Abordagem

A brucelose é conhecida como um grande imitador, já que pode mimetizar qualquer doença e afetar qualquer órgão ou sistema.[1][4] Relatou-se que ela afeta os sistemas geniturinário, gastrointestinal, hepatobiliar, reticuloendotelial, cardiovascular e musculoesquelético, bem como o sistema nervoso central e periférico. Quando as características clínicas estão relacionadas predominantemente a um sistema de órgãos, ela é definida como uma doença localizada ou focal.[75] O diagnóstico baseia-se no quadro clínico em conjunto com investigações laboratoriais.

A brucelose é uma doença de notificação em alguns países.

História

É essencial para o diagnóstico da brucelose obter uma história de exposição a animais ou seus produtos, consumo ou inalação de possível material infectado (por exemplo, leite não pasteurizado, queijo, outros laticínios, carne crua) e/ou viagem a uma área endêmica. Sempre é preciso indagar sobre antecedentes de viagem para uma área endêmica, e migrantes de áreas endêmicas devem ser questionados especificamente sobre o consumo de laticínios importados.[69][70][71] Também deve-se estabelecer se houve contato próximo com uma pessoa infectada; em áreas endêmicas, um membro da família apresenta sintomas semelhantes em até 50% dos casos.[19][20]

A história ocupacional é de particular importância, já que fazendeiros, pessoas que cuidam de animais, que trabalham em matadouros, veterinários e funcionários de laboratórios têm um risco mais elevado de infecção que a população geral.

A duração e o tipo dos sintomas podem ajudar a localizar a doença focal e direcionar as investigações adicionais. Uma história de febre ou calafrios é o sintoma mais comum e ocorre em 53% a 100% das infecções; se esses sintomas não forem tratados, poderão mostrar um padrão ondulado.[4][80] Sudorese profusa também é comum, sobretudo à noite. Sintomas constitucionais inespecíficos, como letargia e perda de peso, são extremamente comuns e afetam até 97% dos pacientes.[81]

A artralgia, sobretudo que afeta os quadris, os joelhos ou a coluna, está associada a 20% a 83% das infecções.[81][82] Crianças pequenas podem apresentar dificuldades para andar, como se estivessem com irritação no quadril.

Os sintomas gastrointestinais incluem náuseas, vômitos, dor abdominal, constipação e diarreia. Uma minoria dos pacientes apresenta sintomas pulmonares, como tosse seca. Os homens podem apresentar dor testicular.

Embora o comprometimento do sistema nervoso central focal seja raro, frequentemente ocorrem sintomas neuropsiquiátricos leves a moderados, incluindo cefaleia, fadiga e depressão.

A doença assintomática é possível e pode ser diagnosticada após o rastreamento sorológico de pessoas de alto risco. Durante um período de acompanhamento de até 18 meses, 40% dos pacientes permaneceram assintomáticos e 15% dos pacientes pareciam sintomáticos.[83]

Exame físico

A temperatura aumenta em mais de 90% dos pacientes. Geralmente, os pacientes ficam com uma má aparência e podem evidenciar depressão, mas raramente parecem sépticos. Eles podem ficar pálidos devido à anemia subjacente.

Existem achados osteoarticulares presentes em 40% a 50% dos pacientes, incluindo edema e sensibilidade nas articulações, bursite, diminuição da amplitude de movimentos da articulação e, raramente, derrame articular.[82][84] A coluna ou articulações sacroilíacas podem ficar sensíveis à palpação, mas uma deformidade macroscópica não é habitual e é mais sugestiva de tuberculose.

Um terço dos pacientes pode ter hepatomegalia e/ou esplenomegalia palpável.[85] A linfadenopatia está presente em cerca de 10% dos casos adultos, mas foi relatada em até dois terços das crianças com brucelose.[85] Entre 5% e 10% dos pacientes do sexo masculino apresentam orquite, que ocasionalmente é a característica clínica predominante.[1]

Até 4% dos pacientes apresentam sinais de meningoencefalite (por exemplo, rigidez da nuca) e ocasionalmente podem ter sinais clínicos associados a lesões cerebrais vasculíticas focais ou lesões no nervo craniano (deficits neurológicos focais).[82] Sinais neurológicos de trato longo são incomuns. É raro o comprometimento ocular, sugerido pela presença de olho vermelho (uveíte ou conjuntivite).

A endocardite é um problema raro, porém, grave (cerca de 1% dos pacientes), que geralmente afeta a valva aórtica e é responsável por uma grande proporção da taxa de 1% a 5% de mortalidade da brucelose.[82][86] Às vezes, ocorrem sinais pulmonares que sugerem consolidação ou efusão, incluindo macicez à percussão, expansibilidade diminuída e crepitações à ausculta.[87][88]​​ É mais comum os pacientes com tosse apresentarem alguns poucos sinais clínicos no tórax.

Ocasionalmente, é possível observar uma variedade de rashes cutâneos maculopapulares ou vasculíticos inespecíficos.[89]

Investigações laboratoriais

São necessárias culturas para confirmar a doença. O laboratório de microbiologia deve ser informado da suspeita de brucelose para garantir o manuseio seguro das culturas das espécies de Brucella.

As hemoculturas são a base do diagnóstico; logo, devem ser os primeiros exames solicitados.[90] A sensibilidade das hemoculturas depende muito do uso prévio de antibióticos, da fase da doença e do método de cultura.[91][92][93] A sensibilidade da cultura tradicional aumenta usando-se métodos sensíveis, como lise-centrifugação ou meio de cultura especializado (por exemplo, meio de Castañeda), e estendendo-se a duração da cultura para 6 semanas. Os sistemas modernos de cultura são mais sensíveis e geralmente ficam positivos dentro de 1 semana, mas as subculturas devem ser mantidas por até 3 semanas.[93] As culturas de medula óssea apresentam um rendimento positivo superior ao das hemoculturas, já que o organismo é intracelular e localizado na medula óssea; assim, podem ser consideradas em casos difíceis (por exemplo, hemoculturas negativas, sorologia negativa e suspeita de brucelose).[91]

Nem sempre as culturas estão disponíveis ou são bem-sucedidas; por isso, é indicado realizar ao menos um teste sorológico, tipicamente um teste de aglutinação ou um ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA). Os testes sorológicos geralmente são baseados na tradicional soroaglutinação lenta em tubos (SAT; ou teste de Wright) ou no teste de aglutinação em tubo (TAT), modificados em alguns laboratórios para serem realizados em pequenas placas de ELISA como o teste de microaglutinação (MAT).[94] Todos esses testes se baseiam na aglutinação de preparações cruas de antígenos lipopolissacarídeos lisos da brucela em diluições crescentes de anticorpo no soro do paciente. No entanto, as técnicas sofrem de falta de padronização e são fortemente afetadas pelo fenômeno de prozona, causado pelo bloqueio de anticorpos de imunoglobulina (Ig)A, com resultados falso-negativos em baixas diluições do soro do paciente.[1] Os testes de aglutinação Rosa Bengala, desenvolvidos para a prática veterinária, são usados em alguns países para rastrear o soro humano; eles têm uma sensibilidade alta, mas precisam de testes confirmatórios subsequentes.[95][94] Diversos grupos preferem usar testes ELISA preparados localmente, que geralmente apresentam uma alta sensibilidade, mas uma especificidade variável.[84][94][96] Eles podem desempenhar um papel em laboratórios de referência. Estão sendo desenvolvidos testes laboratoriais remotos (point of care), mas eles requerem avaliação adicional.[97]

Existe uma reatividade cruzada considerável entre as espécies de Brucella; logo, o diagnóstico das espécies por meio de sorologia não é confiável. Todos os testes sorológicos também podem ter reatividade cruzada com outras bactérias Gram-negativas, como espécies de Escherichia coli e Yersinia, bem como com vacinações prévias para cólera; isso aumenta a taxa de testes falso-positivos.[98] Em áreas endêmicas, pode haver um alto nível de histórico de anticorpos devido à infecção subclínica, o que afeta a interpretação do teste.[99] As infecções humanas com a vacina viva para animais não geram respostas de anticorpos, e as infecções por B canis geralmente não são detectadas por testes sorológicos convencionais, que se baseiam em antígenos presentes nas variantes de Brucella de fase lisa, que estão ausentes na B canis, pois ela forma colônias (mucoides) ásperas.​[1][84][100][101]​ Além disso, os testes sorológicos se mantêm variavelmente positivos por meses a anos após a infecção, e podem não ser confiáveis para o diagnóstico da reinfecção ou recidiva.

Os testes moleculares, como a reação em cadeia da polimerase, devem ser mais rápidos que a hemocultura e apresentam sensibilidade para se aproximar de 100%, com uma especificidade de 98.3%.[102] A reação em cadeia da polimerase pode ser particularmente útil em pacientes com recidiva ou reinfecção, e foi usada em ensaios para monitorar a evolução de pacientes tratados e para avaliar a recidiva da doença.[103] No entanto, os métodos da reação em cadeia da polimerase ainda não foram padronizados, são suscetíveis a contaminação e apresentam resultados contraditórios com positividade prolongada em alguns ambientes, por isso ainda não se sabe qual é seu potencial total.[104]

Existem cada vez mais evidências do uso da dessorção/ionização a laser assistida por matriz/espectrometria de massa por tempo de voo (MALDI-TOF-MS) para análise e identificação rápidas das espécies de Brucella no sangue e em culturas puras; entretanto, esse exame ainda está em fase de desenvolvimento.[105][106][107]

É possível fazer uma biópsia nos órgãos e tecidos clinicamente afetados, sobretudo nos linfonodos, no fígado e, ocasionalmente, na membrana sinovial. Isso é feito, em partes, para se obter materiais para cultura a fim de descartar tuberculose (TB). Geralmente, a histologia revela granulomas não caseosos, mas pode ser difícil distingui-los dos granulomas caseosos como são encontrados, por exemplo, na TB.

Deve-se realizar um exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) por meio de punção lombar em pacientes com sinais e sintomas neurológicos, para descartar meningoencefalite. Geralmente, os resultados mostram predominância de linfócitos; a cultura raramente é positiva, mas melhora com o uso de sistemas de cultura automatizados, e os testes sorológicos do LCR são difíceis de ser interpretados, mas a SAT geralmente é positiva.[1][108][109] A análise do líquido sinovial obtida por meio de aspiração é indicada para todos os pacientes com derrame articular, e mostra alterações celulares semelhantes às da TB. Assim como o LCR, sempre é preciso fazer uma cultura do líquido sinovial para suspeita de brucelose.[110]

Deve-se solicitar um hemograma completo de rotina em todos os pacientes; ele fornece pistas inespecíficas, já que ocorre anemia e/ou trombocitopenia em 30% a 75% dos pacientes infectados.[111][112]​ Além disso, a leucopenia e a leucocitose são encontradas em 22% e 7% dos pacientes, respectivamente.[111] Os níveis de eletrólitos séricos podem revelar hiponatremia.[113] Os testes da função hepática de rotina também são necessários em todos os pacientes; os resultados geralmente estão alterados, com leve elevação das transaminases.[1][84]

Exames por imagem

Os estudos de imagens são, em grande parte, de apoio e não são indicados para todos os pacientes. As alterações na radiografia simples no esqueleto axial e nas articulações periféricas aparecem mais tarde na evolução da doença, e geralmente incluem pequenas erosões próximo às articulações afetadas, esclerose moderada do osso adjacente às articulações infectadas e pequena destruição da articulação ou perda de espaço da articulação.[1] A cintilografia óssea é sensível e pode revelar infecção subclínica da articulação.[114] Esse estudo pode ser utilizado no início da doença, quando as anormalidades geralmente não são visíveis nas radiografias simples, e deve ser considerado para pacientes com manifestações musculoesqueléticas. Além disso, a cintilografia óssea pode ajudar a distinguir o comprometimento do quadril da sacroileíte.[115]

Os achados da radiografia torácica geralmente são normais, mas podem mostrar condensação ou derrame pleural; geralmente eles são reservados para pacientes com sinais ou sintomas pulmonares.

A tomografia computadorizada (TC) e sobretudo a ressonância nuclear magnética (RNM) da coluna são úteis para delinear a infecção da coluna e dos tecidos paraespinhais. Além disso, coleções intracranianas, calcificação ou hidrocefalia podem ser reveladas com a TC ou a RNM cranioencefálica em raros casos de infecção do sistema nervoso central.

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