Abordagem

Os principais fatores de risco para fraturas cranianas incluem queda, acidente com veículo automotor (AVA), agressão resultando em trauma cranioencefálico, ferimento por arma de fogo na cabeça e sexo masculino.[2][4][5][7][8][11]​ No entanto, as fraturas cranianas podem ser encontradas até mesmo em pacientes com trauma cranioencefálico leve, e podem estar presentes em 2% a 20% de todos os traumas cranioencefálicos pediátricos apresentados ao pronto-socorro, e em 5.8% dos traumas cranioencefálicos adultos leves.[2][7]​ Portanto, mesmo na presença de um traumatismo cranioencefálico leve, um alto nível de suspeita deve ser mantido. Com a exceção das fraturas da base do crânio, as fraturas cranianas isoladas raramente manifestam quaisquer sinais clínicos. Em um estudo, apenas 2.1% dos pacientes com fraturas tinham sinais clínicos de lesão; e os sinais, quando presentes, eram inespecíficos.[7]

É muito importante identificar precocemente os pacientes com lesão intracraniana associada, a fim de instituir o manejo de emergência. O estado neurológico do paciente deve ser avaliado na apresentação inicial e monitorado subsequentemente, para ajudar a orientar as decisões sobre o manejo. A tomografia computadorizada (TC) do crânio e do cérebro deve ser considerada em pacientes de alto risco ou nos que apresentam deterioração do estado neurológico.[28][29][30]

História

Os pacientes podem relatar uma história de trauma. Isso pode incluir uma queda (especialmente de altura), AVA ou agressão.[2][4][5][8][11] O trauma pode ser relativamente leve.[7]

As queixas apresentadas podem ser decorrentes da própria fratura craniana ou da lesão associada.

As fraturas da base também podem afetar os nervos cranianos, resultando em deficit auditivo, paralisia facial (VII) ou dormência (V) e nistagmo.[1]​ A lesão do nervo facial (VII) pode causar perda auditiva neurossensorial. A perda auditiva condutiva também pode estar presente no início (<3 semanas) por causa do hemotímpano nas fraturas do osso temporal, ou mais tarde (>6 semanas) na fratura longitudinal do osso temporal com interrupção da cadeia ossicular.

Características menos específicas incluem dor craniana e edema, e os pacientes podem se queixar de cefaleia e/ou náuseas. Eles podem relatar perda de consciência, que pode estar relacionada à patologia intracraniana associada, e não à fratura propriamente dita.

Em crianças, qualquer história de comparecimento prévio ao hospital por uma lesão não acidental deve ser considerada. Isto e quaisquer sinais e sintomas clínicos não condizentes com a história (por exemplo, hematomas não explicados, deficit no crescimento para a idade) devem levar o médico a considerar abuso infantil como etiologia subjacente. Consulte Abuso infantil.

Exame craniano

O crânio deve ser examinado manualmente para verificar a deformidade óssea. Uma laceração (ou ferida) na pele/tecido mole com osso fraturado visivelmente exposto ou fragmentos de osso é sugestiva de uma fratura do crânio. No entanto, as alterações palpáveis do contorno do córtex ósseo (proeminências) ou os fragmentos de fraturas palpáveis são raros.

A maioria dos pacientes se apresenta sem evidências de lesão ou com evidências inespecíficas de trauma, como edema do tecido mole, hematomas, crepitação, lacerações e dor à palpação. Estado mental alterado e perda da consciência estão relacionados à lesão intracraniana subjacente associada e são raros em fraturas cranianas isoladas. A presença de hematomas cranianos é mais sugestiva de uma fratura do crânio em crianças que em adultos.[31] A lesão dentária não explicada e/ou a presença de freio lingual ou labial dilacerado devem levantar a consideração de abuso infantil.[32] Consulte Abuso infantil.

Muitas vezes, as fraturas da base do crânio têm características clínicas específicas. O acúmulo de sangue dessas fraturas pode resultar na equimose sobre a área da mastoide (por exemplo, sinal de Battle), equimose periorbital (olhos de guaxinim) particularmente se for unilateral; e otorreia sanguinolenta. O vazamento de líquido cefalorraquidiano (LCR) pode resultar em otorreia ou rinorreia liquórica. O valor preditivo positivo para detectar a fratura da base do crânio é 85% para um olho de guaxinim unilateral, 66% para o sinal de Battle e 46% para a otorreia sanguinolenta.[1] Além disso, esses sinais podem ajudar na localização da fratura da base: o sinal de Battle e a otorreia são mais frequentemente associados às fraturas da porção pétrea do osso temporal; a equimose periorbital e a rinorreia liquórica são mais frequentemente associadas às fraturas da fossa craniana anterior.[1] Não há dados para dar suporte ao uso do sinal do "halo", em que o LCR pode ser diferenciado do sangue/muco pela formação de um "halo" quando o fluido é depositado em um papel filtro, como um marcador específico ou sensível para o vazamento de LCR.[33]

Exame neurológico

O estado neurológico do paciente deve ser avaliado na apresentação inicial e monitorado subsequentemente, para ajudar a orientar as decisões sobre o manejo. A escala de coma de Glasgow é comumente usada para avaliar qualquer lesão cerebral traumática.[34] Ela também atua como um guia para avaliar a necessidade de imagem por TC.[29][30]

As pupilas devem ser examinadas quanto ao tamanho, simetria, reflexos diretos/consensuais à luz e duração da dilatação/fixação. Os reflexos pupilares anormais podem sugerir hérnia ou lesão do tronco encefálico.

A GCS tem 3 componentes: melhor resposta ocular (O), melhor resposta verbal (V) e melhor resposta motora (M).

  • Abertura do olho: espontânea (4 pontos), com estimulação verbal (3 pontos), com estimulação dolorosa (2 pontos), nenhuma (1 ponto)

  • Resposta verbal: orientada, fluente, coerente (5 pontos), desorientada, confusa (4 pontos), incoerente (3 pontos), incompreensível (2 pontos), nenhuma (1 ponto)

  • Resposta motora: obedece a comandos (6 pontos), localiza o estímulo (5 pontos), afasta-se do estímulo (4 pontos), postura descorticada ou flexora (3 pontos), postura descerebrada ou extensora (2 pontos), nenhuma (1 ponto).

O escore total da escala de coma de Glasgow é a soma dos pontos da abertura dos olhos, resposta verbal e resposta motora (variando de 3 a 15 pontos):

  • Escores de 13 a 15 na Escala de coma de Glasgow são associados a uma lesão cerebral leve

  • Escores de 9 a 12 na Escala de coma de Glasgow são associados a uma lesão cerebral moderada

  • Um escore <8 na Escala de coma de Glasgow é associado a uma lesão cerebral grave.

TC de crânio e crânio encefálica

A TC continua sendo a modalidade de imagem de primeira escolha, sendo superior à ressonância nuclear magnética (RNM) para detectar fraturas cranianas em pacientes pediátricos e adultos.[35][36][37]​ Todos os pacientes com características sugestivas de fratura craniana (por exemplo, sinal de Battle, equimoses periorbitais, rinorreia ou otorreia) devem submeter-se a uma TC de crânio. As fraturas da base do crânio são as mais difíceis de detectar; TCs de crânio devem ser realizadas com cortes finos e incluir algum tipo de reconstrução tridimensional.[38][39][40][41]​ Uma comparação retrospectiva de 3 técnicas reconstrutivas diferentes revelou a melhor sensibilidade na de alta resolução com reformatações multiplanares (TCRMP) que atualmente é o padrão de cuidados, em combinação com as reconstruções da projeção de máxima intensidade (PMI).[40] As reconstruções da PMI aumentam a taxa de detecção em 18% e podem detectar tipos diferentes de fraturas, em comparação com a TCRMP de alta resolução.[41] O rendimento da detecção das fraturas aumenta se mais de um radiologista revisar as imagens.[40]

Outros auxiliares da TC convencional incluem o uso de meio de contraste intratecal para localizar a fonte do vazamento de LCR e a angiotomografia se houver qualquer suspeita de lesão vascular, como quando a fratura envolve um canal carotídeo ou passa por cima de um vaso (por exemplo, a artéria meníngea média, seio sagital).[37]

No entanto, como as fraturas cranianas frequentemente se apresentam sem sinais ou sintomas clínicos no exame físico, mas como constituem fator de risco significativo para a patologia intracraniana, a questão de qual paciente deve ser submetido ao exame de imagem é muito importante. Uma avaliação prospectiva sobre as diretrizes de imagem para o trauma cranioencefálico observou que a sensibilidade elevada para detectar a patologia foi associada a um número significativo de TCs desnecessárias.[7] Os critérios de avaliação para orientar a imagem incluem os Critérios de Nova Orleans, a regra canadense de TC de crânio, os Critérios de Adequação do American College of Radiology® e os critérios do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido.[28][29][30][37]​​

New Orleans criteria:[29]

  • A TC é exigida em pacientes com trauma cranioencefálico leve (definido como perda de consciência em pacientes com achados normais em um breve exame neurológico e um escore de 15 na escala de coma de Glasgow, conforme determinado por um médico na chegada ao pronto-socorro), com um dos seguintes:

    • Cefaleia

    • Vômitos

    • Idade >60 anos

    • Intoxicação por drogas ou bebidas alcoólicas

    • Amnésia anterógrada persistente (deficiência na memória de curto prazo)

    • Evidência de lesão traumática dos tecidos moles ou ossos acima das clavículas

    • Convulsão (suspeita ou testemunhada).

Canadian CT head rule:[30]

  • A TC de crânio é necessária para pacientes com traumatismo cranioencefálico leve, definido como perda de consciência testemunhada, amnésia definida ou desorientação testemunhada em um paciente com um escore de 13 a 15 na escala de coma de Glasgow, com um dos seguintes:

  • Alto risco (de intervenção neurológica):

    • Escore na Escala de coma de Glasgow <15 medido 2 horas depois da lesão

    • Suspeita de fratura craniana aberta ou com afundamento

    • Qualquer sinal de fratura da base do crânio: hemotímpano, olhos de guaxinim (equimose periorbital), otorreia/rinorreia do LCR, sinal de Battle (equimose do processo mastoide)

    • 2 ou mais episódios de vômitos

    • 65 anos de idade ou mais.

  • Risco médio (de lesão cerebral na TC):

    • Amnésia >30 minutos antes do impacto (amnésia retrógrada)

    • Mecanismo perigoso (pedestre atropelado por veículo automotor, ocupante ejetado de automóvel ou queda de altura >1 metro ou 5 degraus).

American College of Radiology Appropriateness Criteria®[37]

  • Os pacientes identificados como tendo um risco moderado ou alto de lesão intracraniana devem fazer uma TC sem contraste precocemente após a lesão, em busca de evidências de hematoma intracerebral, desvio na linha média ou pressão intracraniana elevada.

Imagens adicionais

Radiografia do crânio

  • Filmes simples eram previamente usados para ajudar na triagem dos pacientes que beneficiariam de uma TC. No entanto, eles não oferecem informações adicionais e são associados a uma baixa sensibilidade e falha em detectar qualquer patologia intracraniana associada.[36] Com a ampla disponibilidade das TCs para ajudar a detectar a patologia intracraniana, as radiografias simples do crânio não são mais recomendadas como investigação de primeira linha em crianças ou adultos. No entanto, elas podem ser usadas como um auxiliar no ínterim em que a TC não estiver disponível.

ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica

  • Embora a TC seja considerada a modalidade de imagem de primeira linha para suspeita de lesão intracraniana, a ressonância nuclear magnética (RNM) é útil quando há deficits neurológicos persistentes que permanecem inexplicados após a TC, especialmente na fase subaguda ou crônica ou na ausência de história de trauma.[37] O principal benefício da RNM é a elevada detecção de patologia intracraniana associada. A RNM pode detectar uma lesão axonal difusa não visualizada na TC e aumentar a detecção de hemorragias intracranianas (extradural/subdural) em até 30%.[4][35][39][42]​ Portanto, a RNM pode ser considerada se houver uma preocupação contínua com a patologia intracraniana na ausência de achados na TC.

  • A RNM e a angiografia por RM também podem ser úteis se a fratura envolver estruturas vasculares importantes (por exemplo, o canal carotídeo ou o seio sagital superior), para avaliar a lesão/patologia vascular subjacente.[37][39][43][44][45]

Imagem da coluna cervical

  • Historicamente, as fraturas cranianas (particularmente as fraturas condilares occipitais) eram associadas a um alto risco de lesão da coluna cervical. No entanto, vários estudos não encontraram essa associação.[46][47] A imagem da coluna cervical deve ser deixada ao critério do médico responsável, com base no exame clínico, nível de suspeita, idade do paciente e mecanismo da lesão.

Ultrassonografia craniana

  • Pode ser um auxiliar útil da TC cranioencefálica após a confirmação de uma fratura na população pediátrica, para detectar lacerações durais, hérnia cerebral ou uma fratura craniana crescente.[37] Também pode haver uma função para a ultrassonografia na triagem de fraturas cranianas em pacientes pediátricos com trauma cranioencefálico leve.[48][49][50]

Radiografia do esqueleto

  • Deve ser considerada se houver suspeita de abuso infantil como etiologia subjacente.[51][52]​​ A radiografia de esqueleto deve ser composta por vistas frontais e laterais do crânio, vistas laterais da coluna cervical e da coluna toracolombossacral e vistas frontais únicas dos ossos longos, mãos, pés, tórax e abdome. Imagens oblíquas das costelas devem ser obtidas para aumentar a precisão do diagnóstico de fraturas de costelas, que podem ser a única manifestação esquelética de abuso.[51] Uma repetição da radiografia de esqueleto limitada após 2 semanas pode detectar fraturas adicionais e fornecer informações para datar as fraturas.[51] A repetição da radiografia de esqueleto deve ser realizada quando forem encontrados achados anormais ou equívocos no estudo inicial e quando houver suspeita de abuso por motivos clínicos.[51][53]​​ Para limitar a exposição à radiação, as radiografias da pelve, coluna e crânio podem ser omitidas se nenhuma lesão tiver sido inicialmente observada nessas regiões.[51]

angiotomografia

  • Deve ser considerada se houver suspeita de lesão vascular, como quando a fratura envolve o canal carotídeo ou se sobrepõe a um vaso (por exemplo, artéria meníngea média, seio sagital).[37]

Angiotomografia venosa

  • Do ponto de vista de imagem, o fator de risco mais importante para lesão venosa traumática é uma fratura do crânio (ou menos comumente um corpo estranho penetrante) que envolve um seio venoso dural ou bulbo ou forame jugular).[37] No cenário agudo, a angiotomografia venosa é o estudo mais útil na avaliação por imagem de suspeita de lesão venosa intracraniana.[37][54]

Investigações laboratoriais

Para qualquer paciente com trauma cranioencefálico e otorreia/rinorreia, um imunoensaio (ensaio da beta-2-transferrina) do fluido suspeito pode ter uma coloração positiva na presença da proteína.

O exame deve ser realizado se uma drenagem transparente ou sanguinolenta estiver presente no nariz ou nas orelhas.

Se positivo, ele indica vazamento do líquido cefalorraquidiano (LCR) e é confiável mesmo na presença de sangue ou muco. Tem sensibilidade de quase 100% e especificidade de 95%.[55]

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