houve um uso crescente de dispositivos de MCG em ambientes hospitalares. Dados de pacientes hospitalizados sugerem que os dispositivos de MCG oferecem precisão comparável aos testes de glicose sanguínea capilar em muitas situações, com o benefício adicional de melhor detecção e prevenção de excursões glicêmicas.[40][41][42][43]

De acordo com a The Endocrine Society, a implementação do MCG em ambiente hospitalar é recomendada para pacientes selecionados, não críticos, com alto risco de hipoglicemia, utilizando uma abordagem híbrida que combina o MCG com testes periódicos de glicose sanguínea capilar para validar a precisão do MCG.[4][44]​ Os pacientes com alto risco de hipoglicemia que podem se beneficiar da implementação do MCG durante a hospitalização incluem (mas não se limitam a):[4]

  • Aqueles com percepção prejudicada da hipoglicemia

  • Indivíduos com idade ≥65 anos

  • Indivíduos com índice de massa corporal ≤27 kg/m²

  • Dose diária total de insulina ≥0.6 unidades/kg

  • História de doença renal crônica em estágio ≥3 (taxa de filtração glomerular estimada <60 mL/min/1.73 m²), insuficiência hepática, acidente vascular cerebral, neoplasia ativa, distúrbios pancreáticos, insuficiência cardíaca congestiva ou infecção

  • História de hipoglicemia antes da internação ou hipoglicemia ocorrida durante uma hospitalização recente ou atual

Esta recomendação não se aplica a situações em que o MCG pode não ser preciso, incluindo em pacientes com infecções cutâneas extensas, hipoperfusão ou hipovolemia, ou naqueles que recebem terapia vasoativa ou pressora. Além disso, alguns medicamentos podem causar leituras imprecisas do MCG (por exemplo, paracetamol >4 g/dia, dopamina, vitamina C, hidroxiureia).[4] É importante ressaltar que o uso de MCG em pacientes hospitalizados não é atualmente aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA, mas é permitido sob discricionariedade de fiscalização e foi utilizado com autorização de uso emergencial durante a pandemia de COVID-19.[44] Para pacientes que já utilizam dispositivos pessoais de MCG, a The Endocrine Society recomenda a continuidade do uso durante a hospitalização.[44] Essa continuação também deve seguir a abordagem híbrida, combinando o MCG com testes periódicos de glicose sanguínea capilar para garantir a precisão.[44] A discricionariedade da FDA em matéria de fiscalização aplica-se da mesma forma neste caso.[44]

​A ADA dá suporte ao uso contínuo do MCG durante a hospitalização (particularmente para pessoas com diabetes do tipo 1 ou tipo 2 tratadas com insulinoterapia intensiva e com aumento do risco de hipoglicemia durante a hospitalização), juntamente com testes confirmatórios de glicose sanguínea capilar, desde que haja recursos adequados e treinamento da equipe.[1] No entanto, não recomenda iniciar o uso de MCG durante a hospitalização, observando que a implantação de novos dispositivos de MCG nesse contexto não recebeu aprovação da FDA.[1]

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Manejo da hiperglicemia não controlada (nível glicêmico >7.8 mmol/L [>140 mg/dL]) em pacientes hospitalizados

Pacientes em estado crítico

As diretrizes da ADA e da American Association of Clinical Endocrinology (AACE) recomendam a infusão intravenosa contínua de insulina como a abordagem mais eficaz para atingir o controle glicêmico desejado, minimizando o risco de hipoglicemia em pacientes em estado crítico.[1][3][21] A insulina subcutânea e os medicamentos antidiabéticos orais devem ser descontinuados durante a insulinoterapia intravenosa. Uma nova avaliação deve ser realizada quando o paciente estiver estável, tolerando a ingestão oral e deixando de usar insulina intravenosa.

A ADA recomenda o monitoramento da glicose sanguínea à beira do leito a cada 30 minutos a 2 horas para os pacientes que recebem insulina intravenosa.[1] Os pacientes podem necessitar de infusão concomitante de glicose para manter o equilíbrio glicêmico e prevenir a hipoglicemia, especialmente se não estiverem se alimentando ou tiverem ingestão oral limitada.

As infusões intravenosas de insulina devem ser administradas utilizando protocolos validados, escritos ou computadorizados, que permitam ajustes predefinidos na taxa de infusão de insulina com base nas flutuações glicêmicas e nas taxas de infusão de insulina imediatamente anteriores e atuais. Para pacientes que recebem infusões de insulina na UTI, protocolos computadorizados padronizados são cada vez mais utilizados para otimizar o atendimento.[1] Esses protocolos facilitam os processos de enfermagem, melhoram a eficiência e demonstraram reduzir a variabilidade da glicose.[45] Existem diversos protocolos disponíveis, incluindo o Protocolo de Infusão de Insulina de Yale, e embora poucos tenham sido comparados diretamente, os desfechos entre eles são geralmente comparáveis.[1][3][21][35][46][47] Yale Insulin Infusion Protocol Opens in new window

O planejamento da transição é importante para pacientes que recebem insulina intravenosa; a administração concomitante de um análogo de insulina basal subcutâneo 2 horas antes da interrupção da infusão intravenosa pode facilitar a mudança da insulina intravenosa para a subcutânea, reduzindo o risco de hiperglicemia de rebote.[1] Para a transição, a dose diária total de insulina subcutânea pode ser calculada com base na taxa de infusão de insulina durante as 6-8 horas anteriores, quando as metas glicêmicas estáveis foram alcançadas, com base na dose anterior de insulina administrada em casa ou seguindo uma abordagem com a dose calculada de acordo com o peso.[1]

Pacientes com doença estável e não crítica

Para pacientes em estado não crítico com hiperglicemia não controlada, o tratamento normalmente envolve o início da administração de insulina subcutânea e a suspensão de medicamentos anti-hiperglicêmicos orais. As doses de insulina subcutânea podem então ser ajustadas conforme necessário, com base nos níveis de glicose e na ingestão nutricional. É particularmente importante evitar hipoglicemia e hiperglicemia, pois em alguns casos elas estão associadas a desfechos mais desfavoráveis.[48]

A The Endocrine Society recomenda a insulinoterapia programada (utilizando esquemas basal ou basal-bolus) como a abordagem preferencial para o manejo glicêmico na maioria dos adultos hospitalizados com doenças não críticas e hiperglicemia.[4]​ O uso isolado de insulina em escala móvel é fortemente desencorajado em pacientes hospitalizados, pois é menos eficaz e está associado a maior variabilidade glicêmica.[1][49][50]

No entanto, para adultos sem diabetes conhecido que desenvolvem hiperglicemia durante a hospitalização, a The Endocrine Society recomenda iniciar o tratamento apenas com insulina corretiva (isto é, insulina administrada somente em resposta ao aumento da glicose) para manter os níveis de glicose entre 5.6 e 10.0 mmol/L (100 e 180 mg/dL).[4] Caso a hiperglicemia persista, definida como duas ou mais leituras de glicose sanguínea capilar ≥10.0 mmol/L (≥180 mg/dL) em 24 horas, deve-se iniciar a insulinoterapia programada.[4]

Em adultos com diabetes previamente tratados com dieta ou agentes anti-hiperglicêmicos não insulínicos, a terapia inicial também pode começar com insulina corretiva ou insulina de administração programada.​[4] No entanto, para pacientes que apresentam hiperglicemia persistente (≥2 leituras de glicose sanguínea capilar ≥10.0 mmol/L [≥180 mg/dL] em 24 horas) enquanto estiverem em uso exclusivo de insulina corretiva, deve-se iniciar a administração de insulina programada.[4] A administração de insulina programada também é recomendada para pacientes que apresentam glicose sanguínea na internação ≥10.0 mmol/L (≥180 mg/dL).[4]

Para adultos com diabetes tratados com insulina antes da internação, a The Endocrine Society recomenda a continuidade do esquema de insulina domiciliar, modificado com base na ingestão nutricional e na gravidade da doença, com o objetivo de manter os níveis glicêmicos na faixa de 5.6 a 10.0 mmol/L (100-180 mg/dL).[4] Reduções na dose de insulina basal (de 10% a 20%) no momento da hospitalização podem ser necessárias para pacientes em esquemas de insulina basal intensos (definidos como doses de insulina basal ≥0.6 a 1 unidade/kg/dia), nos quais a insulina basal está sendo usada inadequadamente para controlar as excursões na glicose sanguínea relacionadas às refeições.[4] A ADA recomenda, de forma semelhante, iniciar ou intensificar a terapia com insulina ou outro medicamento hipoglicemiante para níveis persistentemente elevados de glicose sanguínea ≥10.0 mmol/L em duas ocasiões distintas dentro de um período de 24 horas.[1]

Esquemas de insulina

Para pacientes em insulinoterapia prévia, a dose diária total domiciliar pode servir como guia para iniciar os esquemas de insulina em pacientes hospitalizados. A estratégia basal-bolus é a preferencial.

  • Insulina basal: pode ser de ação prolongada (por exemplo, insulina glargina, insulina degludec) ou de ação intermediária (por exemplo, insulina NPH [protamina neutra de Hagedorn]). As insulinas basais de segunda geração, como a insulina glargina (300 unidades/mL) e a insulina degludec (100 unidades/mL e 200 unidades/mL), proporcionam uma farmacocinética mais estável e menor variabilidade glicêmica, podendo ser mantidas durante a hospitalização.[51][52]

  • Para os esquemas de ação prolongada, metade da dose diária total é administrada como insulina basal uma ou duas vezes ao dia, e a outra metade como insulina de ação rápida em doses fracionadas antes das refeições.[49] A insulina de ação rápida deve ser suspensa se o paciente não estiver se alimentando, mas a insulina basal geralmente deve ser mantida.[49]

  • Para os esquemas de ação intermediária, dois terços da dose diária são administrados pela manhã (fracionados em dois terços de insulina NPH e um terço de insulina de ação rápida) e um terço ao fim do dia (fracionado em metade de insulina NPH e metade de insulina de ação rápida com a refeição do fim do dia ou ao deitar).

  • O uso de insulina de ação rápida ao deitar para corrigir a hiperglicemia não é recomendado com base em dados de um estudo randomizado em pacientes com diabetes do tipo 2.[53]

  • A The Endocrine Society e a ADA incentivam o uso contínuo de bombas de insulina de circuito fechado (sistemas de administração automatizada de insulina) durante a hospitalização, desde que o paciente seja capaz de manejar o dispositivo de forma independente e a instituição tenha estabelecido protocolos, suprimentos, treinamento e avaliações de competência.[1][44]

Os autores deste tópico não recomendam o uso de insulina em escala móvel isoladamente na maioria das circunstâncias clínicas. No entanto, ela pode ser usada ocasionalmente por 24 horas para determinar a necessidade de insulina em alguns pacientes. A insulina em escala móvel isolada pode ser considerada para os pacientes hospitalizados com doença não crítica e sem história de diabetes com hiperglicemia leve >7.8 mmol/L, mas <10.0 mmol/L.[4]

Diabetes preexistente bem controlado: doença não crítica estável

Para pacientes diabéticos hospitalizados que estejam clinicamente estáveis, apresentem níveis glicêmicos bem controlados e mantenham uma ingestão oral consistente, a continuidade do seu esquema antidiabético ambulatorial habitual pode ser apropriada.[34] No entanto, o manejo de paciente hospitalizado deve ser individualizado com base nas comorbidades, no risco de hipoglicemia e na possibilidade de jejum. A insulina continua sendo a forma de tratamento preferencial para a maioria dos pacientes hospitalizados, particularmente aqueles com hiperglicemia ou ingestão oral imprevisível.

Diabetes do tipo 1:

Os pacientes hospitalizados que tiverem níveis glicêmicos bem controlados podem continuar a usar o esquema de insulina normal, se o consumo de refeições permanecer semelhante ao consumo em casa. A ADA recomenda um esquema de insulina basal e de correção para todos os pacientes hospitalizados com diabetes do tipo 1, independentemente do estado de ingestão oral, com adição de insulina prandial caso o paciente esteja se alimentando.[1] As doses de insulina administradas no horário das refeições podem precisar ser ajustadas dependendo da ingestão de alimentos.

Diabetes do tipo 2:

Não existem evidências robustas que sugiram se os pacientes com diabetes do tipo 2 devem continuar a tomar medicamentos antidiabéticos orais durante a hospitalização (quando possível). A maioria dos pacientes passa a utilizar um esquema de insulina basal-bolus, especialmente na presença de hiperglicemia ou ingestão oral imprevisível. No entanto, para pacientes com níveis glicêmicos bem controlados, que se alimentam regularmente e não apresentam contraindicações, a continuação do uso de agentes orais pode ser considerada caso seja improvável que o paciente passe para o jejum absoluto.

  • A metformina deve ser usada com cautela devido às suas contraindicações (incluindo comprometimento renal, insuficiência cardíaca aguda e exames contrastados) e, frequentemente, seu uso é descontinuado durante a hospitalização. No entanto, estudos observacionais recentes de grande porte sugerem que o tratamento pode ser continuado com segurança em pacientes selecionados e clinicamente estáveis.[54][55]

  • As tiazolidinedionas não são recomendadas em pacientes com sobrecarga hídrica ou insuficiência cardíaca devido ao risco de exacerbar a retenção de volume.

  • Os inibidores da proteína cotransportadora de sódio e glicose 2 (SGLT2) devem ser descontinuados na internação devido ao risco de CAD euglicêmica, particularmente em pacientes cirúrgicos; eles devem ser suspensos 3 dias antes de procedimentos eletivos (4 dias para ertugliflozina).[1][56] Apesar dessas preocupações, o uso de inibidores de SGLT2 em ambiente hospitalar continua sendo tema de investigação ativa, com dados emergentes sugerindo benefícios em populações selecionadas.[57] A ADA recomenda que pacientes com diabetes do tipo 2 hospitalizados com insuficiência cardíaca iniciem ou continuem o tratamento com um inibidor de SGLT2 após a recuperação da doença aguda, desde que não haja contraindicações.[1]

  • Em pacientes selecionados com diabetes do tipo 2 e hiperglicemia leve, a The Endocrine Society sugere que um inibidor da dipeptidil peptidase-4 (DPP-4) com insulina corretiva ou insulinoterapia programada pode ser utilizado. Essa abordagem é apropriada para pacientes com hemoglobina A1c (HbA1c) recente <58 mmol/mol (<7.5%), glicose sanguínea consistentemente <10.0 mmol/L (<180 mg/dL) e, se previamente tratado com insulina, uma dose diária total <0.6 unidades/kg/dia. Pacientes cujos níveis glicêmicos permanecem persistentemente elevados durante o uso de um inibidor de DPP-4 devem ser transferidos para insulina programada. Estas recomendações não se aplicam a pacientes com diabetes do tipo 1 ou formas de diabetes insulinodependentes. Para qualquer nova terapia iniciada durante a hospitalização com planos de continuação ambulatorial, os médicos devem discutir o custo e a preferência do paciente antes da alta.[4]

  • Medicamentos com efeitos hipoglicêmicos (por exemplo, sulfonilureias, meglitinidas) podem ser difíceis de ajustar com precisão em um contexto de estado nutricional e alimentar variável e, geralmente, não são recomendados.

Manejo glicêmico perioperatório

Para adultos com diabetes que serão submetidos a cirurgia eletiva, a The Endocrine Society recomenda atingir um nível de HbA1c pré-operatório de 63.9 mmol/mol (<8%) e manter os níveis glicêmicos entre 5.6 e 10.0 mmol/L (100 e 180 mg/dL).[4] Estas recomendações aplicam-se apenas a pacientes submetidos a procedimentos eletivos em que exista tempo suficiente para otimizar o controle da glicose com antecedência. Os níveis glicêmicos devem estar dentro da faixa alvo durante as 1-4 horas que antecedem a cirurgia. Os médicos também devem estar cientes de que fatores como anemia, hemoglobinopatias, doença renal crônica, consumo de álcool, certos medicamentos e variabilidade glicêmica significativa podem afetar os níveis de HbA1c e devem ser considerados na avaliação do controle glicêmico.[4]

Os pacientes hospitalizados para cirurgia eletiva de pequeno porte que fazem uso de medicamentos antidiabéticos orais podem continuar com esses medicamentos se o procedimento for curto e se houver previsão de que o paciente retome a alimentação ainda no mesmo dia. Para procedimentos mais longos e complicados, medicamentos por via oral geralmente são descontinuados em favor do início de insulina em esquema basal-bolus administrado por via subcutânea a partir do dia da cirurgia.

Embora reconhecendo que os dados disponíveis sobre o uso perioperatório de agonistas do receptor do peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP-1) são limitados, uma diretriz de prática clínica multissocietária de 2024, endossada pela American Society of Anesthesiologists (ASA) e outros grupos de especialidades, recomenda uma abordagem de tomada de decisão compartilhada entre as equipes de anestesia, cirurgia e prescrição.[58]​ Isso inclui a avaliação de fatores de risco individuais para retardo do esvaziamento gástrico e aspiração, como estar em uma fase de aumento de dose, uso de formulações de dose mais alta ou semanais, presença de sintomas gastrointestinais (por exemplo, náuseas, vômitos, dor abdominal, constipação) ou comorbidades como gastroparesia ou doença de Parkinson. Para pacientes sem fatores de risco elevados, a terapia com agonistas do receptor do GLP-1 pode ser continuada no período perioperatório.[58] Em pacientes com aumento do risco, a descontinuação do tratamento deve ser considerada, sendo que a ASA recomenda a suspensão das formulações diárias no dia da cirurgia e das formulações semanais pelo menos 7 dias antes de procedimentos eletivos.​[58][59]​​ Estratégias de mitigação de risco pré-operatórias, como uma dieta líquida 24 horas antes do procedimento, o uso de ultrassonografia gástrica quando disponível ou ajustes na anestesia, como a indução em sequência rápida, podem reduzir ainda mais o risco de aspiração.[58] A ADA recomenda, de forma semelhante, que as decisões perioperatórias sejam individualizadas com base em fatores como a indicação da terapia (por exemplo, diabetes versus obesidade), o controle glicêmico atual, a urgência cirúrgica, o tipo de anestesia e os recursos institucionais.[1] Caso se preveja que a suspensão de um agonista do receptor do GLP-1 (ou de um agonista duplo do polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose [GIP]/receptor GLP-1) agrave os desfechos glicêmicos, a ADA recomenda considerar uma abordagem alternativa para o manejo glicêmico perioperatório, como a insulinoterapia.[1]

Para pacientes que usam insulina antes da hospitalização, a dose de insulina de ação intermediária é reduzida em 30% a 50% no fim do dia anterior à cirurgia. Geralmente, as insulinas verdadeiramente basais, como insulina glargina ou a insulina degludec, podem ser administradas na dose rotineira exata ou aproximada. As insulinas de ação rápida são suspensas enquanto o paciente não está se alimentando.

Procedimentos cirúrgicos longos e complexos podem exigir infusão intravenosa de insulina para manter o controle glicêmico ideal, e existem diversos algoritmos disponíveis para isso. Para passar pacientes pós-cirúrgicos estáveis do esquema de insulina intravenosa para o basal-bolus subcutâneo, a dose intravenosa diária total pode ser reduzida em 20%. Cinquenta por cento desse total são então administrados como insulina de ação prolongada uma ou duas vezes ao dia, e 50% são fracionados em duas ou três injeções antes das refeições. A administração concomitante de um análogo de insulina basal subcutânea 2 horas antes da interrupção da infusão intravenosa pode facilitar a transição da insulina intravenosa para a subcutânea, reduzindo o risco de hiperglicemia de rebote.[1]

Manejo da hipoglicemia

Os pacientes com aumento do risco de hipoglicemia incluem aqueles com redução da ingestão alimentar, desnutrição, insuficiência hepática ou renal, insuficiência cardíaca, neoplasia maligna, infecção, sepse, idade avançada e comprometimento cognitivo.[1][3]​​[21]

Comparada à insulina em escala móvel, a insulina em esquema basal-bolus é mais frequentemente associada à hipoglicemia.[26][34]​ A hipoglicemia induzida por insulina pode levar à neuroglicopenia. A hipoglicemia está associada a desfechos mais desfavoráveis, especialmente em pacientes de UTI. O uso de sedação ou betabloqueadores pode mascarar os sintomas de neuroglicopenia, prejudicando as respostas contrarregulatórias. Além disso, alterações na dosagem de corticosteroides, reduções na glicose intravenosa ou na nutrição parenteral, ou alterações na ingestão nutricional oral podem contribuir para a hipoglicemia. Secretagogos orais de insulina (sulfonilureias ou meglitinidas) também podem precipitar hipoglicemia.

A ADA e a AACE recomendam reavaliar o esquema de insulina quando a glicose sanguínea do paciente cair abaixo de 5.6 mmol/L (100 mg/dL) e modificar o esquema se a glicose cair abaixo de 3.9 mmol/L (70 mg/dL).[1][3]​​​[21]

Para prevenir a hipoglicemia, o monitoramento frequente da glicose e as modificações oportunas do tratamento, como a redução imediata das taxas de infusão de insulina, são essenciais. A hipoglicemia leve em pacientes capazes de ingerir alimentos por via oral pode ser controlada com glicose oral ou suco de frutas. Em casos de hipoglicemia grave ou refratária, ou em pacientes incapazes de ingerir glicose por via oral, deve-se administrar glicose a 50% por via intravenosa, com monitoramento rigoroso da glicose durante a hora seguinte. Alguns médicos preferem concentrações mais baixas (glicose a 10% ou 20%) para reduzir o risco de hiperglicemia pós-tratamento ou lesão tecidual por extravasamento.[60]​ De forma alternativa, pode-se administrar glucagon por via intramuscular. Formulações mais recentes de glucagon estão disponíveis em alguns países; consulte Novos tratamentos.

Cuidados de suporte

Em todos os pacientes, devem-se garantir nutrição e reposição de fluidos adequadas. A nutrição enteral ou a nutrição parenteral total (NPT) podem ser necessárias em pacientes com diabetes que não estão se alimentando:[1]

  • Caso seja utilizada NPT, a insulina pode ser adicionada diretamente à solução de NPT, especialmente se mais de 20 unidades de insulina corretiva tiverem sido necessárias nas últimas 24 horas, ou administrada como uma infusão intravenosa separada. Recomenda-se uma dose inicial de insulina de 1 unidade de insulina humana neutra por 10 g de glicose, com ajustes diários conforme necessário.

  • Para indivíduos que recebem nutrição enteral, as prescrições de insulina devem abordar as necessidades basais, prandiais e corretivas. A maioria dos adultos que já recebem insulina basal deve continuar com a dose habitual. A componente de insulina pós-prandial pode ser estimada em 1 unidade por cada 10-15 g de carboidrato fornecido pela fórmula alimentar. A seleção e o momento da administração de insulina devem corresponder ao esquema de alimentação: para alimentação enteral contínua, as opções incluem insulina NPH a cada 8-12 horas ou insulina neutra a cada 6 horas, devido à sua duração de ação mais prolongada. Para alimentação enteral em bolus, deve-se administrar insulina de ação rápida ou neutra antes de cada alimentação, com adição de insulina corretiva conforme necessário.

  • Como a alimentação enteral ou parenteral contínua cria um estado pós-prandial constante, tentar reduzir a glicose abaixo de 7.8 mmol/L (140 mg/dL) aumenta significativamente o risco de hipoglicemia. São necessários ajustes frequentes na dose de insulina, e a insulina corretiva pode ser administrada a cada 6 horas (insulina neutra) ou a cada 4 horas (insulina de ação rápida), dependendo do esquema terapêutico. Em caso de interrupção da nutrição enteral, deve-se iniciar imediatamente a administração de fluidoterapia intravenosa contendo glicose, especialmente em indivíduos com diabetes do tipo 1, para prevenir a hipoglicemia e reduzir o risco de cetoacidose diabética. A insulina basal deve ser mantida em pacientes com diabetes do tipo 1, independentemente do estado nutricional.

Os pacientes em uso de insulina intravenosa podem necessitar de infusão concomitante de glicose para manter o equilíbrio glicêmico e prevenir a hipoglicemia, especialmente se não estiverem se alimentando ou tiverem ingestão limitada de glicose.

Os eletrólitos devem ser monitorados e corrigidos, se necessário. Deve-se acrescentar potássio à fluidoterapia intravenosa de acordo com os protocolos locais de enfermaria para evitar ou tratar a hipocalemia.

Alta e acompanhamento

A medição de HbA1c é importante para determinar o plano na alta. Um nível elevado de HbA1c indica um controle glicêmico preexistente inadequado e sugere a necessidade de intensificação ou modificação da terapia antidiabética (por exemplo, iniciar insulina ou maximizar o uso de agentes orais).[3][33]

Há uma ampla gama de terapias disponíveis para manejo do diabetes em longo prazo. Alguns pacientes podem precisar continuar a tomar insulina em casa até que a completa recuperação permita uma transição para outros medicamentos.[34]

Os pacientes sem diagnóstico prévio de diabetes devem receber acompanhamento ambulatorial para reavaliar os níveis de glicose e determinar a necessidade de tratamento contínuo ou avaliação diagnóstica.

Crianças

Um estudo randomizado envolvendo pacientes pediátricos submetidos a cirurgia cardíaca constatou que o controle glicêmico rigoroso, visando valores-alvo glicêmicos de 4.4 a 6.1 mmol/L (80-110 mg/dL), não afetou significativamente as taxas de infecção, mortalidade, tempo de internação hospitalar ou indicadores de insuficiência de órgãos, em comparação com o padrão de cuidados.[61] Em outro estudo com pacientes pediátricos em estado crítico (excluindo aqueles submetidos à cirurgia cardíaca) com hiperglicemia, aqueles no grupo-controle glicêmico rigoroso (valores-alvo glicêmicos de 4.4 a 6.1 mmol/L [80-110 mg/dL]) apresentaram taxas mais altas de infecções associadas à assistência à saúde e taxas significativamente mais altas de hipoglicemia grave em comparação com aqueles mantidos em valores-alvo glicêmicos mais altos (8.3 a 10.0 mmol/L [150-180 mg/dL]). Não houve diferenças significativas na mortalidade, nas medidas de insuficiência de órgãos ou nos dias livres de ventilação mecânica entre os grupos. Devido à falta de benefícios e ao aumento do risco de danos, o ensaio clínico foi interrompido precocemente.[62]

Sempre que possível, um endocrinologista pediátrico deve ser consultado no tratamento de crianças hospitalizadas com diabetes, especialmente aquelas em estado crítico.

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