Etiologia

As causas da deficiência de vitamina B1 incluem transtornos relacionados ao uso de bebidas alcoólicas, ingestão inadequada de tiamina (por exemplo, jejum, fome, desnutrição), condições de má absorção (por exemplo, cirurgia gastrointestinal, vômitos e/ou diarreia recorrente) e condições com alta demanda de tiamina (por exemplo, câncer, infecção).[13]

Bebidas alcoólicas

No mundo desenvolvido, a deficiência de vitamina B1 que se manifesta como a encefalopatia de Wernicke ocorre principalmente em indivíduos com transtornos relacionados ao uso de bebidas alcoólicas, particularmente no contexto de ingestão nutricional pobre.[3]​ O álcool pode bloquear o mecanismo de transporte ativo para a absorção de tiamina no trato gastrointestinal.[3][14][15]

Dieta

A vitamina B1 (tiamina) é um micronutriente essencial obtido através da dieta.[10]​ Em países onde as dietas têm baixo teor de tiamina, como no sudeste asiático, onde há grande consumo de arroz polido com deficiência de tiamina, a deficiência de vitamina B1 é mais comum.[10][12]​​​​ As células germinativas de cereais integrais e sementes são ricas em tiamina.

O aumento da ingestão calórica, como observado em pacientes com obesidade, resulta em aumento da carga nas vias metabólicas e na demanda por micronutrientes.[16]

A suplementação inadequada ou ausente de tiamina na nutrição parenteral total também pode causar deficiência de vitamina B1.[17]

O beribéri infantil pode ocorrer em bebês exclusivamente amamentados por mães com deficiência de vitamina B1.[9]

As tiaminases degradam a tiamina nos alimentos, e os antagonistas de tiamina podem interferir na absorção dela. Certos alimentos que contêm tiaminases (por exemplo, peixe fermentado, mariscos) ou antagonistas da tiamina (por exemplo, chá, café, noz-de-areca, repolho roxo) podem resultar em deficiência de vitamina B1.[18]

Síndrome de reintrodução da alimentação

Há aumento da demanda por tiamina durante a reintrodução da alimentação (reinstituição da nutrição após um período de desnutrição) porque ela é um cofator nas vias metabólicas dependentes da glicose. A deficiência de vitamina B1 pode, portanto, apresentar-se como parte da síndrome da reintrodução da alimentação.[19][20]​​​​​ Pacientes com menor índice de massa corporal, ou sem ingestão oral por um período prolongado, têm maior risco de síndrome de reintrodução da alimentação.[20][21]

Cirurgia

Cirurgias gastrointestinais, inclusive cirurgia bariátrica, podem causar deficiência de vitamina B1.[22][23][24][25]​​​​​​​​​ A deficiência pode resultar da diminuição da superfície absortiva da mucosa do íleo após a cirurgia, vômitos prolongados no pós-operatório ou ingestão oral inadequada.​[7][26]​​​ A deficiência de vitamina B1 foi relatada em 16% a 29% dos pacientes que planejam se submeter à cirurgia bariátrica para obesidade.[16]

Causas genéticas

Várias síndromes raras de disfunção do metabolismo da tiamina têm sido descritas. Essas síndromes resultam de defeitos genéticos no transporte e metabolismo da tiamina e, geralmente, são detectadas em indivíduos mais jovens.[27][28]

Mutações no SLC19A2 (transportador de tiamina-1), SLC19A3 (transportador de tiamina-2), TPK1 (tiamina pirofosfocinase) e SLC25A19 (transportador mitocondrial de pirofosfato de tiamina) apresentam fenótipos clínicos bem definidos.[27]​ A síndrome da anemia megaloblástica responsiva à tiamina (AMRT) é uma doença rara caracterizada pela anemia responsiva à tiamina, diabetes e surdez; é causada por mutações hereditárias recessivas no gene SLC19A2.[28][29]​​​​ As mutações nos genes SLC19A3, TPK1 e SLC25A19 resultam predominantemente em sequelas neurológicas com encefalopatia episódica, frequentemente desencadeada por doença febril ou infecção.[27][28]

Condições preexistentes e tratamento

Neoplasias malignas podem estar associadas a anorexia, náuseas e vômitos, má absorção e metabolismo acelerado da tiamina, colocando pacientes com câncer em maior risco de deficiência de vitamina B1.[30][31]​​​ Pacientes com neoplasias gastrointestinais e hematológicas estão particularmente em risco, pois existem vários mecanismos pelos quais esses cânceres podem causar deficiência de vitamina B1, seja por meio do aumento do metabolismo da tiamina (por células cancerosas de rápido crescimento) ou de suprimento inadequado de tiamina (por exemplo, mucosite, obstrução gastrointestinal, ressecção do trato gastrointestinal, nutrição parenteral total).[30]​ Alguns agentes quimioterápicos interferem na função da tiamina.[30]

A terapia renal substitutiva causa perda de vitaminas hidrossolúveis, como a vitamina B1.[32]​ Isso pode decorrer de perdas no fluido efluente, além de má ingestão oral.[33]

Relatos de casos sugerem que mulheres com hiperêmese gravídica correm risco de deficiência de vitamina B1, o que pode causar encefalopatia de Wernicke se não for tratada, especialmente durante a reintrodução da alimentação.[34][35]

A infecção por HIV e a AIDS têm sido associadas a aumento do risco de deficiência de vitamina B1.[36]

O magnésio é um cofator das enzimas que contêm tiamina.[16]​ Portanto, um fornecimento adequado de magnésio é necessário para que a tiamina funcione da forma ideal. As causas da deficiência de magnésio incluem aumento da perda de magnésio (por exemplo, diarreia após cirurgia bariátrica), baixa ingestão alimentar (por exemplo, na doença hepática relacionada ao álcool), aumento da perda urinária de magnésio na disfunção tubular distal e medicamentos (por exemplo, inibidores da bomba de prótons).[16][37][38]

Fisiopatologia

Humanos dependem de fontes alimentares de tiamina, como cereais integrais, carne, peixe, legumes, cereais fortificados e pão.[7][39][40]​​​ Há também alguma biossíntese da tiamina pelas bactérias intestinais.[1]

A tiamina é absorvida principalmente no intestino delgado proximal por difusão passiva em altas concentrações e por vários transportadores em baixas concentrações.[39][41]​​​ A tiamina é transportada na corrente sanguínea pelos eritrócitos.[39]​ As células absorvem a tiamina por meio de transportadores específicos, como SLC19A2 e SLC19A3.[39]

A tiamina é convertida em difosfato de tiamina (TDP; também conhecido como pirofosfato de tiamina), a forma de cofator ativo da tiamina, pela tiamina pirofosfocinase no citoplasma celular em um processo que requer magnésio.[18][39][42]

A tiamina tem uma meia-vida relativamente curta. Portanto, as reservas de tiamina podem se esgotar em até 20 dias de ingestão inadequada.[1]​ A deficiência de tiamina reduz o funcionamento de enzimas mediado por TDP, inclusive a piruvato desidrogenase e a alfa-cetoglutarato desidrogenase (envolvidas no ciclo do ácido tricarboxílico) e a enzima transcetolase (parte da via da pentose fosfato).[42][43]​​​ Isso resulta na diminuição da geração de energia e no aumento do acúmulo de produtos tóxicos (como o lactato).[7][43]​​​ Como os tecidos cerebrais e os neurônios dependem de glicose para energia, a deficiência de vitamina B1 pode causar dano celular.[42]​​ Os miócitos cardíacos são também afetados por problemas na respiração aeróbia.[44][45]

​É provável que o estado nutricional geral contribua para o espectro do quadro clínico observado na deficiência de tiamina, podendo estar presentes deficiências de múltiplos micronutrientes.[10]

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