Prevenção primária
Antes de se iniciar uma terapia com opioide, devem ser feitos esforços para maximizar o uso das terapias não farmacológicas e terapias farmacológicas não opioides, conforme apropriado. Algumas evidências mostram que as terapias não opioides são pelo menos tão efetivas quanto as terapias com opioides para a dor aguda, e são preferíveis às terapias com opioides para as dores crônica e subaguda.[30][31] Isso pode ter implicações potenciais para reduzir ainda mais o uso de opioides no pronto-socorro e na comunidade. Novas classes de medicamentos, como a suzetrigina recentemente aprovada, um analgésico não opioide e não aditivo de primeira classe, podem fornecer métodos diferentes de tratamento para dor em adultos, prevenindo assim a superdosagem de opioides.[32] A terapia com opioides só deve ser considerada se os benefícios esperados para a dor e a funcionalidade superarem os riscos para o paciente.[31]
Os médicos que prescrevem opioides devem identificar os recursos de tratamento para transtorno relacionado ao uso de opioides na comunidade e estabelecer uma rede de opções de encaminhamento em diferentes níveis de atenção que os pacientes possam necessitar. Isso garante o encaminhamento e tratamento imediatos, caso necessário.[31]
A história de prescrição de substâncias controladas do paciente deve ser revisada, de preferência antes de cada prescrição de opioide e, pelo menos, antes da primeira prescrição e, em seguida, a intervalos de 3 meses. Isso pode ajudar a determinar se o paciente está recebendo dosagens de opioides de vários prescritores, o que os coloca em risco elevado de superdosagem. Nos EUA, a história de prescrição dos pacientes pode ser visualizada por meio de Programas de Monitoramento de Prescrição de Medicamentos (PMPMs) estaduais.[33] O uso de PMPMs para fundamentar as decisões relativas ao tratamento mudou os comportamentos de prescrição e reduziu os danos relacionados a opioides e as internações para tratamento.[34] No entanto, os escores de risco gerados por PMPMs não foram validados em relação a desfechos clínicos como superdosagens e, portanto, não devem substituir o julgamento clínico.[31]
Os pacientes que usam opioides regularmente (de maneira terapêutica ou recreativa) devem ser orientados sobre os perigos da superdosagem, especialmente após períodos de abstinência. Essa orientação está associada a uma redução no número de mortes por superdosagem.[35] Os pacientes em alto risco, juntamente com seus familiares e cuidadores, devem ser informados sobre o reconhecimento e o manejo da superdosagem de opioides, incluindo a administração de naloxona.[31][33][36][37]
O Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HSS) dos Estados Unidos e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) orientam os médicos a considerarem fortemente a coprescrição de naloxona com os opioides para os seguintes grupos:[31][38]
Aqueles que recebem opioides em altas doses (equivalentes a 50 mg de morfina por dia, ou mais)
Pacientes com doenças respiratórias associadas ao sono, como apneia do sono
Aqueles com prescrição de benzodiazepínicos
Pacientes com história de transtorno por uso de bebidas alcoólicas ou substâncias não opioides
Aqueles com risco de voltarem a uma dose alta à qual tiverem perdido a tolerância (por exemplo, pacientes em retirada gradual ou que saíram da prisão recentemente).
O HSS também recomenda prescrever naloxona para os pacientes com transtorno de saúde mental e para aqueles que usam heroína ou opioides sintéticos ilícitos, que usam indevidamente os opioides prescritos e/ou que usam outras drogas ilícitas que possam estar contaminadas por opioides sintéticos (como a fentanila).[38] Nos EUA, a naloxona pode ser coprescrita para administração pelas vias intramuscular, intravenosa e subcutânea.[33]
Em alguns países (por exemplo, Inglaterra), a naloxona está disponível há bastante tempo sem prescrição e pode ser obtida por um familiar ou amigo de um usuário de heroína em risco, com o objetivo de salvar vidas em caso de emergência.[39] Nos EUA, o spray nasal de naloxona está aprovado para uso sem prescrição.
Observe que a naloxona disponível pode ser insuficiente para reverter uma superdosagem; pacientes, familiares e cuidadores devem ser orientados a chamar serviços de emergência imediatamente após o reconhecimento de uma superdosagem de opioide.[36]
Sempre que possível, deve-se evitar a coprescrição de opioides e benzodiazepínicos, já que seu uso concomitante aumenta o risco de superdosagem potencialmente fatal.[31][40][41]
Deve-se ter extremo cuidado ao prescrever e usar adesivos de fentanila devido ao aumento do risco de superdosagem grave e fatal.[42] Relatos de superdosagem estão relacionados a erros de dosagem, exposição acidental e exposição de um adesivo a uma fonte de calor (incluindo aumento da temperatura corporal resultante de febre). As crianças estão particularmente em risco de exposição acidental (por exemplo, um adesivo parcialmente destacado pode ser transferido de um adulto para uma criança durante o sono ou uma criança pode pensar que os adesivos são adesivos ou tatuagens).[43] Pacientes e cuidadores devem, portanto, receber orientações claras sobre como armazenar, usar e descartar os adesivos com segurança.
A conscientização sobre tendências locais no uso de opioides também é útil nas estratégias de prevenção primária. Por exemplo, nos EUA, houve mudanças no sentido de fumar mais fentanila fabricada ilegalmente, em vez de injetá-la, no Centro-Oeste, Sul e Oeste, e de cheirar fentanila fabricada ilegalmente no Nordeste. Entender as tendências locais pode aumentar a eficácia das mensagens locais, do alcance e da conexão com serviços médicos, o que, por sua vez, ajudará a prevenir superdosagem.[44] As tiras para teste de fentanila são outra estratégia importante na prevenção de superdosagem e podem ser uma ferramenta para salvar vidas na comunidade. Entretanto, continua a haver variabilidade entre os lotes e são necessários métodos de teste mais sofisticados.[45]
Caso os médicos suspeitem de transtorno relacionado ao uso de opioides, devem avaliar o paciente usando os critérios do DSM-5-TR.[46] Os médicos devem discutir suas preocupações com os pacientes sem julgamentos e permitir que o paciente revele as questões relacionadas. O transtorno relacionado ao uso de opioides pode coexistir com outros transtornos por uso de substâncias; portanto, os médicos devem perguntar sobre o uso de bebidas alcoólicas e outras substâncias.[31]
O uso correto de agulhas também é uma estratégia importante para prevenir a superdosagem em pessoas com transtorno relacionado ao uso de opioides. Os pacientes devem ser orientados sobre como evitar o uso de opioides quando estiverem sozinhos e ser instruídos sobre o uso de agulhas limpas ou técnicas para limpar as agulhas. Uma revisão sistemática descobriu que, para usuários de drogas injetáveis, os centros de injeção supervisionados podem reduzir o risco de morbidade e mortalidade por superdosagem e melhorar o acesso ao tratamento, sem aumentar a criminalidade ou o incômodo público para a comunidade ao redor.[47]
Prevenção secundária
As intervenções de prevenção secundária buscam identificar quais pacientes correm risco de superdosagem repetida devido ao transtorno relacionado ao uso de opioides contínuo, a fim de minimizar ao máximo as potenciais consequências negativas (por exemplo, superdosagem, morte). Isso pode ser alcançado expandindo o acesso a tratamentos medicamentosos e outros sistemas de apoio.[90] As ferramentas para prevenção secundária muitas vezes também são relevantes e se sobrepõem àquelas para prevenção primária.
Os medicamentos para o transtorno relacionado ao uso de opioides são geralmente considerados uma intervenção de primeira linha para tratar pacientes com transtorno relacionado ao uso de opioides crônico. Dessa forma, em combinação com aconselhamento e terapias comportamentais, tem o potencial de melhorar significativamente os desfechos futuros dos pacientes e, com sorte, evitar superdosagens não intencionais repetidas.[91] Foi demonstrado que a iniciação, especialmente em diversos ambientes de atendimento (por exemplo, pronto-socorro, internação) no sistema de saúde, reduz significativamente as taxas de nova internação hospitalar não planejada em pacientes com transtorno relacionado ao uso de opioides.[92] A iniciação e a acessibilidade futura devem ser fornecidas aos pacientes antes de deixarem o ambiente de tratamento intensivo.[93] Nos EUA, isso pode ocorrer por meio de um especialista em transtornos por uso de substâncias ou um programa certificado de tratamento de opioides da Substance Abuse and Mental Health Services Administration.[31] A desintoxicação isolada, sem tratamentos medicamentosos para o transtorno relacionado ao uso de opioides, não é recomendada devido ao aumento do risco de retomada do uso de drogas, superdosagem e mortes relacionadas à superdosagem.[31]
A conscientização sobre os vários tipos de substâncias em relação ao comportamento de risco pode ser útil para a prevenção secundária. Um grande estudo de metanálise que analisou a associação entre o tipo de substância, comportamentos de risco e superdosagem não fatal entre usuários de drogas descobriu que certos fatores, incluindo uso de opioides não injetáveis, injeção de heroína, encarceramento, uso de drogas injetáveis, duração da injeção e uso concomitante de buprenorfina e benzodiazepínicos, estavam associados a maiores chances de superdosagem não fatal entre os usuários de drogas. Os achados reforçam a necessidade de melhorar estratégias adequadas de redução de danos para usuários de drogas, como o manejo de superdosagem baseado em pares, e melhorar as intervenções relacionadas à saúde.[94]
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