Abordagem

As infecções por mucormicose progridem rapidamente e podem ser fatais sem um diagnóstico precoce e tratamento imediato. Um alto índice de suspeita é crucial, sobretudo em pacientes imunossuprimidos, e deve ser orientado pela quadro clínico, achados radiológicos, exame histopatológico do tecido afetado e reconhecimento dos sinais e sintomas de apresentação.[37]​ O diagnóstico definitivo requer cultura positiva de fungos ou detecção de DNA fúngico por meio de testes moleculares (quando disponíveis).[12]​ As técnicas de detecção baseadas em moléculas ainda não estão totalmente padronizadas ou comercialmente disponíveis; no entanto, mostram-se promissoras para tornar o diagnóstico da mucormicose mais rápido e mais preciso.[4]​ A disponibilidade recomendada para os exames pode variar conforme a região.[12]

Quadro clínico

Sintomas e sinais típicos de mucormicose em um paciente suscetível devem ser buscados ativamente. Fatores de risco incluem diabetes mellitus mal controlado com ou sem cetoacidose, transplante de medula óssea ou órgão sólido, doença do enxerto contra o hospedeiro, malignidade hematológica, corticoterapia, sobrecarga férrica, terapia quelante de ferro com desferroxamina, desnutrição, prematuridade em neonatos, queimaduras, inoculação traumática e uso de substâncias ilícitas.

A doença rino-órbito-cerebral em geral se manifesta com dor facial; sinusite, que pode estar acompanhada de uma secreção nasal viscosa, com coloração marrom escura ou negra; dor nos olhos; visão turva; e proptose.[4]​ Celulite periorbital é também comum.[3] Quaisquer desses achados clínicos em um paciente com diabetes mellitus requer investigação imediata para mucormicose, pois a doença pode ser agressiva e chegar a ser fatal. Comprometimento dos nervos cranianos resultando em paralisia de nervo craniano é um sinal ominoso e indica invasão do sistema nervoso central. Oftalmoplegia geralmente resulta da disseminação de infecção não tratada dos tratos sinusais etmoides. Comprometimento do olho contralateral significa trombose do corpo cavernoso. Trombose da artéria carótida interna pode causar deficits neurológicos e estado mental alterado. Escara necrótica na pele, palato ou cornetos nasais é comum nos estágios avançados da infecção.[4]​ Essa aparência se deve à trombose do vaso pelos fungos invasores e subsequente infarto do tecido.

Geralmente, uma tosse seca (com ou sem dispneia), febre e dor torácica são sintomas comuns em mucormicose pulmonar.[4]​ Em pacientes com neoplasias hematológicas, os sintomas respiratórios iniciais muitas vezes são atribuídos à aspergilose invasiva e, em geral, são tratados com voriconazol ou equinocandinas, medicamentos não ativos contra mucormicose. No entanto, a persistência ou agravamento dos sintomas deve levantar suspeita de mucormicose. Outra característica clínica que pode ajudar a diferenciar mucormicose pulmonar de aspergilose é a incidência mais alta de associação com sinusite na mucormicose.[38] A hemoptise pode ser maciça e fatal. A morte geralmente resulta de disseminação, e não de insuficiência respiratória, em casos não tratados, exceto em hemoptise. A mortalidade geral é alta, de 50% a 70%, e é superior a 95% na doença disseminada.[3]

A mucormicose cutânea geralmente é uma doença localmente invasiva, com nódulos se estendendo aos tecidos moles, fáscias, músculos e até ossos. Essa extensão profunda para os tecidos moles e além ocorre em cerca de 44% dos pacientes com doença cutânea.[39] Geralmente, apresenta-se em pacientes imunocompetentes como resultado de inoculação traumática, curativos ou queimaduras. Nódulos cutâneos são mais comuns quando a pele está comprometida como parte da doença disseminada. A mortalidade pode ser superior a 80% em doenças localmente muito invasivas em um hospedeiro imunocomprometido sem cirurgia extensiva.​[3] Foram descritos dois tipos de doença cutânea: central e periférica (envolvendo somente as extremidades). A doença cutânea central tem uma mortalidade de 32% em comparação com 15.5% na doença periférica. Essa diferença pode ser decorrente de menor imunossupressão e melhor capacidade de controlar cirurgicamente a doença no caso de doença periférica.[40]

Mucormicose gastrointestinal é uma condição rara, exceto em pessoas extremamente desnutridas e neonatos prematuros.[4]​ Foi identificado um surto de mucormicose gastrointestinal por contaminação de abaixadores de língua de madeira utilizados para misturar alimentos nasogástricos.[3] Ela se manifesta com sintomas inespecíficos de dor e distensão abdominal e sangramento gastrointestinal. Podem também ocorrer úlceras gastrointestinais e perfuração subsequente do intestino, resultando em peritonite.​[3][41]​​ A mucormicose gastrointestinal é rapidamente fatal e, na maioria dos casos, é diagnosticada post mortem.

A rápida deterioração clínica é uma causa de alarme. Mesmo na presença de um diagnóstico presuntivo de mucormicose e terapia adequada, deve ser feita uma avaliação clínica contínua para avaliar quaisquer sinais de disseminação de doença localizada. Doença disseminada é o comprometimento de 2 ou mais sistemas de órgãos não contíguos e/ou hemoculturas positivas. A doença disseminada pode se manifestar como lesões cutâneas nodulares ou abscessos cerebrais metastáticos. O baço, o coração, a pele e outros órgãos podem também ser afetados.[4]

Laboratório

Exames de sangue de rotina raramente diagnosticam a mucormicose, mas podem ajudar a elucidar o fator de risco subjacente. Pacientes com diabetes mellitus devem ter a bioquímica sérica, gasometria arterial e corpos cetônicos séricos e urinários analisados para detectar a presença de acidose metabólica. Pacientes com neoplasias malignas subjacentes ou suspeita de imunossupressão requerem hemograma completo em busca de neutropenia.

Exames por imagem

Na presença de sinais e sintomas compatíveis em um hospedeiro suscetível adequado, exames de imagem podem ser de grande valor na avaliação da extensão da doença e na determinação da acessibilidade da lesão para uma biópsia guiada por imagens ou biópsia cirúrgica aberta, e resposta à terapia. A escolha do exame de imagem depende do local comprometido. Imagens podem ajudar a determinar a extensão da mucormicose em um caso suspeito, mas não podem diagnosticar definitivamente a doença.

Pacientes com diabetes mellitus e sinusite devem realizar uma tomografia computadorizada (TC) dos seios nasais e do cérebro.[12]​ A TC é menos sensível que a ressonância nuclear magnética (RNM) na detecção de invasão dos tecidos moles, mas está mais prontamente disponível e é boa para avaliar erosões ósseas. No entanto, a ausência de erosões ósseas no início da evolução da doença não descarta mucormicose. Se houver suspeita de que a infecção tenha se espalhado para o olho ou o cérebro, a RNM é preferível à TC por causa de sua sensibilidade significativamente maior.[12]​ Se houver diagnóstico de sinusite, recomenda-se uma endoscopia para diagnosticar a mucormicose.[12]

Pacientes com imunossupressão e sintomas respiratórios ou febre persistente devem fazer uma TC do tórax para avaliar uma possível mucormicose pulmonar.[12]​ A TC é muito superior às radiografias simples para detectar a presença e a extensão da doença.[42]​ Achados típicos incluem:[42]

Para pacientes neutropênicos:

  • No diagnóstico: nódulos com/sem sinal de halo; sinal de halo invertido

  • Em 1 semana: sinal hipodenso; vários nódulos

  • Em ≥2 semanas: derrames pleurais; cavitação

Para outros pacientes, inclusive receptores de transplantes de órgãos sólidos, pacientes em terapia intensiva e pacientes com diabetes mellitus:

  • No diagnóstico: consolidação, massas, nódulos, espessamento da parede brônquica associado a nódulos padrão de árvore em brotamento

  • Em 1 semana: sinal hipodenso

  • Em ≥2 semanas: cavitação

Em pacientes com mucormicose cutânea, a RNM é superior à TC na determinação da extensão da infecção.[3][43]

Pacientes com dor abdominal e fatores de risco para mucormicose devem fazer uma TC. Caso haja evidências de colite na TC ou sangramento gastrointestinal ativo, indica-se uma endoscopia com biópsia.

Microbiologia

A cultura de fungos a partir de amostras clínicas é recomendada, pois é mais específica do que exames de imagem, pode identificar o agente em nível de espécie e servir de base para os testes de suscetibilidade antifúngica.[12]​ Os resultados podem ser afetados por inúmeros fatores:

  • Agentes da mucormicose em determinadas amostras, como escarro, podem ser contaminantes laboratoriais, mas nunca devem ser ignorados em um paciente imunocomprometido.

  • O isolamento desses fungos do sangue, líquido cefalorraquidiano, swabs de ferida e lavagem broncoalveolar (LBA) nem sempre é bem-sucedida, mesmo na presença de doença invasiva.[40]

  • O melhor rendimento é obtido a partir de corte de tecido em pequenos pedaços. A maceração da amostra durante determinados procedimentos causa inviabilidade.[12]

Culturas positivas são úteis e diagnósticas no contexto clínico apropriado. Culturas negativas não excluem infecção.[7]

Histopatologia

O diagnóstico da mucormicose com base apenas na histopatologia é um desafio. O diagnóstico definitivo requer cultura positiva de fungos ou identificação molecular (quando disponível).[12]​ No entanto, a suspeita clássica de mucormicose é baseada em achados histopatológicos.[12]​ As espécies de Mucorales exibem hifas amplas, não septadas ou minimamente septadas, com aspectos de faixas (6-25 micrômetros), que se ramificam em ângulos retos e invadem os vasos sanguíneos em amostras de tecido. No entanto, por causa da pressão do tecido e de artefatos de processamento, os ângulos de ramificação podem ser difíceis de avaliar, tornando a largura e a forma irregular das hifas características mais confiáveis para diferenciação.[12][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Coloração de prata metenamina demonstrando hifas esparsamente septadas de Mucor pusillusDa CDC Public Health Image Library (PHIL): Dr Libero Ajello [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@11f31774[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Rhizopus arrhizus evidenciado em imunofluorescênciaDa CDC Public Health Image Library (PHIL): Dr William Kaplan [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@21617ab9

Todos os pacientes devem ter um procedimento adequado para adquirir um diagnóstico histológico.[12]​ No entanto, a biópsia talvez não seja possível em pacientes com doença hematológica subjacente por causa da trombocitopenia.[44]​ Nesses pacientes, uma combinação de alta suspeita clínica com uma cultura positiva, quando obtida, deve ser informação suficiente para tratar a micose.

Amostras podem ser obtidas por meio de:

  • Procedimentos minimamente invasivos

    • Biópsia guiada por imagem

    • Endoscopia com biópsia dos tratos sinusais ou do trato gastrointestinal

    • LBA

    • Biópsia transbrônquica

    • Biópsia de pele.

  • Procedimentos mais invasivos

    • Biópsia pulmonar a céu aberto.

Novos exames

As ferramentas diagnósticas diferentes de cultura e histopatologia estão melhorando.

As técnicas moleculares são úteis para diagnosticar a mucormicose, sobretudo na ausência de testes padronizados, e são recomendadas em centros onde estão disponíveis.[12]​ Material clínico fresco é preferido por causa da degradação do DNA em tecidos fixados em formalina.[1]​ Ensaios moleculares, como a reação em cadeia da polimerase, têm se mostrado promissores na detecção do DNA de Mucorales em amostras com cultura negativa. O gene CotH despontou como alvo promissor na reação em cadeia da polimerase, demonstrando alta sensibilidade e especificidade em modelos animais.[1]​ Ensaios comerciais podem também oferecer potencial de diagnóstico precoce, muitas vezes precedendo a positividade da cultura. No entanto, o rendimento diagnóstico da reação em cadeia da polimerase a partir do soro ou sangue total ainda é variável.[1]​ São necessários mais estudos clínicos para definir melhor o papel da reação em cadeia da polimerase no diagnóstico da mucormicose.

Galactomanano e (1-3)-beta-D-glicano sérico não são úteis no diagnóstico de mucormicose.[1]

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