Etiologia
A deficiência de AVP (AVP-D; antes conhecida como diabetes insípido central) decorre de uma deficiência absoluta ou relativa de arginina-vasopressina (AVP); a resistência à AVP (AVP-R; antes conhecida como diabetes insípido nefrogênico) resulta de uma insensibilidade renal ou resistência à AVP. Ambos os mecanismos reduzem a permeabilidade dos dutos dentro do néfron à água, reduzindo a reabsorção de água e aumentando a perda de água pelos rins. As causas de AVP-D ou AVP-R podem ser genéticas ou adquiridas.[7]
AVP-D - adquirida
Cirurgia da hipófise: a cirurgia hipofisária transesfenoidal, geralmente para adenoma hipofisário, é uma causa comum de AVP-D.[3] As lesões da hipófise raramente se apresentam com AVP-D no pré-operatório. As exceções são craniofaringioma, lesões infiltrantes do pedúnculo hipofisário/hipotalâmicas ou metástases hipofisárias.[3] A AVP-D pode ser transitória ou permanente. Após a cirurgia da hipófise, raramente pode se manifestar como uma resposta trifásica clássica: AVP-D inicial aguda, seguida de uma fase antidiurética transitória (apresentando-se como hiponatremia devido à síndrome de antidiurese inapropriada [SIAD]), evoluindo posteriormente para uma AVP-D permanente.[12]
Craniofaringioma: em contraste com a maioria dos tumores intracranianos, a AVP-D é relativamente comum em pacientes com craniofaringioma no pré (8 a 35%) e no pós-operatório (70 a 90%).[13] Pacientes com craniofaringiomas também têm maior probabilidade de apresentar anormalidades da sede primárias e pós-operatórias associadas, o que pode agravar o equilíbrio hídrico e os problemas eletrolíticos.[14]
Traumatismo cranioencefálico pós-traumático: a AVP-D é comum depois de lesão cerebral traumática.[15] É geralmente transitório, desenvolvendo-se em 21% a 26% dos casos.[16][17] AVP-D permanente foi relatada em aproximadamente 7% dos casos.[16]
Lesões do pedúnculo hipofisário: o envolvimento do pedúnculo hipofisário é comum na histiocitose das células de Langerhans, e a AVP-D foi relatada em até 24% dos pacientes.[18] Outras condições infiltrantes envolvendo o pedúnculo hipofisário que podem produzir AVP-D incluem germinoma, metástases intracranianas, doença granulomatosa (por exemplo, sarcoidose e tuberculose), infundíbulo-hipofisite linfocítica e doença relacionada à IgG4.[19][20][21][22][23][24][25][26] Crianças e adultos jovens com AVP-D idiopática e que apresentam espessamento do pedúnculo hipofisário na apresentação geralmente manifestam uma patologia/diagnóstico mais amplo e reconhecido, com acompanhamento de longa duração.[27][28]
Distúrbios autoimunes: a AVP-D está associada a outros distúrbios endócrinos autoimunes, incluindo tireoidite de Hashimoto e diabetes mellitus tipo 1.[29] Em alguns casos, a AVP-D foi associada a autoanticorpos das células secretoras de arginina-vasopressina (AVPcAb).[29]
Infecção do sistema nervoso central: a AVP-D pode se desenvolver como uma complicação tardia de meningite ou encefalite.[4][22][23][30][31]
A hemorragia subaracnoidea envolvendo a artéria comunicante anterior que fornece suprimento ao hipotálamo anterior pode resultar em AVP-D e anormalidades da sede.[32]
Medicamentos: a fenitoína é relatada como causa de AVP-D, assim como a temozolomida.[33][34]
Uma causa rara de AVP-D é o envenenamento por monóxido de carbono.[35][36]
AVP-D - congênito/hereditário
AVP-D familiar representa aproximadamente 1% a 5% de todos os casos de AVP-D. Geralmente, é uma condição hereditária autossômica dominante devido a uma mutação no gene AVP-NPII localizado no cromossomo 20p135. Essa condição muitas vezes tem muitos familiares com AVP-D clínica precoce na vida.[37]
Malformações congênitas que envolvem a hipófise ou o hipotálamo e defeitos na linha média do prosencéfalo podem resultar em AVP-D.[38]
AVP-D pode ocorrer como um componente da síndrome de Wolfram, um distúrbio neurodegenerativo progressivo e autossômico recessivo, caracterizado por diabetes mellitus e atrofia ocular, com frequência variável de AVP-D e surdez neurossensorial.[39] Estudos genéticos identificaram dois subtipos de síndrome de Wolfram.[40] A WS1 é causada por mutações da perda de função no gene WFSI no cromossomo 4p16. O WFSI codifica uma glicoproteína de 890 aminoácidos, wolframina, que regula o estresse do retículo endoplasmático e a homeostase do cálcio. A perda de função da wolframina desencadeia apoptose e morte celular. Mutações não inativadoras do WFSI estão associadas à perda auditiva neurossensorial autossômica dominante. A WSI pode, portanto, representar um extremo de um espectro de um distúrbio. A WS2 também é caracterizada por atrofia óptica e diabetes mellitus. A WS2 é causada por mutações de perda de função no gene CISD2, que codifica uma proteína expressa no retículo endoplasmático e na membrana mitocondrial externa. A perda de função do CISD2 interrompe o fluxo de cálcio, levando à autofagia e à morte celular.[39]
AVP-R - adquirida
Medicamentos: a terapia de lítio é uma causa comum de AVP-R. Foi relatado em até 40% dos pacientes que receberam terapia de lítio de longa duração, mas a incidência desse efeito adverso foi relatada em até 85%.[9][10] Deve-se ao efeito do lítio sobre a mobilização dos canais de aquaporina. A condição pode ser irreversível, persistindo após a terapia com lítio ser descontinuada.[41] Outros medicamentos que podem desencadear AVP-R podem incluir demeclociclina, cisplatina, colchicina, gentamicina, rifampicina e sevoflurano.[5][42]
Doença sistêmica, desequilíbrio eletrolítico e uropatia pós-obstrutiva: doença renal crônica, sarcoidose renal e amiloidose renal são causas reconhecidas de AVP-R.[5][21] AVP-R pode ser causada por hipercalcemia e hipocalemia, e isso pode ser revertido pela normalização dos eletrólitos.[5] A obstrução ureteral também é um fatores de risco reconhecido para AVP-R.[5] Pensa-se que o aumento da pressão hidrostática suprima a expressão de AQP2 e essa down-regulation persiste até 30 dias após a liberação da obstrução, o que pode explicar a diurese frequentemente observada após a liberação de obstrução grave nos pacientes.[10]
AVP-R - hereditária
As mais comuns (90%) são mutações no receptor AVPR2, que medeia a ação antidiurética da AVP no ducto coletor. Mutações de perda de função no receptor AVPR2 resultam em AVP-R familiar recessivo ligado ao cromossomo X.[5][10][43]
A aquaporina-2 (AQP2) é o canal de água dependente de AVP que torna o duto coletor distal permeável à água e permite a reabsorção renal distal mediada por AVP. Mutações de perda de função no gene AQP2 produzem AVP-R familiar autossômico recessivo.[5][10][43] Mutações de perda de função no gene transportador de ureia-B também produzem AVP-R autossômico recessivo.[37]
Gestação e AVP-D
Os limiares osmóticos para sede e liberação de AVP são alterados na gravidez.[44] Também existe um aumento de quatro vezes no clearance metabólico de AVP devido à produção placentária de vasopressinase/oxitocinase. Isso pode desmascarar AVP-D não reconhecido anteriormente. Além disso, a gestação pode agravar a gravidade de AVP-R ou AVP-D existente.[1][6][45] AVP-D gestacional transitória foi relatada em pacientes com pré-eclâmpsia, síndrome HELLP (hemólise, enzimas hepáticas elevadas e contagem plaquetária baixa) e doença hepática gordurosa devido à degradação hepática comprometida da vasopressinase.
Fisiopatologia
O volume plasmático e a osmolaridade são mantidos em uma faixa estreita por um sistema neuro-humoral integrado que coordena o equilíbrio entre o consumo dirigido pela sede (ingestão de líquidos) e a perda renal de água (perda de líquidos).[46][47]
O principal regulador da perda de água renal é o hormônio peptídeo de 9 aminoácidos arginina-vasopressina (AVP), também conhecido como hormônio antidiurético (HAD).[46] O AVP é sintetizado em neurônios magnocelulares nos núcleos supraótico (SON) e paraventricular (PVN) do hipotálamo. O AVP é produzido a partir de um grande peptídeo precursor. A transcrição primária passa por um processamento pós-tradução significativo, pois é trafegada pelos axônios dos neurônios magnocelulares que terminam na hipófise posterior, onde o hormônio é armazenado e liberado. Cada molécula de AVP é co-secretada com dois fragmentos do precursor original: copeptina e neurofisina II (NPII).[48] O processamento é descrito esquematicamente abaixo.
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Vasopressina: estrutura gênica e processamento pós-traduçãoDo acervo pessoal do Dr Stephen Ball [Citation ends].
Existe uma relação linear entre a concentração de AVP no plasma e a osmolaridade no plasma. A osmolalidade plasmática é detectada pelos osmorreceptores no hipotálamo, e esses aferentes sensoriais regulam a síntese e liberação de AVP. A liberação de AVP também é regulada pelo volume circulante e pressão arterial. Essa barorregulação pode levar à produção e liberação de AVP nas osmolalidades plasmáticas abaixo do limiar osmolar padrão de cerca de 290 mmol/kg (290 mOsm/kg).[46][47]
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fisiologia da AVP e da sedeDo acervo pessoal do Dr Stephen Ball [Citation ends].
A estimulação hiperosmolar graduada define muito claramente as características fisiológicas da produção de AVP e sede osmorreguladas, representadas nessas duas figuras. A relação linear entre osmolaridade plasmática e AVP plasmática é ainda caracterizada por um limiar osmolar funcional para liberação de AVP; e uma inclinação característica, que serve para definir a sensibilidade da resposta do AVP à estimulação osmolar. Um conjunto muito semelhante de características descreve a relação da sede com a osmolaridade plasmática. Embora as características de liberação de AVP e da sede osmorreguladas variem entre os indivíduos (o intervalo descrito aqui como áreas sombreadas ou nomograma), as características permanecem notavelmente constantes dentro de um indivíduo (representadas aqui como a linha sólida dentro do nomograma) ao longo do tempo.
A AVP atua nos receptores de AVP do tipo 2 (AVPR2) na superfície intersticial das células do ducto coletor distal renal, aumentando a permeabilidade à água através da síntese aumentada dos canais de água aquaporina-2.[46] Estes são montados e inseridos na membrana apical das células do ducto coletor, resultando na reabsorção da água dependente de AVP e na concentração de urina.
AVP-D resulta de qualquer afecção que prejudique a produção, o transporte ou a liberação de AVP.
AVP-R resulta de afecções que prejudicam a capacidade dos dutos coletores renais de responder à AVP.
AVP-D e AVP-R são caracterizadas por uma reabsorção renal insuficiente da água, resultando na produção excessiva de urina (poliúria) hipotônica (diluída) em volumes que variam de 3 a 20 litros por dia. Isso é acompanhado por uma sede e aumento do consumo de líquidos (polidipsia) significativos, pois os osmorreceptores centrais e barorreceptores periféricos estimulam a sede central e os comportamentos dependentes da sede para manter o volume circulante e o status osmolar.
Os sintomas de pacientes com AVP-D ou AVP-R decorrente de uma etiologia não traumática geralmente têm um início insidioso. Pacientes com AVP-D após lesão cerebral traumática ou cirurgia da hipófise geralmente apresentam um início mais rápido dos sintomas.
A gestação está associada a diversas mudanças na regulação de sal e água.[44] AVP-D transitória pode se desenvolver como uma consequência da diminuição do limiar osmótico para a sede e para a liberação de AVP, além de uma diminuição na osmolalidade plasmática. Também existe um aumento de quatro vezes no clearance metabólico de AVP devido à produção placentária de vasopressinase/oxitocinase. Além disso, a gestação pode agravar a gravidade de qualquer AVP-D ou AVP-R existente.[1][6][45]
Classificação
Síndromes de poliúria-polidipsia
Polidipsia primária:
Uma síndrome clínica devido à ingestão excessiva de líquidos com poliúria subsequente. Geralmente sugere um distúrbio de sede sem comprometimento da secreção de ação da AVP.
Pode ser produzido por medicamentos que causam xerostomia, estar associado a síndromes psiquiátricas ou ser habitual.[1]
AVP-D:
Decorrente da síntese ou liberação deficiente de arginina-vasopressina (AVP) no eixo hipotálamo-hipófise.[1]
Pode ser congênito (hereditário) ou adquirido (por exemplo, procedimentos neurocirúrgicos para tumores, trauma, autoimune, infiltrante, vascular).[3][4]
AVP-R:
Decorrente de insensibilidade renal ou resistência à AVP, com a resultante falta de permeabilidade do duto coletor à água.[1]
Pode ser congênito (hereditário) ou adquirido (por exemplo, induzida por medicamentos, particularmente lítio; hipercalcemia, hipocalemia; uropatia obstrutiva).[5]
AVP-D ou AVP-R transitória na gestação (antes conhecida como diabetes gestacional insípido) também pode ser observada por causa do metabolismo acelerado de AVP pela produção placentária de aminopeptidases de cisteína.[6]
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