Abordagem
Os componentes críticos do diagnóstico do aborto espontâneo são a obtenção de uma história detalhada, a administração de títulos seriados de gonadotrofina coriônica humana (beta-hCG) e uma ultrassonografia transvaginal.
História
Os fatores de risco essenciais incluem idade materna avançada, malformação uterina, vaginose bacteriana e trombofilias. Devem ser obtidos resultados recentes de testes de gravidez urinários e história de uso de contraceptivos. O diagnóstico da gravidez pode precisar de reconfirmação, pois alguns kits de testes de gravidez podem apresentar sensibilidade questionável. Uma lembrança cronológica de eventos gestacionais desde o início e uma história de sangramento pós-coito, além de sintomas recentes, podem ajudar a caracterizar um diagnóstico preliminar. A maioria das mulheres suspeita ter sofrido um aborto após expelir um coágulo sanguíneo atípico. Um aumento na intensidade do sangramento vaginal, no entanto, é um sinal de prognóstico desfavorável. Em alguns casos, o sangramento vaginal, o desconforto pélvico e os sintomas de gestação precoce diminuem após a passagem do tecido gestacional prematuro. Isso é sugestivo de aborto espontâneo não identificado.
Sempre é importante descartar uma gravidez ectópica, principalmente quando a dor pélvica, suprapúbica ou inguinal for um sintoma e estiver associada a sintomas cardiovasculares, crises de desmaio e/ou anemia inexplicada. Sintomas de início de gestação mais marcantes que o normal devem alertar na direção de uma gravidez molar ou múltipla.
Trauma (por exemplo, acidente com veículo automotor) é incomum durante a gestação; entretanto, o aumento da gravidade do trauma abdômino-pélvico causa risco elevado de perda fetal. É necessário cuidado ao apurar esse fato da história, em virtude da possibilidade de implicações médico-legais. É pouco provável uma relação causa-efeito após um traumatismo contuso recente acidental ou intencional, se este não resultar em hipoperfusão uterina ou hipotensão materna.[61]
Achados físicos
A maioria das mulheres se sente bem, mas fica compreensivelmente ansiosa acerca da possibilidade de perda da gravidez. Toda paciente que parecer doente pode ter sofrido um sangramento vaginal ou intra-abdominal significativo. Um exame cardiovascular, incluindo avaliação da perfusão periférica, ajudará a identificar a paciente pálida com taquicardia, hipotensão e dispneia como tendo gravidez ectópica. A avaliação abdômino-pélvica revelará o tamanho de uma massa suprapúbica que pode se correlacionar com a idade gestacional ou chamar a atenção para outras lesões simultâneas. O exame do períneo pode identificar lesões locais no exterior da vagina responsáveis pelo sangramento.
O exame vaginal com espéculo pode revelar tecido gestacional prematuro na parte superior da vagina ou com protrusão na abertura do óstio cervical. Ele também pode revelar lesões, como ectrópio, um pólipo cervical ou, muito raramente, uma laceração inesperada do trato genital, que podem ser responsáveis pelo sangramento. A inserção de um espéculo não altera o desfecho da gravidez em curto prazo, e as pacientes devem ser tranquilizadas de que o espéculo não chega perto do tecido gestacional.[62][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Evolução natural do aborto espontâneoDe: Ankum WM, Wieringa-de Ward M, Bindels PJE. BMJ 2001 Jun 2;322(7298):1343-6. [Citation ends].
Investigações imediatas
Ultrassonografia transvaginal (USTV):
Investigação essencial no diagnóstico de aborto espontâneo, caso o título de beta-hCG seja >1500 UI/L (1500 mUI/mL).[63][64]
Ajuda a diferenciar entre aborto espontâneo completo ou incompleto.
A maioria dos abortos espontâneos não identificados é encontrada inesperadamente durante USTV de rotina ou planejada em pacientes de alto risco.
De acordo com a diretriz do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido, um aborto espontâneo deve ser considerado quando o saco gestacional na USTV está vazio, tem um diâmetro médio de 25 mm ou mais e não tem saco vitelino ou polo fetal visível.[65] O aborto também é provável quando o comprimento craniocaudal do embrião mede 7 mm ou mais, sem atividade cardíaca fetal óbvia.[65][66] Um estudo criado para validar o desempenho desses valores de corte constatou que eles não são muito conservadores, mas não levam em consideração a idade gestacional. Não há orientações sobre como relacionar a idade gestacional aos achados de ultrassonografia e um possível diagnóstico de aborto espontâneo.[67] Se houver qualquer incerteza quanto à viabilidade de uma gestação, recomenda-se manejo conservador e ultrassonografia pelo menos 7 dias depois, devido ao risco real de esvaziamento uterino inadvertido de uma gestação desejada. É importante informar às mulheres que o diagnóstico de aborto espontâneo baseado em uma ultrassonografia não é 100% preciso, e a chance de um diagnóstico incorreto é maior na idade gestacional mais precoce.[65]
A orientação do American College of Obstetricians and Gynecologists informa que o embrião deve ser visível por ultrassonografia transvaginal com um diâmetro médio do saco gestacional ≥25 mm. O movimento cardíaco deve ser observado quando o embrião tiver ≥7 mm de comprimento. Se um embrião com menos de 7 mm de comprimento for observado sem atividade cardíaca, uma ultrassonografia subsequente em um momento posterior pode ser necessária para avaliar a presença ou ausência de atividade cardíaca.[68]
Ao diagnosticar o aborto espontâneo completo em uma ultrassonografia, na ausência de um exame anterior que confirme gravidez intrauterina, fique sempre atento à possibilidade de uma gravidez de localização desconhecida. Aconselhe essas mulheres a retornarem para acompanhamento (por exemplo, níveis de hCG, ultrassonografias) até que um diagnóstico definitivo seja obtido.[65]
Títulos de beta-hCG:
Deve ser solicitado se houver dúvidas sobre a situação do aborto espontâneo.
Uma queda na concentração sérica de hCG de mais de 50% após 48 horas acompanhada de dor e sangramento é sugestiva de interrupção da gestação.
Um aumento no hCG sérico de mais de 50% em um período de 48 horas é sugestivo de possível gravidez em andamento.
Diretrizes do NICE recomendam que as mulheres com redução de 50% ou aumento inferior a 63% na concentração de hCG sérica devem ser encaminhadas para exame clínico no serviço de avaliação da gestação inicial em até 24 horas.[65]
Constatou-se que um ensaio combinado de beta-hCG sérica e progesterona sérica tem um valor preditivo de 85.7% para perda gestacional inevitável.[69] Se for validada em ensaios clínicos mais extensos, essa ferramenta pode ser útil na triagem de pacientes, no planejamento do acompanhamento e no aconselhamento à paciente.
Outras investigações
Exame transabdominal:[65]
Pode ser considerado para as mulheres com útero dilatado ou outra patologia pélvica (por exemplo, miomas ou cisto ovariano) acima de 8 semanas de gestação.
Também pode ser oferecido às mulheres para as quais a USTV não é aceitável, com uma explicação de suas limitações.
No Reino Unido, o NICE recomenda que, se não houver batimento cardíaco visível no exame transabdominal, o comprimento craniocaudal precisa ser registrado e um segundo exame deve ser realizado no mínimo 14 dias após o primeiro antes do diagnóstico.
Progesterona sérica:
Em pacientes sintomáticas com achados ultrassonográficos inconclusivos, um nível de progesterona sérica único pode ser útil. Um título variando entre 3.2 e 6.0 ng/mL prevê uma gestação inviável com uma sensibilidade combinada de 74.5% e uma especificidade de 98.4%.[70]
Swab vaginal:
A vaginose bacteriana assintomática pode desempenhar um papel importante no aborto espontâneo do segundo trimestre.[24][25]
Teste de gravidez urinário:
Um teste de gravidez urinário positivo confirma a gravidez. Se a gravidez tiver <6 semanas de gestação e a mulher estiver apresentando sangramento, mas sem dor e sem fatores de risco, como uma gravidez ectópica prévia, repita o teste de gravidez urinário após 7 a 10 dias. Um teste de gravidez negativo significa que ocorreu um aborto espontâneo. Reveja a condição de uma mulher com um teste de gravidez positivo adicional.[65]
Tipagem sanguínea para grupo RH:
O estado do grupo RH é determinado durante o rastreamento de rotina no início da gravidez. Identifica se o grupo sanguíneo RH negativo está presente na mãe, o que indica a necessidade de administração de imunoglobulina anti-D.
Hemograma completo:
Pode indicar o grau de sangramento e a provável necessidade de transfusão.
Ferramenta de pontuação para prever a viabilidade de uma gestação:
Foi proposto o uso de uma simples ferramenta de pontuação para prever a viabilidade de uma gestação, e se a mesma sobreviverá além do primeiro trimestre.[71] Os fatores pontuados nessa ferramenta são:
a presença de atividade cardíaca fetal na ultrassonografia
o tamanho do saco vitelino
a idade materna
a idade gestacional
o índice de sangramento; e
o diâmetro médio do saco gestacional.
Ao ser aplicada a 1435 pacientes, a ferramenta de pontuação funcionou com sensibilidade de 92% e especificidade de 73%.
Investigações sobre abortamento habitual
A maioria dos abortamentos habituais não tem explicação. As investigações que podem ser consideradas nessas pacientes incluem:[3][72]
Anticorpos anticardiolipina anticoagulante lúpica e anticorpos antibeta 2 glicoproteína 1 para síndrome antifosfolipídica
Ultrassonografia pélvica para identificar anormalidades estruturais uterinas congênitas ou adquiridas
A análise citogenética deve ser realizada em produtos de concepção do terceiro e subsequente aborto(s) espontâneo(s) consecutivo(s). A cariotipagem parenteral do sangue periférico de ambos os parceiros deve ser realizada em casais com abortos recorrentes, quando o teste de produtos da concepção relata uma anormalidade cromossômica estrutural desequilibrada.[73]
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