Abordagem

O processo diagnóstico tem por objetivo excluir a possibilidade de uma lesão instável na coluna cervical que poderia potencialmente causar compressão da medula espinhal e comprometimento neurológico. Em qualquer caso de trauma, até que essa possibilidade tenha sido descartada definitivamente, a imobilização do pescoço com um colar cervical rígido é obrigatória. O diagnóstico envolve uma combinação de história, achados físicos e, quando necessário, estudos de imagem.

As principais considerações incluem:

  • Determinar quais pacientes precisam de imagens da coluna cervical após o trauma

  • Decidir se a imagem mais apropriada é por raios-x dinâmicos da coluna cervical (vistas de flexo-extensão), tomografia computadorizada (TC) ou ressonância nuclear magnética (RNM)

  • Excluir a possibilidade de instabilidade dinâmica ou ligamentar em pacientes comatosos ou com nível de consciência reduzido.

Assim que uma lesão instável da coluna cervical tenha sido excluída, a grande maioria das lesões cervicais remanescentes são secundárias a lesões dos tecidos moles e, em geral, não exigem investigações ou tratamentos adicionais significativos.

Restrição da movimentação da coluna cervical

Por diversas razões, nem todos os pacientes são avaliados no ambiente pré-hospitalar, e os pacientes podem chegar ao pronto-socorro queixando-se de dor cervical após uma queda ou outro trauma sem nenhuma medida de precaução no pescoço ou na coluna. Embora a maioria possa, por fim, acabar não apresentando uma lesão significativa, o médico deve permanecer alerta para a possibilidade de alguns pacientes apresentarem uma lesão instável e atuar de acordo.

As precauções com a coluna cervical (um colar cervical de tamanho adequado, imobilizadores de cabeça e a prancha longa) servem para restringir o movimento da coluna vertebral, proteger e auxiliar com o transporte e o manuseio dos pacientes com possíveis lesões na medula espinhal. Quando a restrição do movimento da coluna vertebral é indicada em adultos, deve-se aplicá-la em toda a coluna vertebral devido ao risco de lesões não contíguas. Um componente crítico da restrição da movimentação da coluna é a aplicação de um colar cervical de tamanho apropriado.[14] A cabeça, o pescoço e o tronco devem ser mantidos alinhados, colocando-se o paciente sobre uma prancha longa, uma maca côncava, um colchão a vácuo ou uma maca de ambulância.[14][25] O transporte somente deve ser realizado com o uso de uma prancha longa rígida, devendo-se fazer o possível para removê-la o quanto antes.[26]

Se houver evidências de qualquer um dos itens abaixo em um paciente, após um incidente que pareça ser compatível com uma possível lesão da coluna cervical, o médico deverá aplicar restrição da movimentação da coluna, incluindo um colar cervical rígido:[14][25]

  • Nível de consciência agudamente alterado (Escala de Coma de Glasgow <15, evidências de intoxicação) [ Escala de coma de Glasgow Opens in new window ]

  • Sinais e/ou sintomas neurológicos focais (por exemplo, fraqueza subjetiva, dormência, parestesia ou disestesia de um membro)

  • Deformidade anatômica da coluna vertebral

  • Circunstâncias que causem distração ou lesões (por exemplo, fratura de ossos longos, desluvamento ou esmagamentos, queimaduras grandes, sofrimento emocional, barreira de comunicação, etc.) ou qualquer lesão semelhante que prejudique a capacidade do paciente de contribuir para um exame confiável.

Esses pacientes geralmente precisam ser tranquilizados no sentido de serem informados de que constituem medidas de precaução (mas importantes) e que serão removidas assim que lesões graves forem descartadas. Se nenhuma dessas características estiver presente, é seguro omitir as medidas de precaução da coluna cervical e proceder para os estágios posteriores da avaliação.

Não são necessários exames de imagem da coluna cervical, podendo ser removido o colar cervical se as seguintes condições forem atendidas em pacientes adultos com trauma:[14]

  • Acordado e alerta (Escala de coma de Glasgow = 15)

  • Exame neurológico normal

  • Ausência de mecanismo de lesão de alto risco

  • Ausência de sensibilidade cervical

  • Amplitude da movimentação cervical livre.

O restante da coluna deve também ser avaliado de forma semelhantes antes da remoção da restrição da movimentação da coluna. O termo "restrição da movimentação da coluna" é recomendado em vez de "imobilização" porque as técnicas atuais limitam ou reduzem a movimentação indesejável da coluna vertebral, mas não proporcionam uma verdadeira imobilização da coluna.[14][25]

Fatores preditivos de lesão grave da coluna cervical

O modo e o mecanismo da lesão (por exemplo, colisão entre veículos automotores, queda, lesão provocada por mergulho, hiperflexão-extensão, carga axial) devem ser determinados a fim de ajudar avaliar a probabilidade de lesão significativa. Mecanismos de lesão de energia mais alta, bem como aqueles associados a golpes na cabeça ou no rosto, trazem um risco mais elevado de uma lesão instável da coluna cervical.

História

De maneira oportuna, segura e sistemática, o médico deve avaliar e examinar o paciente, de modo que se possa decidir se as precauções cervicais podem ser removidas com segurança.

A avaliação e o diagnóstico devem seguir os protocolos do Suporte Avançado de Vida no Trauma (ATLS, Advanced Trauma Life Support), com avaliação preliminar e manejo das vias aéreas, da respiração e da circulação.[14][26] Quando o paciente estiver estabilizado em relação a esses aspectos vitais, a coluna cervical pode ser avaliada.

A anamnese é realizada como parte da inspeção secundária. Devem-se fazer perguntas específicas quanto à presença de dor cervical e irradiação para os membros superiores, para a cintura escapular ou para as costas, e à presença de disfunção neurológica, como fraqueza subjetiva ou paralisia de membro, dormência, parestesia ou disestesia nos membros ou tronco. No entanto, a ausência desses sintomas com uma lesão por distração pode ser enganosa.[14]

O modo e o mecanismo da lesão (por exemplo, colisão entre veículos automotores, queda, lesão provocada por mergulho, hiperflexão-extensão, carga axial) devem ser determinados a fim de ajudar avaliar a probabilidade de lesão significativa.[10] Mecanismos de lesão de energia mais alta, bem como aqueles associados a golpes na cabeça ou no rosto, trazem um risco mais elevado de uma lesão instável da coluna cervical.

Se uma lesão na medula espinhal cervical alta comprometer a função do nervo frênico ou ocorrer uma lesão nos tecidos moles do pescoço, os pacientes podem queixar-se de dificuldade subjetiva para respirar ou dispneia.

Em colisões entre veículos automotores, as circunstâncias básicas do evento devem ser investigadas, incluindo a posição do paciente no veículo, uso de freio, presença de airbag e a natureza da colisão (por exemplo, impacto traseiro, impacto frontal, capotamento).

As características da história médica pregressa que podem aumentar a probabilidade de lesão incluem lesão cervical prévia, osteopenia, osteoporose, artrite reumatoide, espondilite anquilosante e neoplasias malignas malignidades com tendência para metástases ósseas (por exemplo, próstata, mama, intestino). Eventuais acidentes vasculares cerebrais (AVCs) prévios podem ser responsáveis por uma fraqueza. A história medicamentosa pode dar pistas sobre comorbidades potencialmente importantes. Os pacientes que tomam anticoagulantes (por exemplo, heparina de baixo peso molecular, varfarina) podem necessitar de reversão da anticoagulação se forem descobertas lesões ósseas ou de tecidos moles significativas. A história pregressa de traumas na coluna vertebral e a presença de implantes vertebrais podem afetar a tomada de decisões cirúrgicas e radiológicas.

Exame físico

A pesquisa primária deve se concentrar no controle da hemorragia, vias aéreas, respiração, circulação, incapacidade e exposição. A restrição da movimentação cervical e toracolombar deve ser mantida durante toda esta fase, até que a coluna vertebral seja avaliada de forma mais aprofundada durante a inspeção secundária.[14] Os sinais vitais devem ser medidos. Uma combinação de hipotensão com bradicardia em caso de possível lesão na medula espinhal pode ser indicativa de choque neurogênico.

O nível de consciência deve ser formalmente avaliado com o uso da Escala de coma de Glasgow. O comprometimento da consciência pode afetar a confiabilidade da história e dos achados do exame físico.[14]

[ Escala de coma de Glasgow Opens in new window ]

A pesquisa primária deve identificar quaisquer sinais de lateralização por meio de uma rápida avaliação da função motora e dos reflexos nos membros. A redução do nível de consciência, fraturas pélvicas ou dos membros, queimaduras ou outras lesões, tais como do plexo braquial, podem afetar os resultados da avaliação dos deficits sensoriais ou motores.[14] Os sinais observados durante a pesquisa primária que sugerem uma lesão na medula espinhal incluem ausência de movimentação igual nos membros superiores e/ou inferiores que pode ser associada a um deficit sensorial intenso.[14] A perda das funções intestinal e vesical (retenção urinária ou incontinência urinária/fecal e/ou priapismo em homens pode sugerir lesão aguda da medula espinhal e precisa ser descartada.[14][27]

A inspeção secundária tem como objetivo obter uma história e exame físico completos e detalhados após a conclusão da inspeção primária. Deve-se realizar um exame neurológico completo de acordo com a ferramenta de documentação dos Padrões Internacionais de Classificação Neurológica de Lesões na Medula Espinhal (ISNCSI). ASIA: International standards for neurological classification of SCI (ISNCSCI) worksheet​ Opens in new window​ Um exame físico estruturado de toda a coluna vertebral é realizado durante a pesquisa secundária.[14]

O médico deve examinar o pescoço e palpar gentilmente a linha média posterior do pescoço, observando a presença de qualquer ponto de sensibilidade ou deformidade evidente.[14] Isso exige pessoal adicional para dar suporte à cabeça e ao pescoço do paciente manualmente e em uma posição fixa enquanto os imobilizadores de cabeça são removidos e o colar é aberto e suavemente retirado. Assim que tiverem sido removidos, o médico pode examinar as superfícies anterior e lateral do pescoço e palpar gentilmente toda a extensão da linha média da coluna cervical (processos espinhosos), buscando deformidades ou sensibilidade em todos os níveis vertebrais. A sensibilidade cervical lateral à linha média é mais sugestiva de lesão muscular ou de tecidos moles, a qual não deve impactar a estabilidade da coluna cervical.

O exame neurológico avalia também a função dos nervos cranianos, pois lesões na junção occipitocervical da coluna podem causar lesões no tronco encefálico. A força e a sensação (sensibilidade tátil e a estímulos dolorosos) devem ser avaliadas para todos os miótomos e dermátomos, respectivamente. Os reflexos tendinosos profundos devem ser investigados nos membros superiores e inferiores. Um sinal de Babinski (isto é, uma resposta plantar para cima) e um sinal de Hoffman (isto é, adução do polegar ao se pinçar a unha de um dedo estendido da mesma mão) são testes altamente específicos para lesões do neurônio motor superior que devem ser realizados em todos os pacientes. O exame retal deve ser realizado para se avaliar o tônus retal, a sensibilidade perianal e o reflexo bulbocavernoso em pacientes com suspeita de lesão na medula espinhal. O reflexo bulbocavernoso é promovido pela raiz nervosa S4-S5 e desencadeado apertando-se a glande do pênis ou puxando-se suavemente a sonda vesical de demora. A ausência desse reflexo indica a provável presença de choque medular e impede a avaliação definitiva da integridade da lesão na medula espinhal.[14] O retorno do reflexo bulbocavernoso significa o fim do choque medular.

Se for identificada uma lesão na medula espinhal, o nível da lesão deve ser avaliado utilizando a ferramenta de documentação clínica do ISNCSCI.[14]

Imagem da coluna cervical

O colar cervical e as precauções com a coluna não devem ser retirados, e imagens da coluna cervical são necessárias nas seguintes situações:[14]

  • Estado mental alterado (Escala de coma de Glasgow <15)

  • Deficit neurológico (isto é, fraqueza subjetiva ou paralisia de membro, dormência, parestesia ou disestesia)

  • Mecanismo de lesão de alto risco

  • Presença de sensibilidade cervical

  • Redução da amplitude de movimento da coluna cervical.

A Canadian C-Spine Rule foi elaborada para guiar médicos de primeira linha em prontos-socorros ou na prática clínica quanto ao manejo de pacientes que se apresentam com uma história de trauma da coluna cervical, mas estão neurologicamente intactos, despertos e alertas.[28] Neste esquema, os pacientes são examinados primeiro para fatores de lesão de alto risco (por exemplo, idade ≥​65 anos, mecanismo perigoso ou exame neurológico anormal). A presença de qualquer um desses fatores exige imagens clínicas. Pacientes que atendem aos critérios de baixo fator de risco (simples colisão traseira de veículo automotor; sentados no pronto-socorro; ambulatórios no momento da lesão; início tardio, não imediato, de dor cervical; ou ausência de sensibilidade na linha média da coluna cervical) são avaliados posteriormente com avaliação da amplitude de movimentos cervical. Neste teste, o paciente é solicitado a mover a cabeça 45º para a direita e para a esquerda. A falha no teste (por exemplo, dor ou incapacidade de completar o exame) justifica exames de imagem adicionais e a continuação da restrição do movimento da coluna cervical.

O National Emergency X-Radiography Utilization Study (NEXUS) é semelhante à Canadian C Spine Rule.[29] Este estudo trata da questão de quando realizar exames de imagem em pacientes que apresentam uma história de trauma da coluna cervical. Um paciente que atende aos 5 critérios clínicos tem probabilidade baixa de apresentar lesão da coluna cervical. Os critérios são:

1. Ausência de sensibilidade da linha média posterior da coluna cervical

2. Ausência de deficit neurológico focal

3. Nível normal do estado de alerta

4. Ausência de evidências de intoxicação

5. Ausência de lesão dolorosa clinicamente aparente que possa distrair o paciente da dor de uma lesão da coluna cervical.

O NEXUS e a Canadian C-Spine Rule foram desenvolvidos e comprovados para uso na população adulta.

Depois de se utilizarem regras de decisão clínica apropriadas e avaliar o risco de fratura ou lesão na medula espinhal durante as inspeções primária e secundária, os pacientes em risco de trauma da coluna vertebral deverão ser avaliados com estudos de imagem específicos.[14] A tomografia computadorizada com multidetectores (TCMD) sem contraste é a modalidade de exame de imagem inicial de escolha para avaliar a coluna cervical.[14] As imagens da coluna cervical são obtidas a partir da base do crânio ou da junção craniocervical, através da junção cervicotorácica. Cortes mais finos aumentam a sensibilidade, mas podem aumentar a carga de radiação. Recomendam-se cortes axiais contíguos não superiores a 3 mm para se obterem imagens reformatadas nos planos axial, coronal e sagital na coluna cervical.[14][30]​ A principal limitação da TC reside em sua relativa incapacidade de detectar mudanças nos tecidos moles, incluindo a medula espinhal e as estruturas ligamentares.[14] Apesar da alta sensibilidade da TCMD para identificar anormalidades ósseas, a interpretação pode ser difícil nos pacientes com alterações degenerativas graves ou osteopenia.[14] As radiografias simples da coluna cervical e toracolombar não são recomendadas no rastreamento inicial do trauma da coluna vertebral por causa de sua baixa sensibilidade.[14] Vários ensaios clínicos randomizados e controlados com evidências de Classe I agora consideram a radiografia simples como insuficiente para identificar fraturas clinicamente relevantes.[14][31][32][33][34][35]​ As radiografias simples têm uma sensibilidade que varia de 45% a 64%, enquanto as modernas TCs helicoidais cervicais têm uma sensibilidade que chega a 100%.[14]

Em pacientes obnubilados ou intubados, apenas o uso da TC é suficiente para descartar lesões instáveis da coluna cervical.[36] Na ausência de TC, as radiografias simples permanecem sendo efetivas para avaliar desalinhamentos da coluna cervical e fazer medições dos tecidos moles pré-vertebrais. As incidências nesta série incluem anteroposterior, lateral, odontoide com boca aberta e incidência "nadador". Todos os níveis entre o occipício e a metade superior de T1 necessitam ser visualizados. Se isso não puder ser realizado em uma incidência lateral, é necessária uma incidência "nadador".

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Padrões de fratura comuns com trauma grave da coluna cervical. Linha superior: fratura cervical do tipo explosão no nível de C5. Esquerda: imagem de tomografia computadorizada (TC) axial mostrando uma fratura no corpo vertebral C5; direita: ressonância nuclear magnética (RNM) sagital mediana ponderada em T2, mostrando a retropulsão do corpo vertebral C5 com compressão da medula espinhal, alterações de sinal na medula espinhal ponderadas em T2 e alterações de sinal no complexo ligamentar posterior ponderadas em T2, indicando a ruptura desses ligamentos. Linha inferior: fratura-luxação no nível de C6-C7. Da esquerda para a direita: radiografia lateral, TC axial ao longo do nível C6/C7 da faceta e RNM sagital mediana ponderada em T2 demonstrando compressão da medula espinhal e alteração de sinal na medula espinhal ponderada em T2Do acervo pessoal de Michael G. Fehlings [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@37d56fd1

Pacientes com dor cervical/sensibilidade da linha média persistente com lesão ligamentar da coluna cervical correm risco de instabilidade dinâmica. Radiografias em flexão/extensão (F/E) da coluna cervical têm sido utilizadas para identificar a instabilidade dinâmica em pacientes com TC cervical normal que estejam totalmente conscientes e sejam capazes de flexão e extensão voluntária do pescoço. O paciente realiza radiografias laterais da coluna cervical, com as maiores flexão e extensão possíveis. Qualquer subluxação em mais de 3 mm de um corpo vertebral relativo a um adjacente significa a possibilidade de instabilidade dinâmica e aumenta a preocupação de lesão ligamentar. Radiografias em F/E normais descartam lesões ligamentares, e as precauções da coluna cervical podem ser descontinuadas. No entanto, dado o movimento restrito e a visualização limitada da coluna cervical no período pós-traumático inicial, deve-se ter cuidado ao usar esta técnica para descartar lesão ligamentar no cenário traumático agudo. A RNM da coluna cervical, em vez de radiografias em F/E, é geralmente a investigação de acompanhamento de escolha para pacientes com uma TC cervical normal, quando houver suspeita de instabilidade dinâmica.[37][38][39]

A RNM é complementar à TC na avaliação de lesões na medula espinhal cervical. Ela tem alta sensibilidade para a identificação de lesões em tecidos moles e é considerada o padrão de referência na identificação de lesões na medula espinhal e no complexo discoligamentar. A RNM é a única modalidade de avaliação da estrutura interna da medula espinhal.[14] No entanto, deve-se ter cuidado ao interpretar os resultados da RNM, pois a especificidade para identificar lesões significativas em tecidos moles se mostra apenas modesta. Portanto, a correlação clínica é essencial em cada cenário do paciente.[40] Além disso, a RNM não é confiável para a identificação de lesões ósseas. Portanto, em termos de valores diagnósticos, a RNM é recomendada nos seguintes cenários clínicos: pacientes com achados clínicos ou de imagem que sugiram coluna cervical mecanicamente instável ou ruptura ligamentar; pacientes com deficit neurológico, suspeita de lesão da medula espinhal ou lesão da raiz nervosa; pacientes comatosos com TC normal da coluna cervical, para avaliação de possível lesão ligamentar; e pacientes com TC normal da coluna cervical com dor/sensibilidade persistente no pescoço, para avaliar possível lesão ligamentar.[14][39] As diretrizes da AOSpine sugerem que, quando possível e desde que não haja contraindicações, a RNM seja usada em pacientes com lesão na medula espinhal antes de qualquer intervenção cirúrgica, para auxiliar na decisão clínica, e antes ou depois da intervenção cirúrgica, para predizer o desfecho neurológico.[41] Os pacientes em suporte ventilatório, com instabilidade hemodinâmica ou que não podem permanecer parados por períodos prolongados muitas vezes exigem a ajuda de um anestesista para uma sedação adequada.

Caso a RNM não seja obtida, o mielograma por TC pode ser usado para avaliar a compressão da medula espinhal e a lesão da raiz nervosa. No entanto, o desafio técnico na realização do mielograma e a pior qualidade de imagem para identificação de lesão de tecidos moles e compressão de fascículos colocam essa técnica como a modalidade de imagem de segunda escolha no caso de lesão na medula espinhal com deficit neurológico associado.

A angiotomografia (ATG), combinando a modalidade de TC com a fase arterial da injeção intravenosa de contraste, é particularmente útil na visualização da vasculatura em relação às estruturas ósseas. No caso de suspeita de lesão arterial, a ATG pode identificar positivamente todas as lesões vasculares clinicamente relevantes associadas a lesão na medula espinhal cervical contusa.[42][43] No entanto, essa técnica sujeita o indivíduo a potenciais danos relacionados à administração de contraste, portanto, só deve ser usada quando a suspeita clínica for alta.[39] De forma alternativa, a angiografia por ressonância magnética (ARM) tem sido usada no trauma cervical contuso para avaliação de lesão vascular. Embora um estudo tenha relatado uma ligeira vantagem da ATG sobre a ARM na identificação de lesões arteriais, a literatura amplamente dá suporte à ARM como a modalidade de imagem alternativa equivalente.[44][45][46]

Investigações e encaminhamento adicionais

Diagnósticos e investigações adicionais dependem dos resultados da TC e do estado clínico do paciente. Se o paciente estiver neurologicamente intacto, acordado e alerta (Escala de coma de Glasgow = 15) sem lesão visível da coluna cervical na TC, mas reclamar de dor cervical persistente, as opções são:

  • Manter o colar cervical

  • Remover o colar cervical até que seja obtida uma radiografia dinâmica normal da coluna cervical

  • Remover o colar cervical assim que for obtida uma RNM normal da coluna cervical.

Se o médico responsável estiver inseguro quanto ao manejo, recomenda-se uma consulta com um especialista em neurocirurgia ou ortopedia.

Se o paciente apresentar uma lesão visível da coluna cervical na TC mas estiver neurologicamente intacto, todas as medidas de imobilização da coluna cervical são mantidas e obtém-se uma consulta de urgência com ortopedista especializado em coluna.

Se o paciente documentou lesão da coluna cervical na TC ou apresenta deficit neurológico, todas as medidas de imobilização da coluna cervical são mantidas, solicita-se uma RNM urgente da coluna cervical para investigar a possibilidade de compressão/lesão na medula espinhal e obtém-se uma consulta de urgência com ortopedista especializado em coluna.

Se for identificada uma lesão ou fratura da coluna cervical, uma TC de toda a coluna é indicada para identificar uma fratura toracolombossacral concomitante.[11] Consulte Trauma da coluna toracolombar.​

Deve-se considerar um rastreamento universal para lesão cerebrovascular contusa para todos os pacientes com trauma importante por meio de uma TC de corpo inteiro.[14] Estudos de condução nervosa devem ser solicitados se houver suspeita de radiculopatia. Desaceleração da condução nervosa ocorre com compressão do nervo periférico. Deve-se solicitar uma eletromiografia; os resultados devem ser interpretados por um neurologista.

Devem ser realizados testes adicionais, como parte de uma pesquisa secundária, para descartar a possibilidade de lesões periféricas adicionais que possam estar confundindo o relato dos sintomas pelo paciente ou o exame físico.

Liberação da coluna cervical em pacientes obnubilados

Pacientes obnubilados representam um desafio ímpar para a liberação da coluna cervical, em que o risco de fraturas instáveis não identificadas deve ser equilibrado com a morbidade significativa associada a medidas de precaução da coluna prolongadas (por exemplo, úlceras por pressão, pneumonia por aspiração, mobilização tardia e descondicionamento cardiorrespiratório).

Uma revisão de 2015 da diretriz da Eastern Association for the Surgery of Trauma (EAST) revelou que TC de alta qualidade em lâmina delgada (corte axial <3 mm) combinada com RM 1.5T, série de radiografias em posição vertical, TC de flexão-extensão e/ou acompanhamento clínico apresentou um valor preditivo negativo (VPN) de 91% para lesões estáveis (n=1718 em 11 estudos), no pior cenário.[47] Na maioria dos casos, achados positivos nas avaliações adjuvantes levaram à continuação do tratamento com uso do colar ou à descontinuação do colar, em oposição à intervenção cirúrgica. Para lesões instáveis, encontrou-se um VPN de 100% para casos de TC de alta qualidade em lâmina delgada, sem casos de nova alteração neurológica (paraplegia ou quadriplegia) após remoção do colar cervical. Como um resultado, as diretrizes da EAST fornecem uma recomendação condicional para remover colares cervicais após TC isolada de coluna cervical de alta qualidade negativa em pacientes adultos obnubilados com traumatismo contuso.[47] Estudos subsequentes reafirmaram esta recomendação.[31][48] O American College of Surgeons recomenda uma TC cervical helicoidal negativa como suficiente para remover o colar cervical em um paciente adulto confuso/não avaliável com trauma contuso.[14] Quando disponível, deve-se consultar um cirurgião de coluna para confirmar a necessidade de uma RNM cervical se houver preocupação clínica com sintomas neurológicos e/ou lesão ligamentar atribuível à coluna vertebral.[14]

Liberação da coluna cervical: considerações especiais em pacientes idosos

Os critérios do grupo National Emergency X-Radiography Utilization Study (NEXUS) não incluem contingências relacionadas à idade, enquanto a Canadian C-Spine Rule considera uma idade superior a 65 anos como um fator de risco.[14] As diretrizes da EAST não mencionam nenhuma consideração especial para pacientes adultos idosos.[14][47]​​ Uma revisão retrospectiva constatou que 20% dos pacientes com mais de 55 anos de idade com fraturas da coluna vertebral (n=173) eram assintomáticos, sem dor cervical ou deficits neurológicos e sem sensibilidade na linha média à apresentação por traumatismo contuso.[49] A taxa de cirurgias cervicais para pacientes "assintomáticos" com mais de 55 anos de idade foi semelhante à da população "sintomática" (19% x 22%).[49] Os autores concluíram que a presença ou ausência de dor pode ser um indicador pouco confiável de fratura na coluna cervical em uma população em envelhecimento.[49] Quando usada em conjunto com as diretrizes de liberação existentes, a negação da dor pode fazer com que as lesões passem despercebidas.[49] O American College of Surgeons recomenda exames de imagem mais liberais para os adultos idosos.[50]

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