Abordagem

Um bebê com qualquer grau de virilização deve ser avaliado para se determinar a causa das diferenças genitais. As pacientes com a forma mais grave de HAC clássica perdedora de sal apresentam genitália ambígua no início da vida em indivíduos 46,XX. Os indivíduos 46,XY ou 46,XX com genitália com androgenização completa/Prader 5 podem apresentar desidratação grave devido a uma crise perdedora de sal, se ela não for detectada nos exames de rastreamento neonatais. A extensão da virilização em uma mulher afetada pode ser a mesma na virilização simples e na hiperplasia adrenal congênita (HAC) perdedora de sal.

Enquanto os resultados dos exames são aguardados, o bebê deve ser monitorado quanto a sinais de perda de sal. Se a causa for determinada como deficiência de 21-hidroxilase (21-OHD), o tratamento deve ser iniciado.

As características marcantes da HAC clássica virilizante simples são a virilização pré-natal em indivíduos 46,XX e sinais pós-parto progressivos de excesso de andrógenos (isto é, com crescimento acelerado e idade óssea avançada, adrenarca prematura, puberdade precoce) sem evidência de deficiência de mineralocorticoides.

O diagnóstico de HAC também deve ser considerado em bebês que apresentam baixo ganho de peso, baixa aceitação alimentar e desidratação com hiponatremia e hipercalemia.[2]

O diagnóstico pré-natal pode ser realizado quando ambos os pais são portadores de mutações no CYP21A2; na maioria das vezes, essa situação surge quando eles têm um filho anterior com 21-OHD.[11]

  • O diagnóstico pré-natal pode ser realizado no primeiro trimestre por análise genética molecular do DNA fetal por meio de amostras da vilosidade coriônica ou por amniocentese

  • Também foi desenvolvida uma amostragem não invasiva do DNA fetal livre.[12]

Avaliação clínica

HAC clássica perdedora de sal

  • O diagnóstico de um indivíduo 46,XX geralmente é realizado ao nascimento devido à atipia genital. Os achados comuns incluem aumento do clitóris e grandes lábios parcialmente fundidos. Além disso, a parte distal da uretra e o canal vaginal podem se fundir para formar um seio urogenital, que se apresenta como uma abertura perineal única em vez de dois orifícios distintos, uretral e vaginal.[2]

  • A diferenciação da genitália externa não é afetada nos neonatos do sexo masculino. O diagnóstico ao nascimento de um neonato geralmente depende do rastreamento pré-natal ou do neonato.

  • Além dos sintomas de excesso de androgênios, os bebês apresentam perda renal de sal. Os sintomas incluem baixa aceitação alimentar, perda de peso, retardo do crescimento pôndero-estatural, vômitos, desidratação, hipotensão, hiponatremia e acidose metabólica hipercalêmica que evolui para crise adrenal (azotemia, colapso vascular, choque e óbito). A crise adrenal geralmente ocorre entre 1 e 2 semanas de idade. O diagnóstico precoce por meio de rastreamento neonatal com tratamento adequado diminuiu significativamente a crise perdedora de sal em neonatos e a mortalidade associada a ela.

  • Embora a história familiar possa revelar um parente afetado, isso não é necessário nem comum, pois essa é uma condição hereditária recessiva.

  • Os sinais de hiperandrogenismo nas crianças afetadas podem incluir aparecimento precoce de pelos faciais, axilares e pubianos; odor corporal adulto; e crescimento somático rápido. O hiperandrogenismo periférico também pode ativar a puberdade precoce central verdadeira. O estirão precoce no crescimento é acompanhado por maturação e fechamento prematuros das epífises, resultando em uma altura final abaixo da esperada em relação às alturas dos pais. Os pacientes tendem a ser crianças altas, mas adultos baixos.

  • Na adolescência e na idade adulta, os sinais de hiperandrogenismo nas mulheres podem incluir calvície temporal, acne grave, menstruação irregular, hirsutismo e infertilidade se não forem adequadamente tratados.

  • Irregularidade menstrual e amenorreia secundária, bem como amenorreia primária, podem ocorrer nas mulheres com controle hormonal inadequado. Entretanto, com uma supressão ideal do hiperandrogenismo adrenal, a fertilidade é preservada e a mulher pode desfrutar de gestações espontâneas, resultando em descendentes saudáveis.[13]

  • Os homens podem apresentar desenvolvimento de tumores testiculares de restos adrenais (TTRA), os quais são benignos mas podem causar azoospermia obstrutiva.[2]​ Os TTRAs podem ocorrer bilateralmente desde pouca idade e podem ser detectados por ultrassonografias testiculares de rotina. A disfunção das células de Leydig e a oligospermia, independentemente da presença de TTRAs, foram descritas em casos de controle adrenal deficiente.

  • Em todas as idades, os indivíduos apresentam o risco de ter uma crise adrenal decorrente de um grande estresse fisiológico, como infecção, lesão grave ou procedimento cirúrgico. A crise adrenal pode começar com vômitos e rapidamente levar à instabilidade hemodinâmica e à hipoglicemia. A crise adrenal foi relatada como uma das principais causas de morte na HAC clássica. Doses de estresse de glicocorticoides são prescritas durante o estresse físico para prevenir as crises adrenais.

HAC clássica virilizante simples

  • A apresentação e os sintomas durante a primeira infância, adolescência e idade adulta são os mesmos do tipo perdedor de sal. Entretanto, os indivíduos com HAC virilizante simples apresentam secreção adequada de aldosterona, o que previne crises perdedoras de sal na primeira infância.

  • A maioria dos indivíduos 46,XY são identificados por meio de rastreamento neonatal. Caso contrário, eles podem apresentar posteriormente na vida sinais relacionados ao excesso de androgênios adrenais.

HAC não clássica

  • Pode haver uma história familiar positiva

  • O fenótipo pode ser variável e muitos indivíduos podem não receber atendimento médico

  • O desenvolvimento genital é normal. Algumas mulheres podem apresentar clitoromegalia leve.

  • Os sintomas podem aparecer durante a infância e podem incluir acne, desenvolvimento prematuro de pelos pubianos, puberdade precoce, crescimento acelerado, idade óssea avançada e redução da estatura adulta como resultado da fusão epifisária prematura.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Pele antes e depois do tratamento com dexametasona por 3 mesesPermissão concedida por The Endocrine Society [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@181f446a

  • As adolescentes e as mulheres podem apresentar queixas de hirsutismo, calvície temporal,​​ menarca tardia ou irregularidades menstruais.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Calvície com padrão masculino típico em mulheres afetadas pela forma não clássica da deficiência da 21-hidroxilasePermissão concedida por The Endocrine Society [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@601f6b88

Testes hormonais

O diagnóstico de 21-OHD é confirmado pela avaliação hormonal. Uma concentração muito alta de 17-hidroxiprogesterona (17-OHP), o precursor de esteroides que se acumula na 21-OHD, é diagnóstica da doença clássica.

A 17-OHP também pode estar elevada em neonatos saudáveis durante os primeiros 1 a 2 dias de vida, e em neonatos prematuros e doentes.[2]

Embora os níveis de 17-OHP sejam frequentemente diagnósticos na forma clássica, os valores podem estar insuficientemente elevados em doenças não clássicas. Resultados falsos-positivos e falsos-negativos são comuns se as amostras forem obtidas imediatamente após o nascimento.[14]​ Nesses casos, o teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) é crucial para estabelecer o diagnóstico da forma não clássica. Durante o teste de ACTH, os níveis de 17-OHP e delta-4-androstenediona são medidos na linha basal e 60 minutos após uma injeção intravenosa de cosintropina. Esses valores podem então ser representados em um nomograma publicado para se verificar a gravidade da doença.[15]​ O perfil adrenal completo deve ser obtido após o teste de estímulo rápido com hormônio adrenocorticotrófico.[14]

Nos indivíduos com níveis limítrofes de 17-OHP, recomendamos obter uma medição de esteroides adicionais, como 11-desoxicorticosterona, desidroepiandrosterona (DHEA) e 17-OHP, após um teste de estimulação com cosintropina, para diferenciar a 21-OHD das outras formas raras de HAC. Por fim, a medição do cortisol revela a presença ou ausência de suficiência adrenal (especificamente no que diz respeito à HAC não clássica).[1]

No rastreamento de bebês e neonatos, o sangue é colhido por meio de punção do calcanhar e impregnado em papel de microfiltro para medição da 17-hidroxiprogesterona. Um estudo longitudinal nacional de 26 anos de triagem neonatal para HAC na Suécia mostrou que o rastreamento é altamente eficaz em detectar a forma perdedora de sal. A sensibilidade do rastreamento neonatal é menor nas formas virilizante simples e não clássica.[16]

Outros testes

Recomenda-se a realização, nos neonatos ou bebês com órgãos genitais ambíguos, de cariotipagem ou teste de hibridização in situ fluorescente (FISH) para detecção dos cromossomos X e Y, além de uma ultrassonografia da pelve e das glândulas adrenais para identificar anormalidades associadas.[2]

Bioquímica sérica

A bioquímica sérica é útil para os neonatos (após o primeiro dia de vida) e bebês com órgãos genitais atípicos ou com risco de apresentarem HAC com deficiência de 21-OHD.[2]​ Em uma crise perdedora de sal, os resultados geralmente indicam desidratação grave, hiponatremia, hipercalemia e acidose metabólica; no entanto, isso não seria esperado antes de 1 a 2 semanas de vida.[17]

Atividade de renina plasmática

A atividade da renina plasmática está inversamente relacionada à volemia intravascular. Nos estados com depleção de volume, como na perda de sal na HAC clássica, os valores estão elevados em graus variáveis. Recomenda-se medir a atividade de renina plasmática nos pacientes com suspeita de HAC clássica perdedora de sal.[14]​ Infelizmente, uma alta renina plasmática em uma HAC não tratada não é diagnóstica de HAC perdedora de sal, pois a 17-OHP, em altas concentrações, tem propriedades antagonistas do receptor mineralocorticoide. Assim, níveis elevados de 17-OHP aumentam a renina plasmática.[17]​ A renina também pode estar elevada em estados de depleção de volume, insuficiência cardíaca e outras doenças críticas. O uso de medicamentos esteroides pode diminuir o nível de renina. Níveis altos de atividade de renina plasmática indicam deficiência de aldosterona e potencial hipovolemia.

Análise genética

Se houver uma história familiar da doença ou um dos pais tiver a doença, a análise genética é altamente recomendada. Ambos os pais também devem realizar testes genéticos para determinar se são portadores de mutação. A genotipagem também pode ser útil se os resultados do perfil adrenocortical após um teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico rápido forem ambíguos.[14]

A análise genética do CYP21A2 que detecta as mutações mais comuns é estabelecida em laboratórios comercialmente disponíveis. A análise genética pode confirmar o diagnóstico e é importante para o aconselhamento pré-natal e o planejamento familiar. Estudos relatam uma concordância genótipo-fenótipo variável, de 50% a mais de 97%.[9][10]

Em um estudo com 213 pacientes com deficiência de 21-OHD, o genótipo previu o fenótipo de maneira acurada em 85.1% dos pacientes com HAC virilizante simples, 90.5% dos pacientes com HAC perdedora de sal e 97.8% dos pacientes com HAC não clássica.[10] No entanto, em um estudo subsequente realizado com 1507 pacientes com deficiência da 21-OHD, o genótipo esteve correlacionado com o fenótipo em 46.7% dos casos, sendo a correlação mais forte nas formas perdedora de sal e não clássica.[9]

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