Abordagem
O diagnóstico em tempo hábil da paralisia cerebral (PC) permite o início do manejo apropriado e dos serviços de suporte.[69][70] O diagnóstico é principalmente clínico, apoiado por estudos de imagem.[56] O exame físico inclui a avaliação das amplitudes de movimento ativa e passiva, força motora, controle motor voluntário seletivo, tônus muscular e sensibilidade dos membros. Exames adicionais são individualizados, com base na história e nos achados do exame clínico.[71]
A deterioração cerebral progressiva não é uma característica da PC e um diagnóstico alternativo deve ser investigado.
História
Deve-se obter uma história completa de fatores de risco pré-natais (exposição teratogênica, doença materna, corioamnionite, malformações cerebrais fetais diagnosticadas no pré-natal), fatores de risco perinatais (parto instrumental, apresentação anômala, descolamento de placenta, ruptura uterina, trabalho de parto prolongado/não progressão, pós-datismo) e fatores de risco pós-parto (hiperbilirrubinemia, sepse neonatal, desconforto respiratório, meningite de início precoce, hemorragia intraventricular e traumatismo cranioencefálico antes dos 3 anos de idade). Cerca de 25% dos lactentes que sobrevivem a convulsões neonatais desenvolvem PC.[35]
A história familiar pode indicar uma etiologia genética ou metabólica familiar. Em um estudo, baixos níveis de renda foram associados a um aumento de duas vezes no risco de PC.[17] Uma história social pode elicitar qualquer preocupação relacionada a traumatismo cranioencefálico decorrente de abuso infantil ou síndrome do bebê sacudido.
Fases do desenvolvimento
Uma história completa de todas as fases do desenvolvimento deve ser obtida. A avaliação do desenvolvimento, incluindo o rastreamento, pode ser feita com a ajuda de ferramentas como Denver II e Bayley III (Teste de Triagem do Desenvolvimento de Denver e Escala Bayley de Desenvolvimento Infantil, respectivamente). Ferramentas especiais de avaliação da motricidade durante o primeiro ano de vida ajudam a detectar as alterações na qualidade motora nos lactentes nascidos prematuramente.[72] A avaliação de um potencial atraso nos marcos do desenvolvimento deve usar a idade corrigida para crianças de até 2 anos nascidas prematuras.[56][73]
Marcos motores em atraso frequentemente são fatores chave no diagnóstico. Normalmente, as crianças sentam sem apoio aos 6 meses de idade, engatinham aos 9 meses e caminham entre 12 e 18 meses, falam frases curtas aos 2 anos e usam escadas como um adulto (degrau por degrau) aos 3 anos.
Um atraso no desenvolvimento da fala pode refletir atraso motor ou deficiência intelectual. O atraso na fala (observado em >50% dos pacientes com PC) é mais prevalente nas crianças com comprometimento corporal total.
O comprometimento cognitivo é observado em cerca de 50% dos pacientes com PC, e o comprometimento cognitivo grave é observado em cerca de 25%.[56]
PC espástica
A PC espástica é o subgrupo mais comum, caracterizado por um aumento velocidade dependente nos reflexos de estiramento tônicos, com reflexo tendinoso exagerado e clônus resultantes da hiperexcitabilidade do reflexo de estiramento.[3] A gravidade varia de comprometimento leve de um único membro a comprometimento corporal total grave.
Os princípios diagnósticos gerais envolvem a confirmação do diagnóstico quando evidente e a postergação do diagnóstico quando duvidoso, enquanto se continua tratar os sintomas. Aproximadamente metade das crianças supera um diagnóstico presumível de PC espástica, estabelecido com 1 ano de idade, até os 7 anos de idade.[74] A espasticidade normalmente permanece estável após os 5 anos.
A maioria das crianças alcança 90% do potencial motor aos 5 anos de idade, e a probabilidade de uma criança começar a andar após os 7 anos de idade é pequena.[75][76] Alguns pediatras acreditam que um diagnóstico definitivo de PC espástica não deve ser feito até os 5 anos de idade, para se evitar o sobrediagnóstico.
Pós-parto imediato
Caracterizado por tônus muscular diminuído, que se torna progressivamente hipertônico de 16 a 18 meses de idade.
Início da primeira infância
O diagnóstico de PC pode ser feito antes dos 5 meses de idade (idade corrigida para bebês prematuros) com até 98% de sensibilidade usando-se a Avaliação de Prechtl dos movimentos gerais (GMs), o Exame Neurológico Infantil de Hammersmith (HINE) e neuroimagens.[77][78][79]
Após os 5 meses de idade (corrigidos), o uso do HINE e da Avaliação do Desenvolvimento de Crianças Pequenas (DAYC) 2 é recomendado em associação com a neuroimagem.[69][70][80][81]
Os outros fatores para a avaliação dos lactentes incluem a presença de clônus sustentato ou outros reflexos patológicos persistentes.[69] O clônus sustentado é definido como clônus por mais de 3 batidas por vez, geralmente no nível do tornozelo. Os reflexos e as reações que são fatores prognósticos desfavoráveis para o desenvolvimento da marcha independente incluem:
Retenção de reflexos cervicais tônicos assimétricos e simétricos
Retenção do reflexo de Moro (sobressalto)
Retenção do reflexo cervical de retificação
Presença de reflexo de apoio plantar dos membros inferiores
Ausência da reação de paraquedas
Ausência do reflexo de posicionamento dos pés.[82]
Primeira infância
A espasticidade normalmente não se desenvolve até o segundo ano de vida, quando a criança tenta realizar atividades. Ela é confirmada por hipertonia (resistência velocidade dependente ao movimento passivo), reflexos tendinosos profundos aumentados e a presença de clônus. A espasticidade é graduada pela escala de Ashworth modificada.[83] Ela pode estar acompanhada pelo "sinal do canivete", que se refere à resistência ao movimento passivo que diminui bruscamente, fazendo com que o membro se mova mais facilmente.
Os pacientes também manifestam deficit de controle motor voluntário, com incapacidade de mover articulações isoladas sem o movimento obrigatório das articulações não agonistas. Isso pode ser avaliado por ferramentas como a de avaliação de controle seletivo dos membros inferiores (SCALE).[84]
Os pacientes com diplegia espástica têm comprometimento bilateral, com maior envolvimento dos membros inferiores que dos superiores. Os pacientes com quadriplegia espástica apresentam comprometimento significativo em todos os quatro membros e altas taxas de deficiência intelectual, oromotora e visual.
Os pacientes manifestam graus variados de capacidade de deambulação, com base no sistema de classificação da função motora grossa (GMFCS). CanChild: Gross Motor Function Classification System - Expanded & Revised (GMFCS - E&R) Opens in new window
Idade escolar
Os efeitos da espasticidade no sistema musculoesquelético podem resultar em contraturas progressivas ou deformidades, especialmente durante períodos de rápido crescimento, e podem se desenvolver por volta dos 5 anos de idade. As contraturas fixas não são alteradas pelo sono ou anestesia. Subluxação do quadril e escoliose devem ser avaliadas continuamente.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Quadril deslocado em paciente com paralisia cerebral (PC)Do acervo de William L. Oppenheim; usada com permissão [Citation ends].
A gravidade da contratura e da deformidade costuma ser menor nas crianças com hemiplegia, em comparação com as que apresentam comprometimento mais global; a displasia e a deformidade do quadril são raras na hemiplegia, mas não devem ser ignoradas.[85]
PC discinética
A PC discinética inclui distúrbios do movimento originados no sistema extrapiramidal, causando distúrbios como distonia, coreia e atetose. Os pacientes apresentam movimentos involuntários, recorrentes e ocasionalmente estereotipados com tônus muscular variado. A atetose e a coreia se manifestam na primeira infância, enquanto a distonia se manifesta no final da infância ou na adolescência. Embora a deficiência física possa ser grave nesses pacientes, a preservação da capacidade intelectual é comum.
A distonia é caracterizada por contrações musculares sustentadas e involuntárias, resultando em posturas retorcidas e anormais. Os pacientes podem apresentar rigidez associada, descrita como uma resistência constante ou em "cano de chumbo", que não se altera com a velocidade.
A coreia manifesta-se como movimentos rápidos, involuntários, espasmódicos e fragmentados. O tônus é geralmente diminuído, mas flutuante.
A atetose é caracterizada por movimentos mais lentos, de contorção, em constante alteração.
PC atáxica
A PC atáxica envolve perda de coordenação muscular, com força e ritmo anormais, bem como perda da precisão, resultando em ataxia troncular e da marcha, dificuldades no equilíbrio, teste índex-índex com "past-pointing", tremor de intenção, fala pastosa, nistagmo e outros movimentos oculares anormais e hipotonia.
A musculatura proximal da pelve, da escápula e do tronco é especialmente afetada, fazendo o paciente compensar a deficiência proximal com a musculatura distal. Um diagnóstico alternativo deve ser investigado nos pacientes com ataxia pura, pois isso é raro na PC.
PC mista
Muitos pacientes com PC apresentam mais de um tipo de distúrbio de movimento (por exemplo, presença de distúrbio de movimento discinético juntamente com espasticidade, rigidez ou hipertonia postural). Nesses pacientes, o componente discinético pode não se manifestar até que a espasticidade esteja aparente.
Marcha
Uma marcha anormal pode ser detectada após a idade em que as crianças começam a caminhar, o que frequentemente ocorre com atraso. A avaliação da marcha pode ser útil para ajudar no diagnóstico do subtipo de PC.
PC espástica
As anormalidades incluem assimetria, marcha digitígrada, desvios rotacionais dos membros, "marcha em tesoura" (cruzamento das pernas), dificuldades no equilíbrio, flexão articular excessiva, arrastar dos pés e postura fletida do braço.
Hemiplegia: a flexão plantar excessiva pode se manifestar pela marcha digitígrada unilateral na criança menor ou pela hiperextensão do joelho na criança maior ou no adulto. Tipicamente, os pacientes com hemiplegia espástica deambulam.
Diplegia: a espasticidade dos flexores plantares pode causar uma marcha digitígrada bilateralmente nas crianças pequenas. Entretanto, ela raramente é observada nas crianças em idade escolar ou nos adultos, que apresentam marcha em agachamento, provocada pela fraqueza dos flexores plantares com contraturas de flexão do quadril e do joelho. A espasticidade do adutor do quadril ou dos isquiotibiais mediais pode se manifestar como "marcha em tesoura" durante as atividades em pé. A rotação interna do fêmur ou da tíbia também pode mimetizar a marcha em tesoura.
Tetraplegia: a maioria desses pacientes não consegue andar por nenhuma distância substancial e requer suporte externo de dispositivos de assistência, como andadores e treinadores de marcha.
PC atáxica
Os pacientes apresentam uma marcha atáxica e caem frequentemente. Embora a ataxia possa ser o distúrbio do movimento primário, ela normalmente ocorre em associação com outros distúrbios do movimento, incluindo a espasticidade e a discinesia.
PC discinética
Pacientes com discinesia podem ou não andar. Eles exibem movimentos involuntários excessivos que frequentemente interferem na estabilidade e equilíbrio.
Investigações
Individualizadas, com base na história e nos achados do exame físico.[71]
Neuroimagem
Pode revelar leucomalácia periventricular, malformação congênita, acidente vascular cerebral (AVC) ou hemorragia. Lesões císticas podem estar presentes e não são incomuns em casos de hemiplegia, como resultado de acidentes vasculares pré-natais ou perinatais.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Leucomalácia periventricular. A Figura A é de uma menina normal de 14 anos de idade: a seta curva mostra o ventrículo lateral normal e a seta reta mostra a substância branca normal. A Figura B é de uma menina de 14 anos de idade com paralisia cerebral (PC): a seta curva mostra o ventrículo lateral aumentado e a seta reta mostra o volume diminuído da substância branca em decorrência da leucomalácia periventricularCortesia de Noriko Solomon, Professora Assistente de Radiologia, David Geffen School of Medicine at UCLA, Los Angeles [Citation ends].
A ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica é a modalidade de neuroimagem de escolha, sendo anormal em até 80% dos pacientes com PC, especialmente na presença de prematuridade ou de outros fatores de risco.[36][37] Toda criança com diagnóstico duvidoso de paralisia cerebral (PC) deve fazer uma RNM cranioencefálica.[86] Mais de 50% das crianças com PC nasceram após uma gestação a termo normal e podem não ter sido submetidos a uma RNM durante o período neonatal. Se a apresentação for típica de PC, as imagens podem ser proteladas até que a criança tenha idade suficiente para fazer o exame sem sedação, geralmente entre 5 e 7 anos de idade.[37]
A ultrassonografia e a tomografia computadorizada (TC) cranioencefálica não são tão sensíveis quanto a RNM para detecção de anormalidades cerebrais, mas podem ajudar no diagnóstico e no prognóstico.[87]
Exames de coagulação
Podem estar alterados. Devem ser considerados em pacientes com hemiplegia, que tem alta incidência de infarto envolvendo um único hemisfério.
Avaliação genética
Indicada para pacientes com características dismórficas como pregas cutâneas anormais, orelhas de implantação baixa, ausência de ponte nasal e hipo ou hipertelorismo ou para aqueles com suspeita de doença familiar.[71] Os pacientes podem apresentar anomalias congênitas múltiplas, como lesões espinhais congênitas, anomalias renais ou contraturas congênitas.
As características podem ser evidentes no período de internação em unidade de cuidados intensivos neonatais ou podem ser tornar evidentes mais tarde na infância.
Triagem metabólica
Deve ser considerada em neonatos com suspeita de defeitos congênitos do metabolismo, que apresentam normalmente convulsões, acidose inexplicada e coma.
Algumas doenças metabólicas podem ser diagnosticadas após exames de sangue rotineiros.[88][89]
Raio-X
Dependendo dos achados físicos, radiografias seriadas são necessários a partir dos 3 anos de idade (por exemplo, radiografia de quadril para diagnosticar subluxação do quadril, e/ou radiografia da coluna total para confirmar a progressão em pacientes com escoliose, cifose ou lordose).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Quadril deslocado em paciente com paralisia cerebral (PC)Do acervo de William L. Oppenheim; usada com permissão [Citation ends].
A partir dos 3 anos, as crianças com um GMFCS nível I ou II necessitam de menos acompanhamento; aquelas com nível III devem ser monitoradas pelo menos de dois em dois anos durante o crescimento ativo; e as crianças com nível IV ou V precisam de avaliação pelo menos anual durante o crescimento ativo.[90] CanChild: Gross Motor Function Classification System - Expanded & Revised (GMFCS - E&R) Opens in new window
O padrão para medição da subluxação dos quadris em uma visão anteroposterior da pelve é conhecido como índice de migração. No site Hipscreen.org há um aplicativo útil para smartphone, que prioriza um modelo ajustável para uma fotografia de radiografia de quadril, automatizando o processo.
Análise instrumental da marcha
Laboratórios de marcha oferecem análise cinemática e cinética da marcha.
Ferramentas padronizadas objetivas, incluindo análise de movimento por computador, eletromiografia e gravações de placa de força, são usadas para identificar e quantificar características de padrões de movimento. Em geral, esses dados são representados em comparação com uma base de dados de indivíduos sem deficiência e fornecem informações detalhadas sobre forças de movimento e articulação que não podem ser observadas clinicamente. Por exemplo, o desvio dos pés para dentro ("in-toeing") pode ser devido a deformidades torcionais da tíbia ou do fêmur, contraturas dos tecidos moles do quadril ou variação nos movimentos pélvicos no plano transversal.
A análise observacional da marcha e o exame físico detalhado podem ser eficazes em muitos casos, mas, geralmente, a análise instrumental da marcha pode distinguir entre as possíveis causas para direcionar a intervenção cirúrgica.[91]
Ferramentas de avaliação
Medidas úteis no diagnóstico e no acompanhamento de pacientes com PC incluem:[92]
Avaliação de Prechtl dos movimentos generalizados (GMs)[77]
Exame Neurológico Infantil de Hammersmith (HINE) (uma ferramenta de exame neurológico para avaliar crianças entre 2 e 24 meses de idade [idade corrigida para crianças prematuras])[78]
Avaliação do Desenvolvimento de Crianças Pequenas (DAYC) 2[81]
Avaliação pediátrica do índice de incapacidade (uma medição do funcionamento global)[93]
Medida do desempenho motor grosso[94]
Sistema de classificação da função motora grossa CanChild: Gross Motor Function Classification System - Expanded & Revised (GMFCS - E&R) Opens in new window
Sistema de classificação da habilidade manual (MACS) Manual Ability Classification System Opens in new window[9]
Sistema de classificação da função de comunicação (CFCS) Communication Function Classification System Opens in new window[10]
Medida da função motora grossa[7][8] CanChild: GMFM score sheets Opens in new window
Abordagem observacional - escala de classificação do médico[95]
Escala de Ashworth modificada para espasticidade[83]
Escala de distonia de Barry-Albright[96]
Classificação internacional da incapacidade de funcionamento e saúde (enfatizando a integração social como a meta do desfecho de saúde) WHO: International classification of functioning, disability and health Opens in new window
Escala de mobilidade funcional[97]
Avaliação do controle seletivo dos membros inferiores[84]
Teste de Triagem do Desenvolvimento de Denver (Denver II)
Escala Bayley de Desenvolvimento Infantil (Bayley III)
Teste adaptativo informatizado de paralisia cerebral (CP-CAT).[100]
Revisões descreveram ferramentas de avaliação dos membros superiores para pacientes com PC hemiplégica.[101][102]
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