Abordagem

A neutropenia febril é a complicação com risco de vida mais comum da terapia contra o câncer.[1] ​Se não tratada nas primeiras 48 horas, a taxa de mortalidade se aproxima de 50%.[87] É, portanto, uma emergência oncológica.

A administração imediata de antibióticos empíricos adequados está associada com a redução acentuada da mortalidade.[17] Protelar a administração de antibióticos empíricos pode causar desfechos mais desfavoráveis (por exemplo, complicação médica grave, aumento de internações na unidade de terapia intensiva, sepse).[88]

Um diagnóstico microbiológico não é realizado na maioria dos pacientes com neutropenia febril.[20][26]​ No entanto, pode haver suspeita de um provável organismo com base em:[4]

  • Local da infecção

  • Neoplasia maligna subjacente e comprometimento imunológico associado

  • Tipo de quimioterapia

  • Gravidade e duração da neutropenia

  • Presença de mucosite

  • Patógenos predominantes na instalação de cuidados com a saúde onde o paciente faz tratamento

É essencial que os pacientes sejam tratados de acordo com os algoritmos da instituição local de cuidados com a saúde e com as diretrizes desenvolvidas com base em conhecimentos dos padrões locais e regionais de suscetibilidade a antibióticos [antibiogramas]).

O tratamento específico para cada paciente deve basear-se em fatores individuais do paciente, inclusive história prévia de infecção resistente a antibióticos e história de alergia.

Manejo inicial

A maioria das diretrizes recomenda a administração da primeira dose de antibióticos empíricos o mais rápido possível (até 60 minutos após a apresentação) para um paciente com neutropenia e febre (independentemente da situação de risco e do local de tratamento pretendido, internação ou ambulatorial).[3][20][44]​​​ Obtenha hemoculturas antes da administração de antibióticos empíricos para aumentar a probabilidade de detecção de patógenos. Essas medidas permitem que uma avaliação inicial (anamnese, exame físico, investigações laboratoriais) e uma avaliação de risco sejam realizadas sem atrasos indevidos na terapia.

Avaliação de risco

Várias ferramentas de avaliação de risco validadas (por exemplo, sistema Talcott; escore da Multinational Association of Supportive Care in Cancer [MASCC]; e escore do Índice Clínico de Neutropenia Febril Estável [CISNE]) estão disponíveis para ajudar a estratificar o risco de pacientes que apresentam neutropenia febril. Consulte a seção Critérios.

Embora essas ferramentas possam ajudar a informar decisões sobre o local ideal de atendimento para um paciente específico (ou seja, paciente hospitalizado ou ambulatorial), elas não substituem a tomada de decisões clínicas.

Normalmente, os pacientes são tratados com base em seu alto ou baixo risco de complicações ou morte.

Pacientes de alto risco incluem aqueles que apresentam qualquer um dos seguintes fatores:[4][75]

  • Grupos I a III do sistema de Talcott; escore de risco da MASCC <21; ou CISNE ≥3

  • Paciente hospitalizado no momento do início da febre

  • Comorbidades significativas ou clinicamente instável

  • Transplante alogênico de células hematopoéticas

  • Neutropenia grave prolongada prevista (contagem absoluta de neutrófilos [ANC] ≤100 células/microlitro e duração ≥7 dias)

  • Insuficiência hepática ou renal

  • Câncer não controlado ou progressivo

  • Pneumonia ou outra infecção complexa

  • Uso de certos tratamentos imunológicos e/ou direcionados (por exemplo, inibidores de fosfatidilinositol-3 quinase [PI3K])

  • Mucosite grave (grau 3 a 4).

Pacientes de baixo risco incluem aqueles sem fatores de alto risco e a maioria dos seguintes fatores:[4][75][89]

  • Grupo IV do sistema de Talcott; escore da MASCC ≥21; ou escore CISNE 0*

  • Paciente ambulatorial no momento do início da febre

  • Ausência de doença comórbida aguda associada, indicando independentemente tratamento hospitalar ou observação estrita

  • Duração curta prevista da neutropenia grave (ANC ≤100 células/microlitro por <7 dias)

  • Boa capacidade funcional (capacidade funcional do Eastern Cooperative Oncology Group [ECOG PS] 0-1)

  • Ausência de insuficiência hepática ou renal

*As diretrizes da National Comprehensive Cancer Network consideram CISNE <3 como baixo risco na avaliação de risco inicial de pacientes com neutropenia febril.

Tratamento de paciente hospitalizado versus ambulatorial

Os pacientes com neutropenia febril avaliados como de alto risco devem ser internados e submetidos a tratamento com paciente hospitalizado.[4][75]

Os pacientes considerados de baixo risco podem ser submetidos a tratamento ambulatorial.[4][75]​​​ Os pacientes requerem uma avaliação detalhada e observação estrita por ≥4 horas antes de serem considerados para o tratamento ambulatorial.[75] Os pacientes de baixo risco que podem ser elegíveis para tratamento ambulatorial incluem aqueles com:[4][75]​​​

  • sinais vitais estáveis,

  • resultados laboratoriais não críticos,

  • cuidados sociais adequados e arranjos de terapia domiciliar (incluindo acesso a um telefone e instalações de emergência e residir a menos de 1 hora de um centro médico) e

  • capacidade de cumprir e tolerar a antibioticoterapia oral.

Várias metanálises descobriram que o tratamento ambulatorial é uma alternativa segura e eficaz ao tratamento de pacientes hospitalizados para pacientes de baixo risco, sem diferença no fracasso do tratamento ou na taxa de mortalidade.[90][91][92]​ No entanto, em uma metanálise, a ANC <100 células/microlitro foi identificada como potencial preditor de fracasso do tratamento ambulatorial.[91]

Antibióticos empíricos para pacientes de alto risco

Os pacientes de alto risco devem ser tratados com antibióticos empíricos de amplo espectro e hospitalizados para tratamento adicional.[4][75]

A escolha do esquema de antibioticoterapia deve basear-se na cobertura dos patógenos mais prováveis e nos padrões locais de suscetibilidade (de acordo com os algoritmos da instituição de cuidados de saúde local e diretrizes), bem como fatores específicos para cada paciente (por exemplo, história prévia de infecção resistente a antibióticos e história de alergia).

Monoterapia antibiótica

A monoterapia com antibiótico empírico com um betalactâmico (por exemplo, cefepima, piperacilina/tazobactam, imipeném/cilastatina ou meropeném) normalmente é recomendada para pacientes hospitalizados com neutropenia febril.[4][20][75]​​​ Uma revisão Cochrane relatou um risco mais baixo de mortalidade, eventos adversos e superinfecções fúngicas nos pacientes com neutropenia febril tratados com monoterapia com betalactâmicos, em comparação com betalactâmicos associados a um aminoglicosídeo.[93]

Em situações em que há probabilidade de influência de bactérias anaeróbias, seria adequado o uso da monoterapia com piperacilina/tazobactam como opção de primeira linha, ou combinação de metronidazol com cefepima, ou o uso de um carbapeném (meropeném ou imipeném/cilastatina).[3]

A monoterapia com piperacilina/tazobactam é uma opção razoável em locais em que a resistência (por exemplo, organismos produtores de beta-lactamase de espectro estendido [BLEE]) não é prevalente, com base nas suscetibilidades bacterianas institucionais locais.[4] A piperacilina/tazobactam demonstrou não inferioridade à cefepima e à ceftazidima em ensaios clínicos randomizados.[94][95][96] Verificou-se que a infusão prolongada de piperacilina/tazobactam está associada a desfechos de tratamento superiores em comparação com a infusão em bolus em pacientes de alto risco.[97]

Imipeném/cilastatina ou meropeném podem ser preferíveis se os organismos produtores de BLEE forem prevalentes (com base nas suscetibilidades bacterianas institucionais locais).[4][98]

Antibioticoterapia combinada

A combinação de um antibiótico betalactâmico com um aminoglicosídeo (por exemplo, tobramicina) pode ser considerada (embora não seja recomendada rotineiramente) se houver suspeita de resistência a antibióticos, com descontinuação precoce do aminoglicosídeo, se as culturas não revelarem evidências de um organismo resistente ao medicamento.[4][75]

A combinação de um antibiótico betalactâmico com um aminoglicosídeo (tobramicina ou amicacina, mas não gentamicina) pode ser preferível nos pacientes com sepse por Pseudomonas aeruginosa, enquanto se aguardam os dados de suscetibilidade, dada a natureza frequentemente multirresistente desse organismo.[20][99]

Em instituições com grande prevalência de bacilos Gram-negativos resistentes a múltiplos medicamentos, a combinação de piperacilina/tazobactam com tigeciclina pode ser uma opção.[96] Um ensaio clínico randomizado constatou que essa combinação é segura, bem tolerada e mais eficaz (medida pela resolução da febre sem alterações nos antibióticos) que a monoterapia com piperacilina/tazobactam em pacientes com neutropenia febril e neoplasias hematológicas de alto risco.[96] A mortalidade foi similar para terapia combinada e monoterapia.

Indicações para cobertura empírica Gram-positiva de espectro estendido

O uso de vancomicina empírica (ou outros agentes Gram-positivos estendidos, por exemplo, linezolida, tedizolida ou daptomicina) não costuma ser recomendado para os pacientes com neutropenia febril, mas pode ser considerado em situações específicas em que o risco de infecção Gram-positiva grave (por exemplo, MRSA) é alto, incluindo suspeita de infecção relacionada a cateter, infecção de pele ou de tecidos moles, pneumonia ou instabilidade hemodinâmica.[3][4][20][75]​​[100]​​

A presença de um cateter venoso central isolado em paciente com neutropenia febril não é uma indicação para vancomicina empírica. Não é aconselhável adicionar vancomicina à monoterapia empírica de primeira linha em um paciente persistentemente febril.[100][101]​​

O uso criterioso de vancomicina é justificado pela crescente prevalência de organismos Gram-positivos resistentes a antibióticos (por exemplo, enterococcus resistente à vancomicina) e pela potencial nefrotoxicidade associada com esse agente.[102][103]

A linezolida, a tedizolida ou a daptomicina podem ser usadas como alternativas nos pacientes intolerantes à vancomicina, e devem ser consideradas para pacientes com sepse e colonização ou infecção prévia conhecidas com Enterococcus resistente à vancomicina.[104] A daptomicina não deve ser utilizada em pacientes com pneumonia, uma vez que é inativada por surfactante pulmonar.

O uso de vancomicina empírica (ou outros antibióticos GRam-positivos) deve ser reavaliado após 2-3 dias de tratamento, e descontinuado se um patógeno Gram-positivo não for identificado na hemocultura.[4]

Antibióticos empíricos para pacientes de baixo risco

Pacientes de baixo risco elegíveis para o tratamento ambulatorial podem receber terapia oral com uma fluoroquinolona (por exemplo, ciprofloxacino, levofloxacino) associada a amoxicilina/ácido clavulânico (ou clindamicina se o paciente for alérgico à penicilina) se a profilaxia com fluoroquinolona não tiver sido usada antes do início da febre, e desde que o paciente não tenha história de infecção ou colonização com organismo resistente à fluoroquinolona.[75][105]​ A monoterapia com uma fluoroquinolona também pode ser considerada nesses pacientes.[106][107]

Os antibióticos fluoroquinolonas sistêmicos podem causar eventos adversos graves, incapacitantes e potencialmente duradouros ou irreversíveis. Isso inclui, mas não está limitado a: tendinopatia/ruptura de tendão; neuropatia periférica; artropatia/artralgia; aneurisma e dissecção da aorta; regurgitação da valva cardíaca; disglicemia; e efeitos sobre o sistema nervoso central, incluindo convulsões, depressão, psicose e pensamentos e comportamento suicidas.[68]

  • Restrições de prescrição aplicam-se ao uso das fluoroquinolonas, e essas restrições podem variar entre os países. Em geral, o uso das fluoroquinolonas deve ser restrito apenas nas infecções bacterianas graves e com risco à vida. Algumas agências regulatórias também podem recomendar que eles sejam usados apenas em situações em que outros antibióticos comumente recomendados para a infecção sejam inadequados (por exemplo, resistência, contraindicações, falha do tratamento, indisponibilidade).

  • Consulte as diretrizes e a fonte de informações de medicamentos locais para obter mais informações sobre adequação, contraindicações e precauções.

Alguns pacientes de baixo risco podem ser tratados com um esquema parenteral ambulatorial, embora não existam ensaios clínicos que respaldem seu uso.

A internação e o manejo hospitalar devem ser considerados se qualquer um dos seguintes ocorrer em pacientes de baixo risco submetidos ao manejo ambulatorial:[75]

  • Sem defervescência após 2-3 dias de antibioticoterapia empírica inicial

  • Recorrência da febre após um período de defervescência

  • Novos sinais ou sintomas de infecção

  • O uso da terapia oral não é mais possível ou tolerável

  • Torna-se necessária a alteração do esquema empírico ou a introdução de um medicamento antimicrobiano adicional

  • Testes microbiológicos identificam espécies não suscetíveis ao esquema inicial

Duração do tratamento e redução

A antibioticoterapia empírica (exceto a cobertura Gram-positiva de espectro estendido [veja acima]) normalmente é mantida até a recuperação de neutrófilos (isto é, ANC ≥500 células/microlitro e acima).[3][4]

Após iniciar os antibióticos empíricos, o tempo mediano de resposta clínica é de 5-7 dias. Os antibióticos não devem ser alterados empiricamente diante de febre persistente nos primeiros 3-5 dias, desde que o paciente esteja clinicamente estável.[108]

Hemoculturas negativas e fonte de infecção não identificada

Para os pacientes clinicamente estáveis com neutropenia persistente que apresentaram defervescência (afebris por pelo menos 48 horas) enquanto recebiam antibióticos parenterais empíricos de amplo espectro e apresentam hemoculturas negativas e nenhuma fonte de infecção identificada, considere:[4]

  • redução da dose de antibióticos (por exemplo, para profilaxia oral com fluoroquinolona), ou

  • descontinuação (se o uso de profilaxia antibiótica não for o protocolo padrão).

As evidências que dão suporte à descontinuação precoce da antibioticoterapia em pacientes com neutropenia febril estão aumentando, inclusive em pacientes de alto risco.[109][110][111][112][113][114][115]

Pacientes com febre persistente, apesar da recuperação dos neutrófilos, podem continuar a terapia empírica e obter uma avaliação diagnóstica adicional.[20]

Infecção documentada microbiologicamente

Para os pacientes com infecção documentada, a duração e a redução da antibioticoterapia devem ser individualizadas com base na recuperação de neutrófilos, velocidade de defervescência, patógeno específico e local da infecção, e doença subjacente.[4] A duração do tratamento é normalmente de 5 a 14 dias para infecções bacterianas da pele/tecidos moles, seios da face e pulmões, e de 7 a 14 dias para a maioria das infecções bacterianas da corrente sanguínea.[4]

A remoção do cateter é recomendada no contexto de infecção da corrente sanguínea por Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Corynebacterium jeikeium, Candida (ou outras leveduras), Acinetobacter, Stenotrophomonas maltophilia, organismos Bacillus, fungos, micobactérias não tuberculosas, Enterococcus resistente à vancomicina (ERV) ou outros organismos multirresistentes.[4][20]​​​​​ 

Os cateteres também devem ser removidos em pacientes com sepse e suspeita de fonte no acesso; naqueles com bacteremia persistente apesar da antibioticoterapia eficaz; e naqueles com infecção no túnel ou via de acesso.[4][20]

Febre persistente

Pacientes com febre persistente além dos primeiros 3-5 dias de terapia empírica requerem avaliação adicional (por exemplo, exame de imagem e teste microbiológico) para uma possível infecção fúngica oculta, infecção bacteriana com foco obscuro ou organismos resistentes, ou uma infecção viral.[3]​ Caso uma avaliação detalhada para infecção não revele nada diante de febre persistente apesar da terapia empírica adequada, deve-se considerar uma causa não infecciosa para a febre (por exemplo, febre medicamentosa, febre tumoral, tromboembolismo).

Pacientes e baixo risco com febre persistente apesar de 2-3 dias de antibioticoterapia empírica ambulatorial devem ser reavaliados, com forte consideração ao tratamento com paciente hospitalizado.[75]

terapia antifúngica empírica

A adição de terapia empírica antifúngica ativa contra bolor deve ser considerada para os pacientes de alto risco com febre persistente apesar de ≥4 dias de antibioticoterapia empírica.[3][4]

A escolha e o momento da terapia antifúngica empírica são guiados pelas diretrizes institucionais locais, risco de infecção invasiva por fungos, profilaxia antifúngica ativa anterior (se recebida), gravidade da doença e risco específico de interações medicamentosas ou toxicidade em um paciente individual.

Fatores estimuladores de colônias (CSFs)

O uso de CSF (isto é, fator estimulador de colônias de granulócitos [G-CSF] ou fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos [GM-CSF]) para tratar pacientes com neutropenia febril é controverso.

Dados limitados sugerem um benefício em relação ao momento da recuperação de neutrófilos, duração da antibioticoterapia e tempo de hospitalização, mas nenhum benefício em relação à mortalidade geral.[45][116] Como tal, o uso de CSFs empíricos (disponíveis como formulações de G-CSF de curta ação [por exemplo, filgrastim] ou formulações de G-CSF de ação prolongada [por exemplo, pegfilgrastim, eflapegrastim, efbemalenograstim alfa, lipegfilgrastim], ou como GM-CSF [por exemplo, sargramostim]) para tratar pacientes com neutropenia febril normalmente não é recomendado.[57]

No entanto, pode-se considerar o uso de CSFs nos pacientes de alto risco com pneumonia, disfunção de múltiplos órgãos (síndrome da sepse), infecção fúngica invasiva ou doença primária não controlada; ou nos pacientes com febre persistente (>10 dias), que apresentarem neutropenia profunda (ANC <100 células/microlitro), com idade >65 anos, que encontravam-se hospitalizados no momento do desenvolvimento da febre ou que tiverem tido um episódio de neutropenia febril prévio.[45][57]

Nos pacientes que tiverem recebido G-CSF profilático, as diretrizes da National Comprehensive Cancer Network recomendam a continuação do tratamento com G-CSF, a menos que um G-CSF de ação prolongada tenha sido usado na profilaxia.[45]

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