Abordagem

Nenhum tratamento afeta o desfecho da febre reumática aguda. O tratamento pode reduzir a inflamação aguda e todas as demais manifestações apresentarão resolução espontânea, exceto a cardite. O grau de regurgitação valvar geralmente melhora, mas pode ocasionalmente progredir nos meses seguintes a um diagnóstico de febre reumática. Nenhum tratamento utilizado na fase aguda é efetivo na modificação da evolução aguda da cardite, e a boa adesão à profilaxia secundária é o único tratamento conhecido que melhora a progressão em longo prazo para doença cardíaca reumática (DRC); o principal papel da prevenção secundária após a febre reumática aguda é a prevenção de recorrências da febre reumática e da repetição de danos valvares cumulativos subsequentes.[92]

Objetivos do manejo do quadro agudo

Os objetivos do manejo são:

  • Confirme o diagnóstico de febre reumática aguda

  • Oferecer tratamento sintomático e encurtar a fase inflamatória aguda, em especial a poliartrite, que pode ser bastante dolorosa

  • Oferecer educação ao paciente e à família do paciente

  • Iniciar a profilaxia secundária e ressaltar a importância da mesma

  • Oferecer tratamento odontológico e educação sobre prevenção da endocardite infecciosa

  • Garantir o acompanhamento.

Todos os pacientes com suspeita de febre reumática aguda devem ser hospitalizados, para confirmação do diagnóstico e avaliação das características clínicas e da gravidade do ataque.q Alguns pacientes com diagnóstico confirmado e doença leve podem receber manejo ambulatorial após um período inicial de estabilização.

Diagnóstico não confirmado com presença de monoartrite

Havendo suspeita de febre reumática aguda, é indicada a hospitalização para fins de observação e realização de investigações adicionais. Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e salicilatos, como a aspirina, devem ser suspensos até a confirmação do diagnóstico, e analgésicos simples, como o paracetamol, são recomendados nesse ínterim. Os AINEs e a aspirina são suspensos para facilitar o diagnóstico, já que reduzem a dor artrítica mas não afetam o desfecho da doença em longo prazo. A título de exemplo, se houver dúvida quanto ao diagnóstico em pacientes com monoartrite, o aparecimento de uma poliartrite migratória confirmará a febre reumática. Uma estratégia preferível nos pacientes com suspeita de febre reumática é repouso no leito e paracetamol regular durante a realização das investigações para confirmar o diagnóstico o mais rapidamente possível. Assim que o diagnóstico for confirmado, inicie a administração de AINEs regularmente ao paciente.

Os analgésicos opioides geralmente não são recomendados, especialmente em crianças. Eles devem ser evitados sempre que possível. Se forem necessários, devem ser usados com extrema cautela. A codeína é contraindicada em crianças com menos de 12 anos de idade e não é recomendada em adolescentes entre 12 e 18 anos de idade que são obesos ou apresentam afecções como apneia obstrutiva do sono ou doença pulmonar grave, pois ela pode aumentar o risco de problemas respiratórios.[93] Ela geralmente é recomendada somente para o tratamento de dor aguda moderada que não obtém resposta com outros analgésicos, em crianças com 12 anos de idade ou mais. Deve ser usada na mínima dose eficaz no menor período de tempo e o tratamento deve ser limitado a 3 dias.[94][95]

Febre reumática aguda confirmada

O desfecho das lesões valvares reumáticas aparentemente não é afetado pela administração de penicilina durante um episódio de febre reumática aguda.[96] No entanto, a penicilina é recomendada com vista a garantir a erradicação dos estreptococos na garganta, independentemente da presença ou não de cultura faríngea positiva. Uma única injeção de benzilpenicilina benzatina é a opção primária recomendada. A penicilina oral é uma opção se a penicilina intramuscular for recusada; no entanto, a adesão precisa ser monitorada de perto. O uso de penicilina intravenosa não é necessário. Em geral, recomenda-se a benzilpenicilina benzatina, que também cumpre a finalidade de agir como primeira dose da profilaxia secundária. A eritromicina oral é uma opção para pacientes alérgicos à penicilina e a adesão deve ser monitorada atentamente. Como a penicilina é a terapia de escolha de primeira linha para profilaxia secundária, recomenda-se que pacientes com relato de alergia a penicilina sejam avaliados rigorosamente. O encaminhamento a um alergista pode ser necessário e a dessensibilização pode ser apropriada em algumas circunstâncias, sob supervisão médica rigorosa. A educação é o segundo componente principal do manejo do quadro agudo de todos os pacientes com febre reumática, devido à necessidade de medidas preventivas contínuas em longo prazo.

Abordagens de gestão específicas são necessárias para as três principais manifestações da febre reumática aguda.

  • Artrite

  • Cardite

  • Coreia

Com artrite

Historicamente, o tratamento de primeira linha para artrite reumática tem sido a terapia com salicilato (aspirina).[57][97][98][99] Os médicos estão recomendando cada vez mais o tratamento com AINEs. O naproxeno tem sido usado com êxito e alguns especialistas recomendam o naproxeno como tratamento de primeira linha por causa de sua dosagem duas vezes ao dia, do perfil superior de efeitos colaterais e risco reduzido de síndrome de Reye.[100][101]

O ibuprofeno também tem sido utilizado com sucesso em crianças, embora não haja dados específicos sobre sua eficácia em crianças com febre reumática.[63]

Se o paciente tiver monoartrite com suspeita de febre reumática aguda, mas não atender aos critérios diagnósticos, deve-se suspender a terapia com salicilatos ou o tratamento com AINEs para não mascarar a aparência da poliartrite migratória (uma manifestação importante). O paracetamol pode ser administrado nesse ínterim.

A aspirina e os AINEs geralmente têm um efeito acentuado sobre a artrite e a febre da febre reumática, e normalmente isso melhora dentro de 2 a 3 dias após o início do tratamento regular. A artrite reumática persistente pode ocorrer ocasionalmente, geralmente em crianças com inflamação sistêmica significativa em curso.

Pacientes com cardite

A maioria dos pacientes com cardite leve ou moderada sem insuficiência cardíaca é assintomática e não necessita de medicamentos cardíacos específicos.

Um subgrupo de pacientes com cardite evoluindo para insuficiência cardíaca requer tratamento:

  • Repouso no leito com deambulação conforme tolerada

  • Tratamento clínico da insuficiência cardíaca; a terapia de primeira linha consiste em diuréticos e inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA).

Apesar da falta de evidências de boa qualidade para dar suporte ao uso de terapia com glicocorticoides em pacientes com cardite grave e insuficiência cardíaca, muitos médicos que tratam a febre reumática acreditam que o uso de glicocorticoides pode acelerar a recuperação. Duas metanálises não conseguiram demonstrar algum benefício dos glicocorticoides com relação ao placebo, embora os estudos sejam antigos e, em termos gerais, de baixa qualidade.[92][102] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Não há evidências de que os salicilatos ou a imunoglobulina intravenosa (IGIV) melhorem o desfecho da cardite na febre reumática, e seu uso não é recomendado.[103] São raros os casos em que pacientes com fibrilação atrial podem necessitar de tratamento antiarrítmico com amiodarona ou digoxina.

A cardite pode evoluir ao longo de semanas a meses, e a ecocardiografia seriada é recomendada para indivíduos com cardite grave, alterações de sopro e/ou inflamação persistente.

Para pacientes com cardite grave que necessitam de cirurgia, a cirurgia é adiada sempre que possível, até que a inflamação sistêmica se estabilize. Em raras circunstâncias, uma cirurgia urgente e para salvar a vida pode ser necessária em decorrência de complicações como a ruptura aguda do folheto valvar ou a ruptura das cordas tendíneas.

Sempre que possível, o reparo da valva cardíaca é o procedimento cirúrgico de escolha para a DRC estabelecida, pois poupa o paciente dos consideráveis riscos adicionais associados à anticoagulação vitalícia. A reparação pode não ser possível em algumas situações em que os tecidos valvares estiverem extremamente friáveis ou grave e cronicamente danificados.

Pacientes com coreia

A maioria dos pacientes com coreia não requer tratamento, já que a coreia é benigna e autolimitada. A maior parte dos sintomas remite em algumas semanas e quase todos dentro de 6 meses. Tranquilização e um ambiente silencioso e calmo muitas vezes são suficientes.

O tratamento é reservado a coreia grave que exponha o indivíduo a risco de lesão ou seja extremamente incapacitante ou desgastante. Podem ser adotados ácido valproico ou carbamazepina. Apesar do ácido valproico poder ser mais eficaz que a carbamazepina, esta é preferida como tratamento de primeira linha devido à possível hepatotoxicidade do ácido valproico.[63][104]​ O ácido valproico e seus derivados podem causar malformações congênitas graves, incluindo transtornos do neurodesenvolvimento e defeitos do tubo neural, após uma exposição intra-útero. Esses agentes não devem ser usados em pacientes do sexo feminino em idade fértil, a menos que outras opções não sejam adequadas, exista um programa de prevenção da gravidez e certas condições sejam atendidas. Medidas de precaução também podem ser necessárias em pacientes do sexo masculino devido ao risco potencial de que o uso nos 3 meses anteriores à concepção possa aumentar a probabilidade de transtornos do neurodesenvolvimento em seus filhos. As regulamentações e medidas de precaução para pacientes dos sexos feminino e masculino podem variar entre os países, e você deve consultar as orientações locais para obter mais informações.

O tratamento pode resolver totalmente ou apenas amenizar os sintomas da coreia. Geralmente, leva entre 1 e 2 semanas para que o medicamento faça efeito. Recomenda-se que o tratamento continue por 2 a 4 semanas após a diminuição da coreia. Deve-se evitar o haloperidol e as combinações de agentes.

Uma série de pequenos estudos sugeriram que o tratamento com IGIV pode permitir uma recuperação mais rápida da coreia reumática.[105][106] No entanto, até que evidências adicionais estejam disponíveis, a IGIV não deve ser considerada como tratamento padrão e deve ser reservada para consideração em pacientes com coreia grave refratária a outros tratamentos.

Profilaxia secundária

O papel da profilaxia secundária é prevenir novas infecções por estreptococos do grupo A e episódios recorrentes de febre reumática manifesta ou silenciosa que leve ao agravamento da lesão valvar cardíaca. Embora alguns casos leves de cardite se curem completamente, a progressão para a DRC grave é pouco compreendida. A profilaxia secundária pode reduzir a gravidade clínica e, portanto, a mortalidade da DRC e levar à regressão da DRC se os pacientes forem aderentes por mais de uma década.[107][108] A penicilina é o antibiótico mais eficaz, sendo a injeção intramuscular o método mais eficaz de administração da benzilpenicilina benzatina de ação prolongada a cada 3 a 4 semanas.[109][110] O manejo de pacientes com alergia comprovada à penicilina pode ser feito com eritromicina oral.[1]

Nos pacientes com possível febre reumática (isto é, pacientes provenientes geralmente de cenários de alta incidência, nos quais o médico suspeita fortemente de diagnóstico de febre reumática aguda, mas que não atendem na íntegra os critérios de Jones, talvez porque não estejam disponíveis instalações onde realizar a testagem completa).[2] É razoável oferecer um período mais curto de profilaxia secundária seguido de reavaliação (incluindo uma ecocardiografia). Isso deve ser feito em consulta com a criança e a família, e com uma consideração rigorosa das circunstâncias individuais e da história familiar do paciente. Em pacientes com sintomas articulares recorrentes e/ou atípicos, apesar da boa adesão à profilaxia com penicilina, também é importante considerar a possibilidade de outros diagnósticos reumatológicos, como a artrite idiopática juvenil.

Após evidências crescentes de que pacientes com DRC que têm valvopatia cardíaca grave com ou sem função ventricular reduzida podem estar morrendo de comprometimento cardiovascular após injeções de benzilpenicilina benzatina, a American Heart Association (AHA) agora recomenda fortemente que os pacientes com DRC de risco elevado recebam profilaxia com antibióticos orais, de preferência penicilina oral, se prontamente disponível.[111] A AHA observa que os pacientes com risco elevado incluem aqueles com estenose mitral grave, estenose aórtica e insuficiência aórtica, aqueles com função sistólica ventricular esquerda diminuída e aqueles sem sintomas; para esses pacientes, a AHA acredita que o risco de reação adversa à benzilpenicilina benzatina, especificamente o comprometimento cardiovascular, pode superar seu benefício teórico.[111]

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal