Abordagem
A investigação diagnóstica dos pacientes após sofrerem trauma agudo da coluna cervical podem revelar uma série de lesões, desde lesões ósseas e ligamentares altamente instáveis, potencialmente fatais até pequenos entorses dos tecidos moles (lesão por chicote). O tratamento depende muito da exata apresentação sintomática e radiográfica, e pode ir desde descompressões/fixações cirúrgicas de emergência até imobilização com colete em um colar cervical rígido ou semirrígido, a fisioterapia e analgesia.
O controle da dor é uma prioridade urgente no cuidado de pacientes com lesão na medula espinhal (LME) aguda. Vários tipos de dor, desde dor nociceptiva somática e visceral até dor neuropática, podem ser experimentados devido à lesão da coluna vertebral ou por destruição de tecidos moles, hematoma expansivo e outras respostas inflamatórias do tecido local do hospedeiro. Após a liberação da coluna cervical, a maioria dos pacientes com trauma agudo da coluna cervical pode ser tratada com sucesso com exercícios de amplitude de movimentos e uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). Os sintomas de muitos pacientes vão se resolver após alguns dias a semanas de terapia com AINE. Aqueles pacientes que não melhorarem rapidamente, no entanto, devem ser tratados algoritmicamente, conforme é descrito abaixo, sem atrasos.
Manejo imediato
Todos os pacientes com trauma devem ser avaliados com base nos princípios de Suporte Avançado de Vida no Trauma®, independentemente de haver suspeita ou confirmação de alguma fratura na medula espinhal ou LME.[14] Qualquer paciente que apresente dor cervical aguda após um trauma e estado neurológico alterado deve ser considerado sob risco de lesão aguda da coluna cervical até que se realize uma avaliação completa.
A avaliação primária deve concentrar-se no controle da hemorragia, vias aéreas (Airway), respiração (Breathing), circulação (Circulation), incapacidade (Disability) e exposição (Exposure); a abordagem ABCDE.[26] A restrição da movimentação cervical e toracolombar deve ser mantida durante toda esta fase, até que a coluna vertebral seja avaliada de forma mais aprofundada durante a inspeção secundária.[14] O objetivo principal durante a avaliação da "incapacidade", depois de se avaliar o escore da Escala de Coma de Glasgow e a resposta pupilar, é identificar quaisquer sinais de lateralização por meio de uma rápida avaliação da função motora e dos reflexos nos membros.[14] A inspeção secundária tem como objetivo obter uma história e exame físico completos e detalhados após a conclusão da inspeção primária e o paciente ser considerado estável e não apresentando nenhuma lesão com risco à vida.[14] Depois do uso de regras de decisão clínica apropriadas e avaliar o risco de fratura ou lesão na medula espinhal durante as inspeções primária e secundária, os pacientes em risco de trauma da coluna vertebral deverão ser avaliados com estudos de imagem específicos.[14] Consulte Abordagem do diagnóstico.
Posteriormente, o manejo do paciente será determinado pelos achados do exame físico e de imagem, e a lesão receberá um tratamento para lesão cervical não complicada ou para lesões complicadas que exigem intervenção neurocirúrgica de emergência. As lesões cervicais que necessitam de tratamento de emergência incluem fraturas, luxações, hérnias de disco e outros padrões de lesão associados a uma maior probabilidade de lesão neurológica sustentada ou potencial.
Lesão no pescoço não complicada
Lesões não complicadas da coluna cervical geralmente não envolvem sintomas neurológicos. Essas lesões quase sempre apresentam resolução espontânea ou com um mínimo de terapia conservadora (modalidades físicas como fisioterapia, exercícios de amplitude de movimento e AINEs), geralmente dentro de 3 meses.[14] A melhora com os cuidados conservadores deve ser reavaliada após 4 semanas. O uso de analgésicos opioides por um curto período de tempo (1-2 semanas) pode ser útil para pacientes com dor de intensidade moderada a alta.[14] Os pacientes podem ser tratados com tramadol, hidrocodona ou oxicodona associada a paracetamol. O médico responsável deve considerar a realização de exames de imagem em qualquer paciente com dor que não corresponda ao mecanismo da lesão, como, por exemplo, TC.
A restauração do movimento normal da coluna é de grande importância, para este fim, colares cervicais são altamente contraproducentes e geralmente contraindicados, assim como repouso no leito. Exercícios de tolerância são importantes para a terapia de suporte. O encaminhamento para fisioterapia deve ser considerado. As modalidades físicas incluem exercícios domiciliares de tolerância de ADM (não devem causar dor). O paciente deve ser reavaliado quanto ao progresso na fisioterapia após 4 semanas. Exercícios de condicionamento são contraindicados até os níveis de dor diminuírem. Se o paciente for incapaz de participar de reabilitação ativa em decorrência da dor, uma consulta com um neurologista ou outro especialista em dor é necessária.
Os pacientes podem não ter outro diagnóstico além de distensão do pescoço; no entanto, sua condição pode ser complicada por comorbidades ou outras lesões sofridas simultaneamente. São mais comuns outros sintomas musculoesqueléticos, incluindo: dor na coluna lombar, dor nas articulações dos membros superiores e dor na articulação temporomandibular, cada uma das quais associada a um mecanismo de acidente automobilístico com colisão traseira e aceleração de corpo inteiro. Cefaleia sem outros sintomas neurológicos pode ser associada ao seguinte: traumatismo cranioencefálico fechado, irritação do nervo occipital maior, lesão na faceta cervical (C2-4 mais tipicamente), ou tensão no músculo cervical. Pacientes com sintomas de traumatismo cranioencefálico fechado devem ser monitorados quanto a dificuldades em atividades da vida diária, atividades profissionais e relacionamentos. Se as queixas persistirem por >2 meses, os pacientes devem ser encaminhados para avaliação neuropsicológica. Um golpe na cabeça ou perda de consciência não são necessários para um diagnóstico de traumatismo cranioencefálico fechado ou lesão cerebral traumática leve (LCTL). Os sintomas podem ser exacerbados e possivelmente causados por dor, uso de analgésicos opioides e trauma psicológico relacionado a um acidente. Os sintomas também podem ser exacerbados por questões relacionadas ao potencial de compensação (embora todos os problemas físicos e psicológicos devam ser descartados primeiro antes de se levantar essa suspeita). A maioria dos LCTLs apresenta resolução espontânea alguns meses após o trauma, mas alguns irão persistir.
Lesões no pescoço com alta probabilidade de lesão neurológica após a avaliação inicial
As lesões cervicais potencialmente urgentes incluem fraturas, luxações, hérnias de disco e outros padrões de lesão óssea associados a uma maior probabilidade de lesão neurológica sustentada ou iminente. O pescoço do paciente deve ser imobilizado enquanto se aguarda avaliação e diagnóstico urgentes por anamnese, evidências clínicas de lesão nos neurônios motores superiores e TC ou ressonância nuclear magnética (RNM). O National Institute for Health and Care Excellence do Reino Unido recomenda o uso de prancha longa apenas como dispositivo de salvamento.[11] As avaliações neurológicas devem ser seguidas por classificação de acordo com os padrões internacionais para classificação neurológica de lesão na medula espinhal (ISNCSCI), propostos pela American Spinal Injury Association (ASIA). ASIA: International standards for neurological classification of SCI (ISNCSCI) worksheet Opens in new window
Esses pacientes podem ter manifestações similares às daqueles que apresentam lesões cervicais não complicadas, mas geralmente terão sinais ou sintomas de mielopatia ou de radiculopatia. O manejo contínuo desses pacientes pode exigir medicamentos, outras modalidades terapêuticas e cuidados de suporte, dependendo do tipo de fratura e de fatores do paciente, como a idade.[14] As fraturas do côndilo occipital sem compressão neural ou desalinhamento craniocervical podem ser tratadas com sucesso com uma órtese cervical rígida ou semirrígida.[14][63]
Se houver um início rápido de paresia e um possível atraso para consultar um especialista, pode-se considerar o tratamento com metilprednisolona intravenosa. A metilprednisolona em altas doses pode ser eficaz quando administrada dentro de 8 horas após a lesão no contexto de LME aguda.[64][65] Embora estudos tenham identificado um subgrupo de pacientes que demonstraram melhores escores motores depois de receberem metilprednisolona dentro de 8 horas após a lesão, em comparação com o placebo, os efeitos colaterais incluíram infecção, hemorragia digestiva, hiperglicemia e morte.[64] O American College of Surgeons afirma que o uso de metilprednisolona dentro de 8 horas após a LME não pode ser recomendado de maneira definitiva.[14] Quando ela é usada, existe uma variabilidade na decisão de se administrar a metilprednisolona e em qual protocolo específico usar; o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido desaconselha o uso da metilprednisolona para o tratamento de uma lesão traumática aguda da medula espinhal.[14][66] No contexto do papel controverso dos corticosteroides na LME, o uso de metilprednisolona deve ser considerado individualmente. Continua sendo uma opção para pacientes que se apresentam dentro de 8 horas após LME não penetrante na população de pacientes jovens, não diabéticos e imunocompetentes. Se houver uma LME penetrante, a metilprednisolona não deve ser administrada.[14] Além disso, a infusão de metilprednisolona não deve exceder o período de 24 horas, devido ao aumento do risco de eventos adversos como pneumonia e sepse.[65] Portanto, é importante que as comorbidades clínicas sejam consideradas antes de iniciar o tratamento. Por exemplo, os riscos da administração podem superar os benefícios em um paciente com diabetes mellitus e LME torácica completa. Os níveis glicêmicos devem ser cuidadosamente monitorados durante o ciclo de tratamento com metilprednisolona, e a hiperglicemia deve ser tratada agressivamente com uma infusão de insulina.
Se não for possível realizar uma consulta com um especialista na própria instituição, é necessário realizar prontamente uma consulta por telefone com um especialista adequado (neurocirurgião ou cirurgião ortopedista treinado para realizar cirurgias na coluna). As informações importantes de se comunicar nessa consulta são história completa, exame físico (incluindo exame neurológico) e resultados de quaisquer investigações por imagem. O médico responsável deve fazer perguntas sobre:
O uso de metilprednisolona
Reversão da anticoagulação (o paciente deve estar tomando esses medicamentos)
A exigência de transporte de emergência para um centro especializado.
O momento certo para a descompressão cirúrgica tem sido um tema de controvérsia na comunidade da coluna vertebral. As diretrizes da AOSpine 2017 concluíram que a descompressão precoce (≤24 horas após a lesão) para pacientes adultos com LME, independentemente do nível, deve ser oferecida, embora a qualidade da evidência para a recomendação seja baixa.[67] Em uma metanálise, pacientes que foram submetidos a descompressões cirúrgicas precoces (n=528) apresentaram melhor recuperação que os que foram submetidos a cirurgias de descompressão tardias (n=1020) 1 ano após a lesão na medula espinhal, medida por uma melhora no total dos escores motores, nos escores de sensibilidade tátil e nos escores de estímulo doloroso. Os pacientes submetidos a descompressões precoces apresentaram também melhores graus na escala de comprometimento da ASIA (AIS) 1 ano após a cirurgia, o que indica um comprometimento menos grave, em comparação com os pacientes submetidos a cirurgias tardias.[68]
Trauma na coluna com artrite
Espondilite anquilosante (EA) e hiperostose esquelética idiopática difusa (DISH) estão associadas a padrões de fratura únicos e paradigmas de tratamento após trauma de coluna. A EA é uma entesopatia soronegativa que ocorre mais comumente em homens, com início tipicamente antes dos 40 anos de idade. Imagens demonstram uma "coluna em bambu" com sindesmófitos em ponte de múltiplos níveis e quadratura dos corpos vertebrais. Fraturas de hiperextensão-distração resultantes de traumas menores podem produzir lesões graves da medula espinhal, que requerem descompressão urgente e fusões instrumentadas de segmentos longos. No manejo inicial, é crucial a imobilização dos pacientes em sua própria posição natural para evitar lesões futuras, seguida de avaliação cirúrgica de urgência.
A DISH manifesta-se na coluna na forma de pontes ósseas fundindo os aspectos anterolateral de 4 ou mais corpos vertebrais ao longo do ligamento anterolateral. Podem ocorrer fraturas adjacentes a um segmento fundido ou dentro do segmento fundido envolvendo um corpo vertebral. Uma revisão retrospectiva de 112 pacientes com fraturas associadas a EA ou DISH revelou que o mecanismo mais comum (39%) foi queda no nível do solo; 8% também tinham 2 ou mais segmentos não contíguos envolvidos, destacando a importância de descartar lesões concomitantes.[69]
Trauma na coluna durante o envelhecimento
Existem desafios únicos no manejo de traumas de coluna em idosos (>65 anos). A síndrome medular central (SMC) é o subtipo mais comum de LME traumática incompleta. É definida por fraqueza cruzada (membros superiores piores que membros inferiores) e um padrão variável de perda sensorial e disfunção intestinal/da bexiga. Embora seja observada mais comumente em pacientes idosos com estenose preexistente do canal cervical e lesões de hiperextensão, a SMC também pode ocorrer em outras populações com fraturas agudas e hérnias de disco.
Historicamente, o papel da descompressão cirúrgica precoce no SMC é incerto, dada a recuperação espontânea substancial comumente observada neste subtipo.[70] O Spine Trauma Study Group (Grupo de Estudos de Trauma de Coluna) constatou que, no acompanhamento de 12 meses de um conjunto de dados observacionais, a descompressão precoce (<24 horas após a lesão) foi associada a uma maior probabilidade de melhora no grau da AIS (RC=2.8) quando comparada à cirurgia tardia, e que aqueles pacientes no grupo de cirurgia precoce apresentaram uma melhora de 6.3 pontos na pontuação motora total. A intervenção cirúrgica precoce é ainda respaldada pelas diretrizes da AOSpine de 2017.[67]
Pacientes com fraturas e SMC definitivamente devem ser tratados por imobilização interna e/ou externa em consulta com um serviço cirúrgico. Para deficits menos graves (grau D da AIS), uma abordagem inicial conservadora com acompanhamento clínico rigoroso é adequada, reservando a opção de descompressão cirúrgica dependendo da extensão e da temporalidade da recuperação.[71]
As fraturas mais comuns da coluna cervical em idosos são fraturas do odontoide, geralmente causadas por quedas de baixa energia. Há pontos de vista divergentes sobre tratamento cirúrgico versus não cirúrgico (por exemplo, colar rígido, halo).
Fraturas do tipo I (ponta do processo) são raras e tipicamente tratadas com colar após descartar lesões associadas ao ligamento atlantotransverso (LAT) ou luxação atlanto-occipital. Fraturas do tipo III podem ser tratadas com um colete halo (LAT intacto, não significativamente deslocado e estável em um halo) ou cirurgia (parafuso odontoide anterior ou fusão posterior). Fraturas do tipo II são as mais comuns e são tratadas de forma semelhante às fraturas do tipo III com halo ou cirurgia; entretanto, coletes halo estão associados com morbidade e mortalidade substanciais em idosos.
Um estudo de pacientes geriátricos com fraturas do odontoide do tipo II tratados cirurgicamente (n=101) ou não cirurgicamente (n=58) encontrou maior falha de tratamento com idade avançada (OR=1.08/ano), tratamento não cirúrgico inicial (OR=3.09), sexo masculino (OR=4.33) e comorbidade basal do sistema neurológico (OR=4.13).[72] Consequentemente, a intervenção cirúrgica antecipada atualmente é considerada uma abordagem razoável em idosos que, de outro modo, seriam tratados usando um colete halo. Se o risco cirúrgico for muito alto, um colar rígido e acompanhamento clínico e radiográfico rigoroso podem ser uma abordagem razoável para conseguir uma não união fibrosa através do local da fratura, ao mesmo tempo em que se evita a morbidade de um halo.
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