Abordagem

A enxaqueca continua sendo um diagnóstico puramente clínico baseado em história sugestiva e apoiada por exame neurológico normal. Não há biomarcadores para enxaqueca. Embora alguns pacientes pediátricos atendam aos critérios de diagnóstico para enxaqueca da International Headache Society, outros não atendem.[1]​ Além disso, há certas características específicas da enxaqueca pediátrica. Essas diferenças não devem privar o paciente pediátrico do tratamento adequado ou da inclusão em ensaios clínicos. As principais diferenças no quadro clínico entre a enxaqueca pediátrica e a enxaqueca adulta são a duração (as crises de enxaqueca pediátrica podem durar apenas 20 minutos) e a localização (a cefaleia enxaquecosa pediátrica é frequentemente relatada como bilateral). Pacientes pediátricos tendem a subnotificar sintomas associados à cefaleia (fotofobia, fonofobia e náuseas), sintomas relacionados à aura ou sintomas relacionados às fases de pródromo e pós-drômica.[25]

História clínica

Uma história de cefaleias recorrentes, intensas e muitas vezes incapacitantes, com retorno total ao normal entre as crises, sugere enxaqueca.[1]​ Pelo menos algumas das crises de enxaqueca são incapacitantes e interferem na capacidade de funcionamento. As outras características típicas das enxaquecas devem ser investigadas, pois sua presença fortalecerá a certeza diagnóstica.

Elementos da história devem ser obtidos do paciente e complementados pelos pais sempre que possível.

Uma história completa coletará informações sobre sintomas premonitórios e de aura; características da cefaleia (gravidade, localização, caráter, duração); sintomas associados (náuseas, vômitos, sensibilidade à luz e sensibilidade ao ruído); início, evolução, duração e frequência da cefaleia; e incapacidade relacionada à dor.[26]​ A história deve incluir uma investigação detalhada sobre possíveis fatores desencadeantes e o manejo rotineiro da cefaleia aguda do paciente. Deve ser feita uma revisão dos medicamentos para alívio e preventivos usados até o momento e da frequência do uso de medicamentos para alívio. Uma investigação sobre os hábitos de sono do paciente e várias fontes de estresse geralmente fornecerá vias de intervenção adicionais. Um diário ou calendário de cefaleias pode ajudar com isso.[25]​ Informe-se sobre sintomas sugestivos de síndromes periódicas associadas à enxaqueca, como torcicolo paroxístico benigno, vertigem paroxística benigna da infância, enxaqueca abdominal e vômitos cíclicos.[23]

Os fatores desencadeantes são difíceis de identificar, especialmente em pacientes mais jovens. Falta de sono, pular refeições, barulho excessivo, certos odores, estresse (de qualquer tipo), certos alimentos e mudanças climáticas são alguns dos fatores desencadeantes mais frequentes e devem ser investigados.[27]

Embora os adolescentes reconheçam facilmente a fotofobia e a fonofobia, isso geralmente não acontece com crianças mais novas. Nessas circunstâncias, fotofobia, fonofobia e outros sintomas podem ser inferidos a partir do comportamento da criança (a criança prefere o quarto dos pais mais escuro, pede para desligar a TV, apagar a luz, etc.). Vômitos são frequentemente relatados, enquanto náuseas podem ser mais difíceis de serem reconhecidas por pacientes mais jovens.

Além dos sintomas de aura, uma enxaqueca com aura tem uma apresentação semelhante à enxaqueca sem aura. Adolescentes relatam sintomas de aura, como alterações visuais e sensoriais, mas crianças mais novas provavelmente não relatam esses sintomas. Sintomas de aura menos comuns, como afasia e hemiparesia, geralmente levam a visitas ao pronto-socorro.

É fundamental estar atento a vários sinais de alerta para não deixar passar despercebida uma etiologia mais grave. Esses sinais de alerta incluem:[26]

  • Cefaleia noturna

  • Cefaleia desencadeada pela manobra de Valsalva (tosse, esforço)

  • Cefaleia desencadeada por exercício

  • visão dupla

  • Mudanças no padrão de marcha ou quedas

  • Início recente de problemas comportamentais

  • Alterações agudas ou subagudas e inesperadas na frequência ou característica da cefaleia

  • Positional aggravation (Agravamento posicional)

Enxaqueca com aura do tronco encefálico e enxaqueca hemiplégica são dois tipos menos comuns de enxaqueca que merecem atenção especial:

Enxaqueca com aura tronco-encefálica[1]

  • A cefaleia enxaquecosa típica está associada a sintomas de aura que se localizam no tronco encefálico, inclusive disartria, vertigem, zumbido, hiperacusia, diplopia, ataxia e diminuição do nível de consciência.

  • Esse tipo de enxaqueca pode coexistir com outros tipos de enxaqueca.

  • A localização da cefaleia pode ser occipital.

  • Não raro, esse tipo de enxaqueca resulta em investigações em Pronto-Socorro, inclusive exames de imagem cerebrais.

Enxaqueca hemiplégica[1]

  • A característica marcante desse tipo de enxaqueca é o desenvolvimento de fraqueza unilateral associada a cefaleias enxaquecosas típicas e sintomas típicos de aura visual e sensorial.

  • A fraqueza é reversível.

  • A fraqueza geralmente dura menos de 72 horas; alguns pacientes podem apresentar sintomas persistentes por várias semanas.

  • Existem formas esporádicas e familiares.

  • A menos que haja episódios semelhantes anteriores, a enxaqueca hemiplégica é um diagnóstico de exclusão.

Exame físico

O exame neurológico normal é típico de pacientes com enxaqueca.

Ocasionalmente e, principalmente em pronto-socorro, sinais relacionados à aura do paciente, como escotoma, alterações sensoriais, afasia e hemiplegia, podem ser encontrados. Achados neurológicos anormais devem suscitar investigações adicionais urgentes, como exames de imagem cerebrais e punção lombar, dependendo das circunstâncias.

Os seguintes achados associados à cefaleia aguda e subaguda sugerem diagnósticos alternativos e devem ser especificamente pesquisados e descartados no exame:

  • Febre

  • rigidez de nuca

  • Mudanças agudas do estado mental e comportamental

  • Hipertensão associada a bradicardia

  • Convulsões

  • Veias grandes e proeminentes na cabeça e no couro cabeludo, sinal de “pôr do sol

  • Papilloedema

  • movimentos extraoculares anormais

  • Deficit do nervo craniano

  • Fraqueza

  • Marcha anormal

Investigações diagnósticas

Nenhum outro teste é necessário para crianças com história sugestiva de enxaqueca, exame neurológico normal e ausência de sinais de alerta.

Vários exames diagnósticos estão disponíveis para descartar quadros clínicos graves em casos menos do que típicos, exames neurológicos anormais e/ou presença de sinais de alerta. Não há exames confirmatórios para enxaqueca.

Exame imagiológico do cérebro

Exames de imagem cerebrais não são recomendados para casos típicos de enxaqueca pediátrica.

A ressonância nuclear magnética cranioencefálica (RNM cranioencefálica), com e sem contraste, é a modalidade de imagem preferida para avaliar cefaleias atípicas.

A tomografia computadorizada da cabeça (TC de cabeça) é indicada quando há suspeita de sangramento intracraniano em situações agudas.

Ocasionalmente, quando há suspeita de trombose venosa cerebral, exames de imagem vasculares (angiotomografia ou angiografia por ressonância magnética, venografia ou angiografia convencional) podem ser empregados.

Os primeiros episódios de enxaqueca hemiplégica ou enxaqueca do tronco cerebral são considerados diagnósticos de exclusão, com recomendação de realização de exames de imagem cerebrais. Da mesma forma, exames de imagem cerebrais devem ser cuidadosamente considerados quando o paciente apresentar sintomas de aura menos comuns ou quando o exame for difícil por causa da idade. Um ciclo agudo ou subagudo atípico ou uma mudança repentina na característica ou na frequência das cefaleias devem suscitar investigações adicionais e exames de imagem cerebrais.

Eletroencefalograma (EEG)

O EEG não é indicado para pacientes com enxaqueca típica.

O EEG é recomendado quando o quadro clínico sugere epilepsia occipital de início tardio. Nessa condição, as crianças apresentam fenômenos visuais que duram alguns minutos, mimetizando a aura visual, seguidos de cefaleias com características de enxaqueca. Os fenômenos visuais tendem a ser descritos como figuras geométricas coloridas que representam convulsões occipitais, dificultando a diferenciação entre essa entidade e a enxaqueca com aura.

Punção lombar

A punção lombar não é recomendada em caso de enxaqueca pediátrica típica.

A punção lombar será indicada se houver suspeita de infecção do sistema nervoso central, presença de papiledema (somente após a obtenção de exames de imagem cerebrais) ou possibilidade de hipotensão intracraniana.

Exames laboratoriais

Investigações laboratoriais não são indicadas quando o quadro clínico sugere enxaqueca pediátrica.

Sempre que houver suspeita de um quadro clínico inflamatório, como vasculite, marcadores inflamatórios (velocidade de hemossedimentação [VHS], proteína C reativa) poderão ser úteis como testes de rastreamento iniciais.

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