Abordagem
O objetivo principal do tratamento é normalizar o metabolismo, prevenir ou reverter a hipertermia e prevenir a rabdomiólise. A base do tratamento inclui descontinuação do agente desencadeante, administração de dantroleno intravenoso e restauração de uma temperatura central normal.[1] O paciente deve ser estabilizado na sala cirúrgica e transferido para a unidade de terapia intensiva (UTI) para receber monitoramento e tratamento contínuos. Alguns pacientes podem apresentar hipertermia maligna (HM) na sala de recuperação e não na sala cirúrgica. O tratamento é o mesmo que na sala cirúrgica, com exceção de que pode haver momentos em que a colocação de um tubo endotraqueal não seja necessária. Complicações decorrentes de lesão crítica por calor, como coagulopatia intravascular disseminada e edema cerebral, e complicações decorrentes de rabdomiólise, como parada cardíaca hipercalêmica e insuficiência renal mioglobinúrica, devem ser previstas. Hematologistas e nefrologistas devem ser consultados conforme indicado.
Manejo inicial de HM desencadeada por anestésicos inalatórios
A anestesia inalatória deve ser interrompida.[1][2] A succinilcolina (suxametônio) acentua a doença e não deve ser usada para tratar a rigidez muscular. O tempo levado para que o fator desencadeante seja eliminado depende do tempo de exposição. Modernas estações de trabalho de anestesia possuem uma reserva de anestésicos inalatórios maior que a de máquinas mais antigas.[84][85] Vestígios de agentes inalatórios podem ser administrados ao paciente por mais de 1 hora após a remoção da fonte do vaporizador de anestesia. Durante uma crise aguda de HM, o uso de filtros de carvão ativado no circuito de conexão das vias aéreas do paciente elimina de maneira confiável a administração de anestésicos voláteis.[86][87] Os fabricantes recomendam que um filtro de carvão ativado seja colocado no ramo inspiratório e expiratório do circuito.[1] Além disso, deve-se administrar altas taxas de fluxo de oxigênio a 100% para diminuir a exposição a gases residuais na estação de trabalho e minimizar um efeito rebote se as taxas de fluxo de gás administrado novamente forem reduzidas; caso contrário, deve-se fornecer uma fonte de oxigênio alternativa.[85] Todas as modernas máquinas de anestesia com absorvedores de dióxido de carbono em uso podem se transformar em não reinaladoras aumentando o fluxo total de gás administrado acima da ventilação-minuto do paciente (volume de gás ventilado em 1 minuto). O dióxido de carbono exalado e a ventilação-minuto devem ser monitorados. A ventilação-minuto deve ser aumentada (duas a três vezes o normal, conforme a fisiologia permitir) para controlar a acidose respiratória.
O dantroleno intravenoso deve ser iniciado assim que houver suspeita do diagnóstico.[1][2] Como o dantroleno produz fraqueza muscular, é preciso que a aparelhagem para colocação de tubo endotraqueal esteja preparada quando o dantroleno for administrado rapidamente por via intravenosa. A Malignant Hyperthermia Association of the United States (MHAUS) recomenda que a dosagem inicial de dantroleno deve ser repetida até que o tônus muscular retorne ao normal, a acidose remita, e a frequência cardíaca esteja normal.[88] A Association of Anaesthetists (da Grã-Bretanha e Irlanda) especifica que o dantroleno deve ser administrado até que o ETCO₂ esteja abaixo de 45mmHg (6 kPa), com ventilação-minuto normal e temperatura central < 38.5°C (101.3°F).[1] Quando essas metas são alcançadas, as diretrizes da MHAUS e da Association of Anaesthetists (da Grã-Bretanha e Irlanda) diferem nas recomendações sobre a dosagem contínua de dantroleno. Consulte "Tratamento contínuo na UTI" abaixo. Se a resolução da rigidez muscular e do estado hipermetabólico não tiver sido alcançada após uma dose de dantroleno total de 10 mg/kg, o diagnóstico alternativo deve ser reconsiderado.
Na ausência de dantroleno intravenoso, a suspeita de HM foi eliminada com o dantroleno intraoperatório administrado por meio de sonda nasogástrica.[89]
Se a temperatura central é maior que 40 °C (104 °F) ou aumentar rapidamente, é necessário instituir medidas de emergência para reduzir a temperatura.[1] Uma solução salina balanceada, intravenosa e fria, preferencialmente sem potássio, deve ser administrada rapidamente. O paciente deve ser descoberto para permitir a perda de calor por condução e radiação. O resfriamento de ar forçado pode ser usado para acelerar esses processos. Compressas frias devem ser colocadas na virilha, axilas, pescoço e em volta da cabeça até que a temperatura central diminua para 38 °C (100.4 °F).[88] O resfriamento deve ser descontinuado quando a temperatura central diminuir para 38°C (100.4°F), para prevenir a correção excessiva e a hipotermia iatrogênica.[1][90] A lavagem peritoneal é eficaz e pode ser usada se a cavidade peritoneal já tiver sido acessada cirurgicamente. A lavagem gástrica não é segura nem eficaz e não é recomendada.[90]
A fluidoterapia em grandes volumes pode ser necessária por causa da translocação de fluidos para dentro do músculo edemaciado. A mensuração do pH sanguíneo, pCO₂ e potássio devem guiar a administração de bicarbonato. Um limiar baixo para a administração de bicarbonato de sódio deve ser considerado, pois valores de pH baixos estão associados com um desfecho desfavorável na HM.[1] A administração intravenosa de bicarbonato e glicose com insulina pode ser necessária para tratar a hipercalemia. Se houver evidências de hipercalemia significativa (potássio > 5.9 mmol/L ou desenvolvimento de alterações no ECG), pode ser necessário administrar cálcio intravenoso.[91] A hiperventilação também pode ajudar reduzindo a acidose. A hipercalemia pode causar arritmias e parada cardíaca, exigindo uma ressuscitação cardíaca em associação com medidas extremas como hemofiltração venovenosa contínua em casos de rabdomiólise grave.[92] Bloqueadores do canal de cálcio devem ser evitados quando se estiver tratando arritmias na presença de um episódio agudo de HM.[7][93] A insuficiência cardíaca pode ocorrer por causa da necessidade de um alto débito cardíaco para atender à demanda de oxigênio.
Se o anestésico desencadeante for administrado em um centro cirúrgico ambulatorial, o paciente precisará ser transferido a um hospital de destino.[2] Dantroleno intravenoso deve ser iniciado mesmo antes da transferência, pois a probabilidade de complicações significativas da HM dobra a cada 30 minutos de atraso na administração de dantroleno.[2][6] Um novo plano de transferência relacionada a HM deve ser iniciado nesse momento, e o manejo da HM aguda deve continuar enquanto o paciente aguarda a transferência para o hospital.[2]
Continuação do tratamento na UTI
Há alto risco de recorrência nas primeiras 24 horas após o tratamento inicial, e esse risco ultrapassa 30% em indivíduos com tipo de corpo musculoso.[94] Para pacientes que apresentam resposta ao tratamento agudo com dantroleno, a MHAUS recomenda dar continuidade à terapia com dantroleno em doses reduzidas (em bolus intermitente ou infusão) na UTI por pelo menos 24 horas, para prevenir a recorrência.[90] Orientações da Association of Anaesthetists (da Grã-Bretanha e Irlanda) sugerem uma abordagem diferente, com administração adicional de terapia com dantroleno apenas se houver desenvolvimento de HM recorrente.[1] A equipe responsável pelo tratamento deve monitorar rigorosamente o aumento do efeito rebote no ETCO₂, temperatura ou frequência cardíaca, particularmente se for após a última estratégia.
A administração de fluidoterapia intravenosa fria e a colocação de compressas frias na virilha, axilas, pescoço e cabeça devem continuar se a temperatura central for maior que 38 °C (100.4 °F).
A presença de mioglobinúria e débito urinário baixo são sinais de insuficiência renal iminente. Se estes ocorrerem, o bicarbonato deve ser administrado e o débito urinário mantido acima de 2 mL/kg/hora.[1] A terapia com bicarbonato alcaliniza a urina e pode diminuir a probabilidade de uma lesão nos túbulos renais mediada pela mioglobina. Se o débito urinário continuar a cair apesar de boa hidratação, manitol deve ser administrado. A flebite é notada em cerca de 10% dos pacientes após a administração de uma formulação de dantroleno intravenosa, que contém manitol.[95] The North American Malignant Hyperthermia Registry Opens in new window Não se sabe se é o manitol no dantroleno ou o dantroleno em si que é o mais responsável pela flebite.
A coagulação intravascular disseminada (CIVD) deve ser tratada como em outros pacientes com lesão por calor. A reposição de fatores de coagulação é comum. A plasmaférese pode ser útil. Uma consulta com um especialista em coagulação deve ser buscada para guiar uma terapia medicamentosa futura se necessária. A CIVD e a insuficiência renal aguda profunda comumente contribuem para o óbito decorrente de HM fulminante. As complicações são mais prováveis em pacientes idosos e naqueles que receberam anestésicos inaláveis por um período de tempo mais longo antes do tratamento com dantroleno.[95]
Os pacientes que desenvolvem mioglobinúria devem ser monitorados para o desenvolvimento de síndrome compartimental. Os níveis de creatina quinase não podem alcançar o pico por até 24 horas após um evento de HM; dessa forma, o principal meio de monitorar a síndrome compartimental é clínico.[1] Pacientes despertos podem relatar dor. Em pacientes sedados, a avaliação regular dos membros e indicada para avaliar edema, fraqueza muscular e pulsos periféricos.[1] Deve ser monitorizada a saturação de oxigênio periférico. Se houver suspeita de desenvolvimento de síndrome compartimental, devem ser medidas as pressões compartimentais.[1]
Tratamento da rabdomiólise induzida pelo calor ou exercício
Isso é uma apresentação muito rara, porém potencialmente fatal de HM, em que a produção excessiva de calor em pacientes suscetíveis à HM desencadeia uma rabdomiólise aguda.[12][70] Apresenta-se com rigidez muscular e urina escura após atividade física intensa ou uma doença relacionada ou calor. Os sintomas geralmente remitem quando a temperatura central é reestabelecida. O restabelecimento da temperatura central é geralmente atingido por meio de repouso em um ambiente fresco e aumento da ingestão oral de fluidos. A fluidoterapia intravenosa e o dantroleno podem ser necessários, mas isso é incomum. Esses pacientes correm um risco maior de HM se expostos a anestésicos inalatórios ou succinilcolina (suxametônio), e a exposição a esses agentes deve ser evitada.[36]
Tratamento da miopatia crônica
Não há tratamento curativo para a miopatia crônica que possa ser observado em pacientes suscetíveis à HM. No entanto, alguns indivíduos susceptíveis à HM relataram benefícios advindos do uso de dantroleno em baixas doses administrado por via oral.[35][96] A miopatia é geralmente subclínica, manifestando-se através de uma elevação crônica da creatina quinase. Esses pacientes podem preferir evitar ambientes quentes. A doença do núcleo central pode ser diagnosticada por meio de histopatologia em pacientes com HM com sintomas miopáticos.
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