Abordagem
O tratamento da esferocitose hereditária (EH) geralmente depende da gravidade da hemólise e do grau de anemia, mas é de suporte para a maioria dos pacientes.[7]
Transfusões de sangue podem ser indicadas durante a primeira infância e períodos de hemólise aumentada ou crise aplástica.[7][23][43] Não há um valor de corte da hemoglobina (Hb) para estabelecer quando a transfusão de sangue é indicada, mas a decisão deve ser baseada no declínio dos valores basais da Hb e nos sintomas de anemia.
Pacientes devem ser encaminhados a um hematologista quando houver suspeita de EH para um diagnóstico definitivo, acompanhamento de rotina e tratamento.
Critérios de gravidade
A EH pode ser clinicamente classificada de acordo com a gravidade da anemia e dos sintomas, e tratada adequadamente.[3][4]
Traço
Hemoglobina: normal
Reticulócitos: <3%
Bilirrubina: <17 micromoles/L (<1 mg/dL)
Esplenectomia: não é necessária
Leve
Hemoglobina: 110 a 150 g/L (11-15 g/dL)
Reticulócitos: 3% a 6%
Bilirrubina: 17 a 34 micromoles/L (1-2 mg/dL)
Esplenectomia: geralmente não é necessária
Moderado
Hemoglobina: 80 a 120 g/dL (8-12 g/dL)
Reticulócitos: >6%
Bilirrubina: >34 micromoles/L (>2 mg/dL)
Esplenectomia: pode ser necessária antes da puberdade
Grave
Hemoglobina: <60 a 80 g/dL (<6-8 g/dL)
Reticulócitos: >10%
Bilirrubina: >51 micromoles/L (>3 mg/dL)
Esplenectomia: necessária, protelada até >6 anos de idade se possível
A avaliação da gravidade da EH deve ser realizada quando o paciente estiver bem. Os sinais e sintomas podem variar durante a evolução da doença. Por exemplo, após infecção aguda por parvovírus B19, pacientes podem desenvolver crise aplástica.[20][21]
Bem mais comuns, mas menos graves que os episódios aplásticos, são as crises hiper-hemolíticas, que causam um episódio de aceleração do processo hemolítico normal. Os episódios geralmente acompanham infecções virais inespecíficas e podem ser repetitivos.
Período neonatal (<28 dias de idade)
Quando a EH é diagnosticada no período neonatal é provável que seja mais grave, com até 76% dos neonatos atingidos necessitando de uma ou mais transfusões durante os primeiros 6 a 12 meses de vida, apesar de frequentemente apresentarem valores de Hb normais logo após o nascimento.[43]
Neonatos frequentemente não são capazes de manter uma Hb apropriada durante os primeiros meses de vida. Isso ocorre devido à hemólise contínua e a uma incapacidade de criar uma resposta reticulocitária apropriada durante o nadir fisiológico da Hb (que ocorre às 8-12 semanas de vida). Transfusões de eritrócitos podem ser necessárias durante esse período para manter Hb de 70 a 80 g/L (7-8 g/dL). As transfusões podem ser necessárias até que a contagem de reticulócitos melhore e a criança consiga manter uma concentração de Hb apropriada sem transfusão. A necessidade de transfusão no início da vida não parece predizer a gravidade da doença ou a necessidade de transfusões regulares contínuas após o primeiro ano de vida.[43] Suplementação de ácido fólico pode ser fornecida.
A icterícia neonatal é comum na EH.[7][23] A icterícia tipicamente ocorre nas primeiras 24 horas de vida e os níveis de bilirrubina podem alcançar níveis em que o tratamento com fototerapia e/ou exsanguineotransfusão é indicado. As diretrizes atuais para icterícia neonatal devem ser seguidas para se determinar uma terapia adequada.[44] Consulte Icterícia neonatal.
Bebês (>28 dias de idade), crianças e adultos: esferocitose hereditária (EH) grave
Esplenectomia geralmente é considerada o tratamento de primeira escolha em pacientes com EH grave.[7][45][46]
Os pacientes devem ser tratados com transfusões para a anemia sintomática até que seja considerado adequado para a realização da esplenectomia.
Após o período neonatal, a maioria dos pacientes pode tolerar um valor de Hb tão baixo quanto 60 g/L (6 g/dL) sem a necessidade de transfusões regulares. Cuidados de suporte com transfusões eritrocitárias podem ser necessários, particularmente se infecção por parvovírus B19 causar crise aplástica, ou durante episódios de crises hiper-hemolíticas.
Procura-se evitar a esplenectomia cirúrgica em crianças ≤6 anos de idade para reduzir o risco de sepse pós-esplenectomia.[7][46] No entanto, pacientes com anemia muito grave que necessitam de transfusões regulares podem ser candidatos à esplenectomia com uma idade mais jovem (geralmente não antes dos 2 anos de idade).
Os pacientes com hemólise significativa (por exemplo, uma contagem de reticulócitos >5%) podem beneficiar da suplementação com ácido fólico para prevenir a anemia megaloblástica. Não há estudos que estabeleçam as boas práticas.
Redução do risco de sepse
A sepse pós-esplenectomia continua sendo um risco significativo (particularmente atribuível a espécies pneumocócicas) apesar das precauções adequadas.[7][45][46] O risco de sepse persiste por toda a vida. A vacinação pré-esplenectomia e os antibióticos pós-esplenectomia reduzem o risco, mas não o eliminam.[46][47] CDC: ACIP vaccine recommendations and guidelines Opens in new window
Vacinação
Os pacientes submetidos à esplenectomia devem receber vacinas contra S pneumoniae, Haemophilus influenzae tipo b e Neisseria meningitidis.[47][48][49] CDC: ACIP vaccine recommendations and guidelines Opens in new window
São recomendadas duas vacinas contra a doença pneumocócica: uma vacina pneumocócica conjugada (PCV15, PCV20 ou PCV21) ou uma vacina pneumocócica polissacarídica (PPSV23). A escolha da vacina pneumocócica depende da idade do paciente e do quadro clínico.[49][50][51]
As crianças com asplenia (anatômica ou funcional) devem ser vacinadas com a vacina meningocócica quadrivalente conjugada (MenACWY-CRM ou MenACWY-TT); aquelas com idade ≥10 anos também devem receber a vacina meningocócica do sorogrupo B (MenB-4C ou MenB-FHbp).[50] Crianças com 10 anos ou mais podem receber uma dose da vacina meningocócica pentavalente (MenACWY-TT/MenB-FHbp) como uma alternativa à administração separada da vacina meningocócica quadrivalente e a vacina meningocócica do sorogrupo B quando ambas as vacinas devem ser administradas no mesmo dia clínico.[50]
As vacinas devem ser administradas de acordo com os esquemas de vacinação recomendados e no pré-operatório, conforme necessário. CDC: Immunization schedules Opens in new window UK HSA: UK immunisation schedule: the green book, chapter 11 Opens in new window
Procedimento cirúrgico
A esplenectomia é melhor quando realizada por laparoscopia, uma vez que esta está associada a menos dor e a uma melhora mais rápida que a laparotomia, mas isso dependerá dos especialistas e equipamentos locais.[7][46]
Uma alternativa à esplenectomia completa é a remoção de parte do baço (esplenectomia parcial) com a intenção de deixar uma parte suficiente de tecido esplênico para preservar a função imunológica.[52] Teoricamente, a esplenectomia parcial pode reduzir o risco de sepse pós-esplenectomia, mas a esplenectomia completa pode ser necessária para abordar a recorrência de problemas hematológicos ou dor abdominal clinicamente significativa.[46][53][54][55]
Metanálises de estudos observacionais sugerem que a esplenectomia total eleva os níveis de Hb e reduz reticulócitos em maior extensão, em comparação com a esplenectomia parcial em 1 ano.[53] Um estudo publicado subsequentemente não relatou diferença entre os níveis de Hb da esplenectomia total e parcial 5 anos após o procedimento.[56] São necessários ensaios clínicos formais com acompanhamento de longo prazo.[45][46][57]
Tratamento de cálculos biliares
Os cálculos biliares são comuns na EH e podem estar presentes na primeira década, aumentando com a idade para até 50% aos 50 anos de idade.[14] Alguns autores recomendam rastreamento regular para detecção de cálculos biliares, mas não há estudos para dar suporte a isso.[14]
Uma ultrassonografia da vesícula biliar deve ser realizada antes da esplenectomia. Se houver cálculos sintomáticos no momento da esplenectomia, a vesícula biliar é removida simultaneamente.[7][46] Se cálculos biliares assintomáticos forem detectados, as opções são as seguintes:[7]
Esplenectomia isoladamente
Remoção dos cálculos deixando a vesícula biliar (colecistostomia) e esplenectomia, baseando-se no fato de que o risco de formação de cálculos é removido com a esplenectomia. Acompanhamento com ultrassonografia.
Colecistectomia (em associação com a esplenectomia)
Cálculos biliares não serão formados após uma esplenectomia bem-sucedida.[7]
Pós-esplenectomia
A penicilina profilática deve ser administrada por pelo menos 3 anos após esplenectomia; alguns médicos defendem a profilaxia vitalícia com penicilina.[47] As diretrizes variam de um país para o outro e não há dados claros para guiar a prática.[24]
A profilaxia antibiótica por toda a vida deve ser oferecida aos seguintes pacientes que apresentam alto risco de infecção generalizada após a esplenectomia:
acima de 50 anos de idade
com resposta inadequada à vacinação documentada
com história de doença pneumocócica invasiva prévia
com neoplasia hematológica subjacente, particularmente se houver imunossupressão em andamento.
Os pacientes devem carregar uma provisão de antibióticos adequados para uso emergencial. Se a penicilina não for usada (por exemplo, em regiões com cepas resistentes documentadas), um antibiótico alternativo para proteger contra infecção pneumocócica pode ser adequado. Amoxicilina tem sido recomendada; pessoas alérgicas à penicilina podem usar eritromicina.[47] O ácido fólico não é necessário após a esplenectomia.
Bebês (>28 dias de idade), crianças e adultos: EH leve a moderada
O tratamento da EH leve a moderada geralmente é de suporte, pelo menos durante a primeira infância.
Transfusões eritrocitárias podem ser necessárias, particularmente se infecção pelo parvovírus B19 resulta em crise aplástica ou durante episódios de crises hiper-hemolíticas. Pacientes com probabilidade de beneficiarem de esplenectomia incluem os com anemia sintomática moderada; aqueles com crises hiper-hemolíticas recorrentes; e pacientes que necessitam de transfusões múltiplas.
Em pacientes com doença mais leve, os riscos e benefícios da esplenectomia devem ser cuidadosamente considerados individualmente.[45] A esplenectomia pode ser justificada na EH leve com problemas relacionados a uma qualidade de vida reduzida, como icterícia incômoda, fadiga, baixo crescimento ou baixo desempenho escolar.
Os protocolos de vacinação pré-esplenectomia são os mesmos que os descritos para pacientes com EH grave. O tratamento de cálculos biliares em pacientes que serão submetidos à esplenectomia é o mesmo descrito para aqueles com a doença grave. Há alguma evidência de que nem sempre é necessário remover o baço ao mesmo tempo em que se realiza cirurgia para cálculos biliares sintomáticos; cada caso deve ser avaliado isoladamente.[58]
A suplementação com ácido fólico é a mesma prescrita para EH grave antes da esplenectomia.[7] Ela provavelmente é desnecessária na doença leve já que muitos alimentos são suplementados com ácido fólico, e a deficiência é rara em países desenvolvidos. O ácido fólico não é necessário após a esplenectomia.
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal