Abordagem

A LMA é uma doença altamente heterogênea. O diagnóstico de LMA requer uma abordagem multifacetada que inclua história médica, avaliação clínica e avaliação patológica (incluindo medula óssea e/ou sangue periférico).

Como a LMA e a leucemia linfoide aguda (LLA) em geral são clinicamente indistinguíveis, é essencial a confirmação da origem mieloide das células leucêmicas por imunofenotipagem. Isso pode ser feito no sangue periférico antes da confirmação com base na medula óssea.

História

Em todos os pacientes, uma anamnese completa (incluindo a história familiar, se conhecida) é importante para o diagnóstico.

O risco de LMA aumenta em determinados grupos de pacientes, incluindo pacientes com história prévia de doença hematológica; tratamento prévio com quimioterapia; doenças genéticas (por exemplo, distúrbios de fragilidade cromossômica hereditária; síndrome de falência medular; anormalidades cromossômicas [por exemplo, distúrbios por trissomia]); idade acima de 65 anos; tabagistas; e exposição prévia a radiação ou a benzeno.

Características clínicas na história recente que sugiram um diagnóstico de LMA são associadas a citopenia e incluem aumento da fadiga, tontura, palpitações, febre, infecções, sangramento da mucosa (gengiva ou nariz ou menorragia em mulheres), aumento gengival, rash petequial e dores ósseas. Pode haver história de erupção cutânea ou massas (por exemplo, cloromas cutâneos). Sintomas pulmonares (por exemplo, dispneia) e gastrointestinais (por exemplo, dor abdominal intensa) decorrentes de infiltração leucêmica ou infecção podem estar presentes. Podem estar presentes sintomas neurológicos (por exemplo, cefaleia, confusão) devido à infiltração leucêmica meníngea.

Exame físico

Os achados podem incluir palidez, equimoses e petéquias. Características de uma infiltração leucêmica extramedular podem estar evidentes (por exemplo, hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, massas cutâneas e testiculares). Abscesso dentário, infecções nasofaríngeas, sinais torácicos ou infecções perianais podem ser aparentes. Na pele, uma infiltração cutânea leucêmica pode estar presente, e úlceras cutâneas (por exemplo, síndrome de Sweet ou pioderma gangrenoso) podem indicar uma neoplasia maligna subjacente. Raramente pode ocorrer abdome agudo.

Exames laboratoriais iniciais

Todos os pacientes com suspeita de LMA devem ser submetidos aos seguintes exames iniciais:[24][39]​​​

  • Hemograma completo com diferencial

  • Esfregaço de sangue periférico

  • Perfil metabólico completo (eletrólitos séricos, perfil renal e hepático, ácido úrico sérico e lactato desidrogenase sérica [LDH])

  • Painel da coagulação (tempo de protrombina [TP], tempo de tromboplastina parcial ativada [TTPa], fibrinogênio e dímero D).

Achados laboratoriais

A maioria dos pacientes com LMA (inclusive aqueles com leucemia promielocítica aguda [LPA], um subtipo de LMA) tem anemia, neutropenia e/ou trombocitopenia, mas o hemograma pode variar muito.

Uma contagem leucocitária elevada >100 × 10⁹/L (>100,000/microlitro; hiperleucocitose) ocorre em aproximadamente 5% a 20% dos pacientes com LMA, o que os predispõe a complicações tais como síndrome da lise tumoral (SLT), comprometimento do sistema nervoso central (SNC) e leucostase (hiperleucocitose sintomática; os sintomas incluem desconforto respiratório e estado mental alterado).[3][4]​​ São emergências médicas e requerem tratamento imediato. Apesar da elevação na contagem leucocitária, muitos pacientes apresentam neutropenia intensa (<0.5 × 10⁹ granulócitos/L[<500 granulócitos/microlitro]), colocando-os, portanto, em alto risco de infecções graves.

Na LMA, o esfregaço pode mostrar blastos mieloides caracterizados por bastonetes de Auer ou corpos Phi (fusiformes).​​​ Na LPA, o esfregaço sanguíneo geralmente mostra promielócitos hipergranulares com núcleos bilobados e grupos de bastonetes de Auer (bem como blastos mieloides). Uma variante da LPA é caracterizada por promielócitos hipogranulares (ausência de bastonetes de Auer), mas é menos comum.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Esfregaço de sangue periférico de paciente com leucemia mieloide aguda com maturação mostrando blastos mieloides com bastonete de AuerDo acervo dos Drs. K. Raj e P. Mehta; usado com a permissão do paciente [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@52e2fd77[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Esfregaço periférico de um paciente com leucemia promielocítica aguda mostrando promielócitos hipergranulares, alguns com grupos de bastonetes de AuerDo acervo dos Drs. K. Raj e P. Mehta; usado com a permissão do paciente [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@120560fb[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Esfregaço periférico de um paciente com leucemia promielocítica aguda mostrando promielócitos hipergranulares com núcleo bilobado e grupos de bastonetes de AuerDo acervo dos Drs. K. Raj e P. Mehta; usado com a permissão do paciente [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@281bc31​​

Hipercalemia, hipocalcemia, hiperfosfatemia, hiperuricemia e LDH sérica elevada podem ocorrer devido à SLT, particularmente durante o tratamento e se a contagem leucocitária (carga tumoral) for elevada. Isso pode levar a arritmias cardíacas, convulsões, insuficiência renal aguda e morte, se não for tratada. A SLT é uma emergência oncológica.[52] Consulte Síndrome da lise tumoral.

Pode ocorrer hipercalcemia por infiltração óssea ou liberação ectópica de uma substância semelhante ao paratormônio.

Os testes da coagulação TP e TTPa podem estar ligeiramente prolongados com fibrinogênio normal e dímero D. Se esses testes estiverem anormais (TP e TTPa prolongados, fibrinogênio reduzido e dímero D elevado), deve-se suspeitar de coagulação intravascular disseminada (CIVD), sendo necessário encaminhamento urgente para iniciar o tratamento. Consulte o escore da International Society on Thrombosis and Haemostasis (ISTH) para CIVD.[53] A CIVD ocorre com mais frequência na LPA.

Avaliação da medula óssea

A investigação diagnóstica inclui aspirado de medula óssea e análise de biópsia por trefina. Os seguintes exames devem ser realizados.[24][39]

  • Avaliação citomorfológica: demonstra hipercelularidade da medula óssea e infiltração por blastos mieloides (bem como promielócitos hipergranulares ou hipogranulares [menos comuns] na LPA). As células blásticas são negativas para o deoxinucleotidil transferase terminal (TdT) e com coloração positiva para mieloperoxidase.

  • A imunofenotipagem (pelo uso de citometria de fluxo no aspirado de medula óssea): identifica a superfície celular e os marcadores citoplasmáticos dos blastos mieloides (por exemplo, CD34, CD33) e estabelece a linhagem.

  • A imuno-histoquímica (usando amostra de punção por agulha grossa [core biopsy]): pode ser usada em vez da citometria de fluxo para imunofenotipagem, se o aspirado de medula óssea não estiver disponível ou for de má qualidade.

Caso as amostras da medula óssea sejam inadequadas ou irrealizáveis, o sangue periférico pode ser usado para a avaliação patológica, desde que haja números suficientes de blastos circulantes.

Teste genético

A análise citogenética (cariotipagem e hibridização in situ fluorescente [FISH]) e testes genéticos moleculares devem ser realizados para informar o diagnóstico, prognóstico e tratamento.[24][39]​​

Na LMA, as seguintes anomalias genéticas devem ser investigadas devido a sua associação com prognósticos e objetivos de tratamento específicos: RUNX1::RUNX1T1; CBFB::MYH11; MLLT3::KMT2A (ou outros rearranjos de KMT2A); DEK::NUP214; BCR::ABL1; KAT6A::CREBBP; c-KIT; NPM1; FLT3 (ITD e TKD); IDH1; IDH2; CEBPA (domínio zíper de leucina básica [bZIP]); -5 ou del(5q); -7; -17/abn(17p); GATA2; MECOM(EVI1); ASXL1; BCOR; EZH2; RUNX1; SF3B1; SRSF2; STAG2; U2AF1; ZRSR2; e TP53.[24][39] Consulte Critérios.

Painéis de sequenciamento de nova geração e painéis de múltiplos genes são recomendados para análise mutacional.[24]

A LPA é caracterizada pelo gene de fusão PML::RARA causado por um rearranjo cromossômico equilibrado t(15;17)(q22;q12).[24][38]​​

Diagnóstico e classificação definitivos

A LMA pode ser diagnosticada e classificada de acordo com a última classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) (5a edição, 2022) ou a Classificação de Consenso Internacional (ICC).[1][2]​​​ Em ambas as classificações, a avaliação da medula óssea, testes genéticos e fatores predisponentes (por exemplo, terapia prévia; neoplasias mieloides antecedentes; mutações genéticas hereditárias ou síndrome) são necessários para fazer um diagnóstico definitivo de LMA. No entanto, as classificações diferem em relação a como os subtipos específicos de LMA são categorizados e em relação aos requisitos de limiar de contagem de blastos para determinados subtipos de LMA.

A 5a edição da classificação de tumores hematolinfoides da OMS não exige mais um limiar de contagem de blastos de ≥20% para o diagnóstico de LMA com anormalidades genéticas definidoras (exceto para a fusão BCR::ABL1 e mutação de CEBPA).[1] Entretanto, na classificação ICC, uma contagem de blastos de ≥10% é necessária para o diagnóstico de LMA com anormalidades genéticas definidoras (exceto para fusão BCR::ABL1, em que uma contagem de blastos de ≥20% é necessária).[2]

Consulte a seção Classificação para obter detalhes adicionais.

Exames adicionais

A tipagem do antígeno leucocitário humano (HLA) deve ser realizada em todos os pacientes considerados para um transplante alogênico de células-tronco.

Imagens do SNC (por exemplo, RNM ou TC) devem ser realizadas em pacientes que apresentam sinais ou sintomas neurológicos que sugiram envolvimento do SNC.[24][39]​​​​ Uma punção lombar diagnóstica deve ser realizada se a imagem do SNC não identificar sangramento do SNC, doença meníngea e lesão de massa, e os sinais e sintomas neurológicos persistirem. Uma dose única de quimioterapia intratecal (por exemplo, metotrexato ou citarabina) pode ser considerada no momento da punção lombar diagnóstica. A coagulopatia deve ser tratada antes da punção lombar, principalmente em pacientes com LPA.

Uma FDG-PET/CT deve ser considerada em pacientes com suspeita de doença extramedular.[39]

A avaliação da função cardíaca (ecocardiograma ou angiografia sincronizada multinuclear) deve ser realizada em pacientes:

  • com história ou sintomas de doença cardíaca,

  • com exposição prévia a medicamentos cardiotóxicos ou radioterapia no tórax, ou

  • de idade avançada.[24][39]

Os achados podem orientar o tratamento.

A radiografia torácica pode ser realizada para identificar pneumonia, massas mediastinais, infiltrados pulmonares ou cardiomegalia.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal