Abordagem

A leucemia linfoide aguda (LLA) geralmente se apresenta de forma rápida e agressiva nos adultos. Ela pode mimetizar muitas outras doenças, o que muitas vezes gera confusão diagnóstica.

O diagnóstico definitivo pode ser estabelecido por aspiração da medula óssea e biópsia por trefina. Os linfoblastos leucêmicos podem circular no sangue; se presentes em quantidade suficiente, essa constatação pode ser usada para encaminhar para um exame de medula óssea na apresentação.

História

O aparecimento de sinais e sintomas associados às citopenias é, muitas vezes, a causa inicial de procura por atendimento médico pelo paciente. A maioria dos pacientes se apresenta dentro de algumas semanas após o início dos sintomas.

A anemia geralmente se manifesta como fadiga, dispneia, palpitações e tontura; a trombocitopenia se manifesta com sangramento (por exemplo, epistaxe, menorragia) e formação fácil de hematomas; a neutropenia se manifesta com infecções recorrentes, as quais podem provocar febre.

O envolvimento dos linfonodos é comum na LLA. Linfonodos aumentados podem ser uma causa inicial de apresentação.

Dores abdominais e ósseas podem se manifestar por infiltração de células blásticas no baço e na medula óssea, respectivamente.[47]

Os fatores da história sugestivos de LLA incluem história de neoplasia maligna, história familiar de LLA, distúrbio genético (por exemplo, trissomia do cromossomo 21, síndrome de Klinefelter, anemia de Fanconi, síndrome de Bloom, ataxia-telangiectasia), tratamento com quimioterapia, exposição a radiação e tabagismo.[1][2][3][11][12][13][14][19][30][32][48]

Apresentações menos comuns da LLA

Elas incluem eosinofilia, insuficiência renal isolada, nódulos pulmonares, necrose da medula óssea, derrame pleural/pericárdico, obstrução da veia cava superior, hipoglicemia, dor articular, alterações no estado mental, cefaleias, dormência no queixo e nódulos cutâneos.[1][8]

Exame físico

Os achados podem incluir palidez, equimoses, petéquias, linfadenopatia, hepatoesplenomegalia, massas mediastinais, massas abdominais, aumento testicular (unilateral e indolor), aumento renal e infiltrações na pele (nódulos cutâneos).

A linfadenopatia é classicamente generalizada, e os linfonodos aumentados são indolores e totalmente móveis.[1][8] É mais comum que a LLA-T cause massas mediastinais, enquanto a LLA-B causa massas abdominais com mais frequência. Os achados de estridor, sibilância, derrame pericárdico e síndrome da veia cava superior podem estar associados a massas mediastinais. A LLA-B madura (linfoma de Burkitt/leucemia) pode se apresentar inicialmente como uma grande massa abdominal palpável proveniente de um tumor de proliferação rápida.[30][48]

O envolvimento testicular ocorre mais comumente em crianças e adolescentes com LLA-T.[49] O exame testicular deve ser realizado no momento do diagnóstico em todos os pacientes do sexo masculino. Os testículos podem representar um local de difícil alcance da medicação, relativamente protegido dos efeitos da terapia sistêmica por meio da barreira hematotesticular.[49]

Avaliação neurológica

Necessária para descartar envolvimento do sistema nervoso central (SNC), que é uma das principais complicações da LLA. O envolvimento do SNC ocorre em aproximadamente 5% a 7% dos pacientes no momento do diagnóstico; a incidência é maior nos pacientes com LLA-T (8%) e LLA-B madura (linfoma de Burkitt/leucemia, 13%).[50][51][52][53][54]

As meninges são o local primário de doenças do SNC.[55] As características de apresentação da doença no SNC incluem sinais neurológicos focais, cefaleia, papiledema, rigidez nucal e meningismo. Alguns pacientes podem apresentar sinais ou sintomas de deficit neurológico focal (por exemplo, diplopia) devido a sítios isolados de envolvimento do SNC em nervos cranianos (principalmente o sétimo, terceiro, quarto e sexto).[52]

Exames laboratoriais iniciais

Devem incluir hemograma completo com diferencial, esfregaço de sangue periférico, perfil metabólico completo (eletrólitos séricos; ácido úrico sérico; lactato desidrogenase [LDH] sérica; testes da função renal; testes da função hepática), perfil de coagulação (tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial, fibrinogênio e dímeros D), tipo sanguíneo e rastreamento de anticorpos para eventual suporte a uma transfusão, e testes de anticorpos virais (inclusive sorologias para citomegalovírus, hepatites B e C e HIV).

Achados laboratoriais

Mais de 90% dos pacientes apresentam anormalidades hematológicas clinicamente evidentes no momento do diagnóstico inicial. Anemia normocítica normocrômica com baixa contagem de reticulócitos está presente em 80% dos pacientes. A trombocitopenia é muito comum, afetando 75% dos pacientes.[1][2][8]​ A leucocitose é encontrada em 50% dos pacientes. Em 25% desses pacientes, a contagem leucocitária é >50 × 10⁹/L (>50.000/microlitro). Uma contagem leucocitária alta à apresentação está associada a um prognóstico desfavorável. Apesar da elevação nos leucócitos, muitos pacientes apresentam neutropenia grave (contagem absoluta de neutrófilos <0.5 x 10⁹/L [<500 células/microlitro]), o que os coloca em alto risco para infecções graves.[56] Consulte Neutropenia febril.

Linfoblastos leucêmicos podem ser detectados no esfregaço de sangue periférico. A presença de linfoblastos leucêmicos ≥1 x 10⁹/L (≥1000/microlitro) no sangue periférico é suficiente para o encaminhamento para um exame da medula óssea à apresentação.[57]

Pode ocorrer hipercalcemia por infiltração óssea ou liberação ectópica de uma substância semelhante ao paratormônio.

Hipercalemia, hiperfosfatemia, hiperuricemia, hipocalcemia e LDH sérica elevada podem ocorrer devido à síndrome da lise tumoral (SLT), particularmente durante o tratamento e se a contagem leucocitária (carga tumoral) for elevada. Isso pode levar a arritmias cardíacas, convulsões, insuficiência renal aguda e morte, se não tratada. A SLT é uma emergência oncológica. Consulte Síndrome da lise tumoral.

Avaliação da medula óssea

A investigação diagnóstica para LLA requer a avaliação de aspirado de medula óssea e amostras de biópsia por trefina (ou sangue periférico, se houver número suficiente de linfoblastos circulantes) usando avaliação de citomorfologia, imunofenotipagem, estudos moleculares e análise citogenética.[57][58]​ Essas investigações são importantes para a estratificação do risco, o planejamento do tratamento e estabelecimento de uma linha basal para avaliação da doença residual mensurável (DRM) durante o tratamento.[57]

Avaliação hematopatológica

As amostras de aspirados de medula óssea devem receber coloração de Wright ou Giemsa, e as amostras de biópsias por trefina devem ser coradas com hematoxilina e eosina. As amostras de biópsia também devem ser coradas com mieloperoxidase, que será negativa nos pacientes com LLA.[59]​ Uma biópsia que demonstre hipercelularidade da medula óssea e infiltração por linfoblastos é característica da LLA. Não há consenso em relação à proporção de linfoblastos na medula óssea necessária para se fazer o diagnóstico de LLA; no entanto, geralmente recomenda-se um limiar de ≥20%.[57] A proporção de linfoblastos na medula óssea pode ajudar a distinguir entre LLA e linfoma linfoblástico. Consulte Diagnóstico diferencial. Um número definido de linfoblastos na medula óssea (ou sangue periférico) nem sempre é necessário para o diagnóstico de LLA (por exemplo, a LLA-T pode ser diagnosticada com base na imunofenotipagem). Consulte Classificação.

Achados de imunofenotipagem

A imunofenotipagem (em amostras de medula óssea, ou sangue periférico se houver número suficiente de linfoblastos circulantes) usando citometria de fluxo é necessária para avaliar os marcadores de superfície celular para:[1][3][8]

  • determinar a linhagem linfoide (célula B ou célula T)

  • definir um fenótipo aberrante para avaliação de DRM; e

  • detectar antígenos de superfície celular clinicamente importantes (por exemplo, CD20).

Geralmente, as células leucêmicas exibem marcadores de um único tipo celular. Raramente, a expressão simultânea dos marcadores linfoides e mieloides ocorre na LLA, seja como LLA com expressão aberrante de antígenos mieloides (My + LLA) ou como leucemia aguda bifenotípica verdadeira.

Avaliação molecular e citogenética

Estudos moleculares (por exemplo, reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa [RT-PCR]) e análise citogenética (por exemplo, cariotipagem, hibridização in situ fluorescente [FISH]) são necessários para detectar anormalidades genéticas (por exemplo, gene de fusão BCR::ABL1 codificado pelo cromossomo Filadélfia; ETV6::RUNX1 [também conhecido como TEL::AML1]; rearranjo de KMT2A). Os achados podem ter importância prognóstica e terapêutica.[58]

Ensaios de sequenciamento de última geração podem ser usados para detectar certas fusões e mutações gênicas com importância prognóstica (por exemplo, mutação NOTCH1/FBXW7 na LLA-T).[57][59] Consulte Critérios diagnósticos.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Linfoblastos em esfregaço de medula óssea de um paciente masculino, com 3 anos de idade, com LLA (coloração de Wright-Giemsa)Imagem e descrição extraídas do AFIP Atlas of Tumor Pathology [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@45bba9e2

Teste da doença residual mensurável (DRM) basal

É importante estabelecer uma linha basal para o teste da DRM com base nas características imunofenotípicas, moleculares e/ou citogenéticas da célula leucêmica. O teste da DRM permite a avaliação da intensidade e da velocidade de remissão durante o tratamento. Ele é importante do ponto de vista prognóstico e pode orientar decisões terapêuticas. Os testes exatos para DRM dependem do paciente e dos testes disponíveis no centro de tratamento.

A amostra preferível para o teste da DRM é o primeiro pequeno volume (de até 3 mL) extraído do aspirado de medula óssea e/ou sangue periférico.[57]

Punção lombar

Uma punção lombar é necessária em todos os pacientes, dada a frequência relativamente alta de envolvimento do SNC. Os sinais ou sintomas de envolvimento do SNC incluem deficits neurológicos focais, cefaleia e meningismo. O procedimento só deve ser realizado depois que for descartada pressão intracraniana elevada.

A punção lombar deve ser realizada em um momento condizente com o protocolo de tratamento em uso. Os protocolos baseados em esquemas pediátricos normalmente incluem uma punção lombar na investigação diagnóstica. No entanto, o Painel de LLA da National Comprehensive Cancer Network recomenda que a primeira punção lombar seja realizada de maneira concomitante com a terapia intratecal para evitar a contaminação do SNC por blastos leucêmicos circulantes, a menos que os sintomas requeiram que a punção lombar seja realizada antes.[57]


Punção lombar diagnóstica em adultos: demonstração animada
Punção lombar diagnóstica em adultos: demonstração animada

Como realizar uma punção lombar diagnóstica em adultos. Inclui uma discussão sobre o posicionamento do paciente, a escolha da agulha e a medição da pressão de abertura e fechamento.


A detecção de linfoblastos na amostra inicial de líquido cefalorraquidiano (LCR) por citometria de fluxo multiparamétrica pode identificar os pacientes com alto risco de recidiva no SNC.[66][67]

O comprometimento do SNC ao diagnóstico pode ser classificado com base na presença de linfoblastos, leucócitos e eritrócitos no LCR, usando-se a classificação do Children's Oncology Group.[68][69]​​ Graus mais elevados (ou seja, aumento de linfoblastos, leucócitos e eritrócitos [punção lombar traumática] no LCR) estão associados a desfechos mais desfavoráveis. Consulte Critérios diagnósticos.

Exames por imagem

Uma radiografia torácica deve ser realizada para identificar uma massa mediastinal, derrame pleural ou infecção do trato respiratório inferior. Os derrames pleurais devem ser coletados e as amostras devem ser enviadas para citologia e imunofenotipagem. A biópsia do mediastino deve ser evitada, se possível, embora este possa ser o sítio primário de envolvimento em alguns pacientes. Nesses casos ela é inevitável.

Deve-se realizar um exame de imagem do SNC (por exemplo, tomografia computadorizada [TC]/ressonância magnética [RNM] do cérebro) nos pacientes com sinais e sintomas neurológicos importantes (por exemplo, nível de consciência reduzido, meningismo ou deficits neurológicos focais) para identificar envolvimento meníngeo ou sangramento no SNC. Pode ocorrer envolvimento da medula espinhal e do parênquima cerebral, embora seja muito raro.

A TC do tórax deve ser realizada na presença de um mediastino alargado à radiografia torácica. Uma TC do tórax, do abdome e da pelve deve ser realizada se houver linfadenopatia palpável ou outra evidência de doença extramedular.

Em homens com exame ou sintomas testiculares anormais, deve-se realizar uma ultrassonografia escrotal para caracterizar a natureza da anormalidade e estabelecer uma linha basal antes do início do tratamento.[57]

A ecocardiografia ou a angiografia sincronizada multinuclear (MUGA) devem ser consideradas em todos os pacientes para avaliar a função cardíaca antes de se iniciar o tratamento.[57] As antraciclinas são usadas na maioria dos esquemas de tratamento para LLA e são potencialmente cardiotóxicas.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Radiografia torácica de paciente com dispneia, mostrando mediastino alargado e deslocamento da traqueiaDo acervo pessoal de CR Kelsey [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@626455bf

Outras investigações

Os seguintes exames podem ser realizados uma vez que o diagnóstico de LLA for confirmado:[2][3][70]

  • Tipagem do antígeno leucocitário humano (HLA)

  • Fenotipagem da tiopurina metiltransferase (TPMT)

  • fenotipagem da nudix hidrolase 15 (NUDT15)

A tipagem do HLA é necessária para identificar um doador adequado para o transplante de células-tronco e para a obtenção de plaquetas com HLA compatíveis em caso de aloimunização plaquetária durante a transfusão plaquetária.

A fenotipagem de TPMT e NUDT15 ajuda a orientar a dosagem de mercaptopurina durante a terapia de manutenção.[70]

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