Abordagem

A avaliação e o tratamento de pacientes com granulomatose com poliangiite (GPA) (antes conhecida como granulomatose de Wegener) devem ser realizados somente em centros especializados, com médicos experientes no manejo da doença e abordagem multidisciplinar.[38]

Geralmente, o tratamento médico da GPA é realizado em duas etapas: indução da remissão e manutenção da remissão.[39]

Pacientes com granulomatose com poliangiite (GPA) sistêmica não tratada têm uma sobrevida mediana de 5 meses, o que ressalta a importância de uma terapia agressiva precoce.[40]

Indução da remissão

Todos os pacientes com GPA ativa são tratados com corticosteroides, em geral, prednisolona. Entretanto, a monoterapia com corticosteroides não é suficiente e um segundo agente imunossupressor se faz necessário.[37]​​[38][41]​ A gravidade da doença é o principal determinante do agente adicional mais apropriado.[37]

Minimizar a toxicidade do corticosteroide é um elemento importante do tratamento da GPA. O cronograma de dosagem de corticosteroides recomendado para o tratamento da GPA baseia-se na experiência clínica, em vez de ensaios clínicos randomizados, mas um ensaio clínico avaliou um esquema de dosagem reduzida.[42] O esquema de dosagem reduzida não foi inferior ao esquema de dosagem padrão (em termos de desenvolvimento de doença renal em estágio terminal ou morte) e resultou em uma redução de 60% na exposição a corticosteroide e em uma taxa mais baixa de infecções graves em 1 ano. BMJ: plasma exchange and glucocorticoid dosing for patients with ANCA-associated vasculitis: a clinical practice guideline Opens in new window

O avacopan (um antagonista do receptor do complemento 5a) pode ser usado como adjuvante aos corticosteroides para reduzir a exposição a corticosteroides nos pacientes com probabilidade de terem mais benefícios, em comparação com a corticoterapia (por exemplo, pacientes com alto risco de desenvolver ou agravar os efeitos adversos ou complicações relacionados a corticosteroides, ou pacientes com glomerulonefrite ativa e função renal com rápida deterioração.[38][41][43]

O rastreamento e as medidas preventivas contra osteoporose induzida por corticosteroides devem ser instituídos, juntamente com monitoramento e tratamento de outras complicações (por exemplo, hipertensão, diabetes mellitus, dislipidemia).[44]​​​ Consulte Osteoporose.

Doença grave (com risco de vida ou risco a órgãos)

A doença grave (com risco de vida ou risco a órgãos) é tratada com corticosteroide em altas doses associadas a ciclofosfamida ou rituximabe.[37][41]​ Nesse contexto, o corticosteroide é administrado, com frequência, por via intravenosa (como metilprednisolona) por 3 a 5 dias antes de se iniciar o corticosteroide oral. Os pacientes que não apresentam resposta clínico à ciclofosfamida devem ser trocados para rituximabe e vice-versa.[37]

O American College of Rheumatology recomenda rituximabe (quando disponível) em vez de ciclofosfamida para indução da remissão, pois rituximabe é considerado menos tóxico.[37]​ As diretrizes europeias recomendam que a ciclofosfamida ou o rituximabe podem ser usados em combinação com os corticosteroides para induzir a remissão na vasculite que representar risco à vida ou risco a órgãos.[38][45]​ O avacopan também pode ser considerado como tratamento adjuvante para reduzir substancialmente a exposição aos corticosteroides.[38]

Ensaios clínicos randomizados e controlados demonstraram que o rituximabe não é inferior à ciclofosfamida para indução da remissão na GPA grave e pode ser mais eficaz no contexto de recidiva grave da doença.[46][47]​ A terapia prolongada com ciclofosfamida está associada com efeitos adversos que causam potencial risco de vida, inclusive mielotoxicidade, infecção e neoplasias malignas.[10]

A ciclofosfamida pode ser administrada como terapia oral diária ou intravenosa de pulso. Para a grande maioria dos pacientes, a remissão pode ser conseguida com um esquema que inclui 3 a 4 meses de ciclofosfamida oral diária. Em geral, o período de tratamento com ciclofosfamida não deve exceder 6 meses.[48] A ciclofosfamida intravenosa de pulso é tão eficaz quanto a ciclofosfamida oral diária para induzir a remissão e está associada a menor exposição a ciclofosfamida e menos casos de leucopenia.[49][50] No entanto, a terapia intravenosa foi associada a taxas de recidiva mais altas que a ciclofosfamida oral.[51]

A escolha entre administração diária oral ou intravenosa em pulsos da ciclofosfamida pode ser influenciada por fatores que incluem o risco de recidiva do paciente, a adesão ao tratamento e aos esquemas de monitoramento, problemas de fertilidade e a possível suscetibilidade a outros efeitos adversos da ciclofosfamida.[41]​ Se for usada a ciclofosfamida intravenosa, o protocolo deve incorporar fluidoterapia intravenosa e mesna (um agente uroprotetor) para diminuir a toxicidade para a bexiga. Para reduzir o risco de toxicidade da ciclofosfamida oral, ela deve ser tomada pela manhã e uma ingestão abundante de fluidos deve ser mantida durante todo o dia. O hemograma completo e a urinálise devem ser monitorados regularmente, de acordo com os protocolos locais.

Um grande ensaio clínico demonstrou que a plasmaférese não é benéfica para a maioria dos pacientes com vasculite associada a anticorpos anticitoplasma de neutrófilo (ANCA).[42] No entanto, a adição de plasmaférese pode ser considerada em pacientes selecionados com comprometimento de órgãos particularmente grave (por exemplo, síndrome pulmonar-renal com insuficiência respiratória que requer ventilação, e/ou creatinina sérica >435 micromoles/L [>5.7 mg/dL]), mas deve ser restrita a centros especializados.[52] A plasmaférese possui um potencial de morbidade significativo, incluindo infecção grave, complicações relacionadas ao cateter (por exemplo, trombose), instabilidade hemodinâmica, desequilíbrio de eletrólitos e coagulopatia.[37][53]

Avacopana demonstrou eficácia comparável a prednisolona em um ensaio clínico randomizado de 331 pacientes com vasculite associada a ANCA, em que foi usada em combinação com rituximabe ou ciclofosfamida.[43]

Doença não grave

Nos casos de doença não grave, que incluem pacientes com glomerulonefrite sem insuficiência renal significativa (creatinina <132.6 micromoles/L [<1.5 mg/dL]), o tratamento com uma combinação de corticosteroide associado a rituximabe é recomendado pelas diretrizes europeias, com o metotrexato ou o micofenolato considerados alternativas ao rituximabe.[38][49]​ Nos EUA, um corticosteroide associado a metotrexato é considerado o tratamento de primeira linha para os pacientes com GPA não grave, podendo o rituximabe, o micofenolato, a azatioprina ou a ciclofosfamida ser considerados para os pacientes que não apresentarem resposta ao metotrexato.[37]

Como parte da estratégia para reduzir a exposição a corticosteroides, o avacopan pode ser considerado para os pacientes tratados com rituximabe.[38]

​​​O hemograma completo e o perfil metabólico completo devem ser monitorados regularmente nos pacientes que recebem metotrexato, de acordo com os protocolos locais. Medidas contraceptivas adequadas são essenciais (em homens e mulheres).[54] A administração de ácido fólico ajuda a reduzir outros efeitos colaterais do metotrexato, como estomatite, queda de cabelos e intolerância gastrointestinal. Se ocorrerem efeitos colaterais apesar do uso de ácido fólico, ácido folínico pode ser usado.

Um ensaio clínico randomizado e controlado que comparou micofenolato com ciclofosfamida para indução da remissão demonstrou que micofenolato não foi inferior à ciclofosfamida para indução da remissão, mas foi associado com uma taxa mais alta de recidiva.[55]

Não há um papel definido para a terapia com antifator de necrose tumoral no tratamento da GPA. Evidências sugerem que a adição de etanercepte à terapia padrão não está associada a qualquer redução na taxa de recidiva ou a melhora em outros desfechos clínicos.[56]

Doença refratária

Os pacientes que não apresentam resposta clínica a um esquema adequado de indução da remissão devem ser avaliados cuidadosamente para outras comorbidades, como infecção e neoplasia maligna. A doença refratária à terapia de indução da remissão é rara.

A imunoglobulina intravenosa (IGIV) pode ser adicionada à terapia de indução da remissão com rituximabe ou ciclofosfamida para alcançar o controle da doença enquanto aguarda a terapia de indução da remissão fazer efeito.[37]​ A IGIV pode ser administrada aos pacientes com GPA ativa que não puderem receber nenhuma outra terapia imunomoduladora.[37]

Os pacientes com doença grave que não apresentam resposta clínica à ciclofosfamida devem ser trocados para rituximabe, e vice-versa.​​[37]​ A ciclofosfamida ou o rituximabe podem ser usados para a doença não grave nos pacientes que não apresentarem resposta clínica ao metotrexato ou ao micofenolato.[37]​ Os pacientes com doença refratária requerem avaliação e tratamento em um centro especializado e devem ser considerados para inscrição em ensaios clínicos.[38]

Manutenção da remissão

O rituximabe é recomendado como tratamento de primeira linha para a manutenção da remissão em pacientes com GPA não grave e grave com risco à vida que tiverem alcançado a remissão com rituximabe ou ciclofosfamida. A azatioprina ou o metotrexato podem ser considerados como alternativa.[37]​​[38][41]​​​ [ Cochrane Clinical Answers logo ]

A leflunomida pode ser considerada para manutenção da remissão se o paciente tiver contraindicações para o tratamento com os outros agentes discutidos acima, se desenvolver intolerância a esses agentes, ou se apresentar exacerbação da atividade da doença com os tratamentos padrão.[38]

Se a remissão for induzida com sucesso com metotrexato, azatioprina ou micofenolato, o mesmo tratamento pode continuar a ser usado para manutenção da remissão.[37]​​[38]​ A ciclofosfamida deve ser usada apenas para indução da remissão.

Foi constatado que um esquema com rituximabe em dose baixa é superior à azatioprina nas populações de pacientes com GPA predominantemente inicial, após indução de remissão com ciclofosfamida.[57][58][59]​ Um estudo subsequente demonstrou que a continuação do tratamento com infusões de rituximabe a cada dois anos, ao longo de 18 meses, foi associado com uma incidência menor de recidiva de vasculite associada a ANCA, em comparação com a terapia de manutenção padrão.[60] Embora ainda existam dúvidas relativas ao cronograma de dosagem ideal, a experiência cumulativa com rituximabe levou ao seu crescente uso como agente de primeira linha para manutenção da remissão, principalmente quando foi usado para indução da remissão. Diretrizes de um consenso de especialistas resumem os principais problemas relativos ao uso de rituximabe para manutenção da remissão e identifica as prioridades para pesquisas adicionais.[61]

Metotrexato e azatioprina têm eficácia similar para a manutenção da remissão.[62] Os pacientes que precisarem descontinuar o metotrexato por causa da intolerância na ausência de um surto da doença, devem ser passados para azatioprina para manutenção continuada da remissão, e vice-versa.

O micofenolato foi considerado um agente alternativo para manutenção da remissão na GPA, com base em estudos iniciais não controlados. Contudo, um ensaio clínico randomizado e controlado demonstrou que ele é inferior à azatioprina na manutenção da remissão da GPA.[63] Portanto, deve ser reservado para pacientes refratários e/ou intolerantes ao metotrexato e à azatioprina.[37]

A duração ideal da terapia de manutenção imunomoduladora é incerta, mas, em geral, recomenda-se terapia por 24 a 48 meses após a remissão.[38] Para os pacientes que já passaram por uma ou mais recidivas da doença, em geral, é aconselhável manter a terapia de manutenção indefinidamente.[38]

Os pacientes continuam a receber corticosteroides durante a manutenção da remissão, embora uma parte dos pacientes com sintomas bem controlados possa parar, lentamente, de usar os corticosteroides.[38] Recomenda-se uma dosagem alvo de 5 mg/dia de prednisolona por 4 a 5 meses.[38]​ Os corticosteroides em baixas doses podem reduzir o risco de recidiva, mas isso deve ser ponderado com relação à possível toxicidade associada.[64]

O rastreamento e as medidas preventivas contra osteoporose induzida por corticosteroides devem ser mantidos, juntamente com monitoramento e tratamento de outras complicações (por exemplo, hipertensão, diabetes mellitus, dislipidemia).[44]​​ Consulte Osteoporose.

Recidivas da doença

Os pacientes que apresentam uma recidiva recebem um novo ciclo de terapia de indução da remissão. Os esquemas usados seguem os mesmos princípios gerais descritos acima; no entanto, a escolha dos tratamentos será influenciada pela eficácia e tolerabilidade dos agentes previamente usados.[37]​ Recomenda-se que, para limitar as toxicidades em longo prazo, a exposição à ciclofosfamida cumulativa ao longo da vida não exceda 25 g.[65] Pacientes com recidiva de GPA grave que alcançaram, ou estão perto de alcançar, esse nível de exposição devem ser tratados com uma terapia alternativa de indução de remissão, como rituximabe.

Para reduzir a toxicidade relacionada ao tratamento, é essencial que a terapia imunossupressora seja usada cuidadosamente. A avaliação cuidadosa de atividade da doença é crucial.

Estenose subglótica

Os pacientes devem ser tratados por um otorrinolaringologista especializado no tratamento de estenose subglótica.[37]​ A terapia sistêmica de indução da remissão é recomendada para o tratamento inicial da estenose subglótica inflamatória ativa.[37]​ A terapia local com injeção de glicocorticoide intralesional e dilatação cirúrgica deve ser considerada para os pacientes com estenose subglótica de longa duração, fibrótica ou sem resposta clínica à terapia sistêmica imunossupressora.[37]​​[66] A terapia local e a terapia imunossupressora podem ser usadas concomitantemente para estenose subglótica que causa estreitamento crítico das vias aéreas.[37]​ A terapia local pode precisar ser repetida a intervalos altamente variáveis. Na grande maioria dos casos, essa abordagem pode evitar a necessidade de traqueostomia ou procedimentos cirúrgicos mais radicais.

Cirurgia reconstrutiva

A cirurgia reconstrutiva nasal para pacientes com defeitos do septo nasal e/ou colapso da ponte nasal pode ser considerada após um período de remissão sustentada. Os pacientes devem ser tratados por um otorrinolaringologista especializado no tratamento da GPA.[37]

Cirurgia de citorredução

A cirurgia de citorredução pode raramente ser considerada, além da terapia de indução da remissão, caso haja compressão que representa risco à vida ou risco a órgãos (por exemplo, perda visual aguda devida a compressão do nervo óptico por pseudotumor orbital).[37]​​ No entanto, isso só deve ser considerado em conjunto com um centro especializado em vasculites.

Importância da avaliação cuidadosa da atividade da doença

Avaliação cuidadosa da atividade da doença é um pré-requisito para a tomada de decisão quanto à terapia adequada, já que há várias armadilhas possíveis:

  • Vários achados inicialmente atribuíveis à doença ativa só podem remitir parcialmente com tratamento eficaz (por exemplo, nódulos pulmonares radiográficos)

  • Vários achados inicialmente atribuíveis à doença ativa podem ser difíceis de distinguir de danos ao tecido ou de infecção (por exemplo, crostas e secreção nasais)

  • Vários achados inicialmente atribuíveis à doença ativa podem piorar, independentemente da atividade da doença (por exemplo, disestesias em um local previamente afetado por neuropatia periférica sensorial)

  • Algumas manifestações da doença, como pseudotumor orbital ou estenose subglótica, frequentemente não respondem bem à terapia imunossupressora sistêmica.

Portanto, características clínicas como essas não devem ser usadas para justificar tratamentos desnecessariamente prolongados com esquemas de indução da remissão, na ausência de achados mais nítidos da doença ativa.

Cuidados de suporte

A profilaxia contra o Pneumocystis jirovecii é indicada para todos os pacientes tratados com rituximabe ou ciclofosfamida.[37]​ A profilaxia deve ser considerada para os pacientes que recebem glicocorticoides m doses moderadas (>20 mg/dia) em combinação com metotrexato, azatioprina ou micofenolato.[37]​ Consulte Pneumonia por Pneumocystis jirovecii.

Spray de soro fisiológico com ou sem pomada de antibiótico devem ser instituídos para todos os pacientes com manifestações sinonasais. É aconselhável a participação de um otorrinolaringologista experiente no manejo da doença.

Proteção da fertilidade

O uso de ciclofosfamida pode causar infertilidade tanto em homens quanto em mulheres. O uso de leuprorrelina para suprimir a função ovariana durante o tratamento com ciclofosfamida pode ajudar a preservar a fertilidade nas mulheres.[54] Nos pacientes do sexo masculino, é aconselhável armazenar esperma antes de usar ciclofosfamida, embora isso possa não ser possível nos quadros de doença aguda.[54] O uso de rituximabe como terapia de primeira linha deve ser considerado nos pacientes cuja preservação da fertilidade seja uma preocupação.[38]

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