Abordagem

A leucemia linfoide aguda (LLA) geralmente se apresenta de forma rápida e agressiva nos adultos. Ela pode mimetizar muitas outras doenças, o que muitas vezes gera confusão diagnóstica.

O diagnóstico definitivo pode ser estabelecido por aspiração da medula óssea e biópsia por trefina. Os linfoblastos leucêmicos podem circular no sangue; se presentes em quantidade suficiente, essa constatação pode ser usada para encaminhar para um exame de medula óssea na apresentação.

Quadro clínico e história

O aparecimento de sintomas constitucionais (febre, sudorese noturna, perda de peso) ou sinais e sintomas de citopenias costuma ser a causa inicial de procura de atendimento médico por pacientes com LLA. A maioria dos pacientes se apresenta dentro de algumas semanas após o início dos sintomas.

A anemia geralmente se manifesta como fadiga, dispneia, palpitações e tontura; a trombocitopenia se manifesta com sangramento (por exemplo, epistaxe, sangramento menstrual intenso) e formação fácil de hematomas; a neutropenia se manifesta com infecções recorrentes, as quais podem provocar febre.

O envolvimento dos linfonodos é comum na LLA. Linfonodos aumentados pode ser um sinal da apresentação inicial.

Dores abdominais e ósseas podem se manifestar por infiltração de linfoblastos leucêmicos no baço e na medula óssea, respectivamente.[51]

As características clínicas menos comuns na apresentação incluem eosinofilia, insuficiência renal isolada, nódulos pulmonares, necrose da medula óssea, derrame pleural/pericárdico, obstrução da veia cava superior, hipoglicemia, dor nas articulações e nódulos na pele.[1][6]

Fatores genéticos associados ao desenvolvimento da LLA

Fatores históricos sugestivos de LLA incluem história de neoplasia maligna, história familiar de LLA, doença genética (por exemplo, trissomia do cromossomo 21, síndrome de Li-Fraumeni, neurofibromatose, síndrome de Klinefelter, anemia de Fanconi, síndrome de Shwachman-Diamond, síndrome de Bloom, ataxia-telangiectasia), tratamento com quimioterapia, exposição à radiação, tabagismo e infecções virais (por exemplo, vírus Epstein-Barr).[1]​​[2][12][13][14]​​​​[15][16][21][22][23][52]

Exame físico

Os achados podem incluir palidez, equimoses, petéquias, linfadenopatia, hepatoesplenomegalia, massas mediastinais, massas abdominais, aumento testicular (unilateral e indolor), aumento renal e infiltrações na pele (nódulos cutâneos).

A linfadenopatia é classicamente generalizada, e os linfonodos aumentados são indolores e totalmente móveis.[1][6]​ É mais comum que a LLA-T cause massas mediastinais, enquanto a LLA-B causa massas abdominais com mais frequência. Os achados de estridor, sibilância, derrame pericárdico e síndrome da veia cava superior podem estar associados a massas mediastinais. A LLA-B madura (linfoma de Burkitt/leucemia) pode se apresentar inicialmente como uma grande massa abdominal palpável proveniente de um tumor de proliferação rápida.[34][53]

O envolvimento testicular ocorre mais comumente em crianças e adolescentes com LLA-T.[54] O exame testicular deve ser realizado no momento do diagnóstico em todos os pacientes do sexo masculino. Os testículos podem representar um local de difícil alcance da medicação, relativamente protegido dos efeitos da terapia sistêmica por meio da barreira hematotesticular.[54]

Avaliação neurológica

Necessária para descartar envolvimento do sistema nervoso central (SNC), que é uma das principais complicações da LLA. O envolvimento do SNC ocorre em aproximadamente 5% a 7% dos pacientes no momento do diagnóstico; a incidência é maior nos pacientes com LLA-T (8%) e LLA-B madura (linfoma de Burkitt/leucemia, 13%).[9][55][56][57][58]

As meninges são o local primário de doenças do SNC.[59] As características apresentadas da doença do SNC incluem alterações do estado mental, sinais/deficits neurológicos focais (por exemplo, diplopia, dormência no queixo), cefaleia, papiledema, rigidez da nuca e meningismo.[3][7][8]

Exames laboratoriais iniciais

Devem incluir hemograma completo com diferencial, esfregaço de sangue periférico, perfil metabólico completo (eletrólitos séricos; ácido úrico sérico; lactato desidrogenase [LDH] sérica; testes da função renal; testes da função hepática), perfil de coagulação (tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial, fibrinogênio e dímero D), grupo sanguíneo e rastreamento de anticorpos (para suporte a uma transfusão), e testes de anticorpos virais (inclusive sorologias para hepatites B e C e HIV).[60][61]

Achados laboratoriais

Mais de 90% dos pacientes apresentam anormalidades hematológicas clinicamente evidentes no momento do diagnóstico inicial.

A anemia normocítica normocrômica com baixa contagem de reticulócitos está presente em 80% dos pacientes. A trombocitopenia é muito comum, afetando 75% dos pacientes.[1][6]​​ A leucocitose é encontrada em 50% dos pacientes; em 25% desses pacientes, a contagem leucocitária é >50 × 10⁹/L (>50,000/microlitro). A contagem leucocitária alta à apresentação está associada a um prognóstico mais desfavorável. Apesar da elevação nos leucócitos, muitos pacientes apresentam neutropenia grave (contagem absoluta de neutrófilos <0.5 x 10⁹/L [<500 células/microlitro]), o que os coloca em alto risco para infecções graves.[62] Consulte Neutropenia febril.

Linfoblastos leucêmicos podem ser detectados no esfregaço de sangue periférico. A presença de linfoblastos leucêmicos ≥1 x 10⁹/L (≥1000/microlitro) no sangue periférico é suficiente para o encaminhamento para um exame da medula óssea à apresentação.[60]

Pode ocorrer hipercalcemia por infiltração óssea ou liberação ectópica de uma substância semelhante ao paratormônio.

Hipercalemia, hiperfosfatemia, hiperuricemia, hipocalcemia e LDH sérica elevada podem ocorrer devido à síndrome da lise tumoral (SLT), particularmente durante o tratamento e se a contagem leucocitária (carga tumoral) for elevada. Isso pode levar a arritmias cardíacas, convulsões, insuficiência renal aguda e morte, se não tratada. A SLT é uma emergência oncológica. Consulte Síndrome da lise tumoral.

Avaliação da medula óssea

A investigação diagnóstica da LLA requer avaliação hematopatológica do aspirado de medula óssea e amostras de biópsia por trefina (ou sangue periférico se houver número suficiente de linfoblastos circulantes), que deve incluir:[60][63]

  • Avaliação citomorfológica

  • Imunofenotipagem

  • Avaliação citogenética e molecular

Essas investigações podem determinar o subtipo de LLA; informar a estratificação do risco e o planejamento do tratamento; e estabelecer uma linha basal para avaliação da doença residual mensurável (DRM) durante o tratamento (veja abaixo).[60]

Avaliação citomorfológica

Uma biópsia que demonstre hipercelularidade da medula óssea e infiltração por linfoblastos é característica de LLA.

Não há consenso em relação à proporção de linfoblastos na medula óssea necessária para se fazer o diagnóstico de LLA; no entanto, geralmente recomenda-se um limiar de ≥20%.[60] Observe que o limiar de linfoblastos definido na medula óssea (ou sangue periférico) nem sempre é necessário para o diagnóstico de LLA (por exemplo, a LLA-T pode ser diagnosticada com base na imunofenotipagem). Consulte Classificação.

A proporção de linfoblastos na medula óssea pode ajudar a distinguir entre LLA e linfoma linfoblástico. Consulte Diagnóstico diferencial.

A coloração citoquímica da mieloperoxidase (MPO) de amostras de biópsia deve ser realizada para ajudar a diferenciar a LLA da leucemia mieloide aguda (LMA). A MPO será negativa na LLA e positiva na LMA.[64] Consulte Diagnóstico diferencial.

Achados de imunofenotipagem

A imunofenotipagem (em amostras de medula óssea ou sangue periférico, se houver um número suficiente de linfoblastos circulantes) é necessária para avaliar marcadores celulares para:[60]

  • determinar a linhagem linfoide (célula B ou célula T)

  • definir um fenótipo aberrante para avaliação de DRM; e

  • detectar antígenos de superfície celular de importância clínica e terapêutica (por exemplo, CD20).

Geralmente, as células leucêmicas exibem marcadores de um único tipo celular. Raramente, a expressão simultânea dos marcadores linfoides e mieloides ocorre na LLA, seja como LLA com expressão aberrante de antígenos mieloides (My + LLA) ou como leucemia aguda bifenotípica verdadeira.

Avaliação citogenética e molecular

Análises citogenéticas (por exemplo, cariotipagem; hibridização in situ fluorescente [FISH]) e testes moleculares (por exemplo, reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa [RT-PCR]) de linfoblastos leucêmicos (em amostras de medula óssea ou sangue periférico) são necessárias para detectar anormalidades genéticas recorrentes (por exemplo, BCR::ABL1 [cromossomo Filadélfia]; rearranjos de KMT2A).[60][63]

Os ensaios de sequenciamento de última geração (NGS) podem ser usados juntamente com a análise citogenética e os testes de RT-PCR para detectar fusões/rearranjos genéticos adicionais (por exemplo, DUX4, MEF2D, ZNF384) e mutações patogênicas (por exemplo, SH2B3, IL7R e JAK1/2/3 na LLA-B semelhante ao cromossomo Filadélfia [LLA-B semelhante a Ph]).[60][63]

A caracterização citogenética e molecular abrangente dos linfoblastos leucêmicos (junto com a avaliação hematopatológica da medula óssea) determina o subtipo da LLA; informa a estratificação de risco e o planejamento do tratamento; e facilita a avaliação da DRM.[60][63]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Linfoblastos em esfregaço de medula óssea de um paciente masculino, com 3 anos de idade, com LLA (coloração de Wright-Giemsa)Imagem e descrição extraídas do AFIP Atlas of Tumor Pathology [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@188b31f6

Teste da doença residual mensurável (DRM) basal

É importante estabelecer uma linha basal para os testes da DRM com base em características imunofenotípicas e moleculares do linfoblasto leucêmico.

O teste da DRM permite a avaliação da intensidade e da velocidade de remissão durante o tratamento. Ele é importante do ponto de vista prognóstico e pode orientar decisões terapêuticas. O método usado para o teste da DRM depende do paciente e dos ensaios disponíveis no centro de tratamento.

A amostra preferível para o teste da DRM é o primeiro pequeno volume (de até 3 mL) extraído do aspirado de medula óssea, se possível.[60]

Punção lombar

Uma punção lombar é necessária em todos os pacientes, dada a frequência de envolvimento do SNC. O procedimento só deve ser realizado depois que for descartada pressão intracraniana elevada.

A punção lombar deve ser realizada em um momento condizente com o protocolo de tratamento em uso. Os protocolos baseados em esquemas pediátricos normalmente incluem uma punção lombar na investigação diagnóstica. No entanto, o Painel de LLA da National Comprehensive Cancer Network recomenda que a primeira punção lombar seja realizada de maneira concomitante com a terapia intratecal para evitar a contaminação do SNC por linfoblastos leucêmicos circulantes, a menos que os sintomas requeiram que a punção lombar seja realizada antes.[60]


Punção lombar diagnóstica em adultos: demonstração animada
Punção lombar diagnóstica em adultos: demonstração animada

Como realizar uma punção lombar diagnóstica em adultos. Inclui uma discussão sobre o posicionamento do paciente, a escolha da agulha e a medição da pressão de abertura e fechamento.


A detecção de linfoblastos na amostra inicial de líquido cefalorraquidiano (LCR) por citometria de fluxo multiparamétrica pode identificar os pacientes com alto risco de recidiva no SNC.[71][72]

O comprometimento do SNC ao diagnóstico pode ser classificado com base na presença de linfoblastos, leucócitos e eritrócitos no LCR, usando-se a classificação do Children's Oncology Group.[73][74]​​ Graus mais elevados (ou seja, aumento de linfoblastos, leucócitos e eritrócitos [punção lombar traumática] no LCR) estão associados a desfechos mais desfavoráveis. Consulte Critérios diagnósticos.

Exames por imagem

Uma radiografia torácica deve ser realizada para identificar uma massa mediastinal, derrame pleural ou infecção do trato respiratório inferior.[75]​ Os derrames pleurais devem ser coletados e as amostras devem ser enviadas para citologia e imunofenotipagem. A biópsia do mediastino deve ser evitada, se possível, embora este possa ser o sítio primário de envolvimento em alguns pacientes. Nesses casos ela é inevitável.

Deve-se realizar um exame de imagem do SNC (por exemplo, tomografia computadorizada [TC]/ressonância nuclear magnética [RNM] do cérebro) nos pacientes com sinais e sintomas neurológicos importantes (por exemplo, nível de consciência reduzido, meningismo ou sinais/deficits neurológicos focais) para identificar envolvimento meníngeo ou sangramento no SNC.[60] Pode ocorrer envolvimento da medula espinhal e do parênquima cerebral, embora muito raro.

A TC do tórax deve ser realizada na presença de um mediastino alargado à radiografia torácica. Uma TC do pescoço, do tórax, do abdome e da pelve deve ser realizada se houver linfadenopatia palpável ou outra evidência de doença extramedular.[60]

Em homens com exame ou sintomas testiculares anormais, deve-se realizar uma ultrassonografia escrotal para caracterizar a natureza da anormalidade e estabelecer uma linha basal antes do início do tratamento.[60]

A ecocardiografia ou a angiografia sincronizada multinuclear (MUGA) devem ser consideradas em todos os pacientes para avaliar a função cardíaca antes de se iniciar o tratamento.[60] As antraciclinas são usadas na maioria dos esquemas de tratamento para LLA e são potencialmente cardiotóxicas.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Radiografia torácica de paciente com dispneia, mostrando mediastino alargado e deslocamento da traqueiaDo acervo pessoal de CR Kelsey [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@22e115dc

Outras investigações

Os seguintes exames podem ser realizados uma vez que o diagnóstico de LLA for confirmado:[60][76]

  • Tipagem do antígeno leucocitário humano (HLA)

  • Fenotipagem da tiopurina metiltransferase (TPMT)

  • fenotipagem da nudix hidrolase 15 (NUDT15)

A tipagem do HLA é necessária para identificar um doador adequado para o transplante de células-tronco e para a obtenção de plaquetas com HLA compatíveis em caso de aloimunização plaquetária durante a transfusão plaquetária.

A fenotipagem de TPMT e NUDT15 ajuda a orientar a dosagem de mercaptopurina durante a terapia de manutenção.[76]

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