Abordagem

O fundamento para a terapia de miocardite consiste em cuidados de suporte e terapia convencional para insuficiência cardíaca.[15][58][59][60]​​​[79]​​ Pode haver uma considerável sobreposição entre uma cardiomiopatia dilatada e a miocardite; cerca de 16% dos pacientes que apresentam cardiomiopatia dilatada aguda que se submetem a uma biópsia endomiocárdica têm miocardite confirmada por biópsia.[74] O tratamento, portanto, é direcionado ao manejo tanto de cardiomiopatia como de miocardite nos pacientes com cardiomiopatia concomitante.[80]

Instável hemodinamicamente com ou sem choque cardiogênico

Uma pequena proporção de pacientes com miocardite aguda apresentará insuficiência cardíaca fulminante, arritmias ventriculares sustentadas ou choque cardiogênico, exigindo monitoramento hemodinâmico invasivo e terapia farmacológica agressiva.[21]​ Pode ser introduzido um cateter na artéria pulmonar para ajudar a otimizar as pressões de enchimento cardíaco e para a titulação rápida das terapias cardiovasculares. A terapia farmacológica para os adultos pode incluir vasodilatadores como nitroprusseto de sódio, vasopressores como a noradrenalina e inotrópicos positivos como a dobutamina.[81] Uma bomba de balão intra-aórtico ou dispositivo de assistência ventricular esquerda (DAVE) pode ser necessário como ponte até a recuperação ou o transplante cardíaco.[59][82]​ Em crianças, o suporte inotrópico pode ser fornecido por milrinona ou dobutamina, com intensificação precoce para o suporte circulatório mecânico (como DAVE ou oxigenação por membrana extracorpórea [ECMO]), se necessário.[15]

Hemodinamicamente estável com disfunção sistólica ventricular esquerda (VE)

Deve-se iniciar o quanto antes um inibidor da ECA, um antagonista do receptor de angiotensina II, ou sacubitrila/valsartana. Um inibidor da proteína cotransportadora de sódio e glicose 2 (SGLT2) é recomendado quando o paciente estiver estável. A terapia com diuréticos, vasodilatadores e inotrópicos é usada tanto no contexto agudo quanto no crônico, com a finalidade de otimizar as pressões de enchimento intracardíaco e aumentar o débito cardíaco. A terapia com anticoagulação em longo prazo pode ser necessária para reduzir o risco de AVC ou de outra embolia arterial. Pacientes com miocardite sintomática devem evitar exercícios físicos por 3 a 6 meses.[21][56]

Inibidor da enzima conversora de angiotensina (ECA), antagonista do receptor da angiotensina II ou sacubitrila/valsartana:

  • Além da eficácia demonstrada na insuficiência cardíaca crônica, estudos em animais sugerem que, quando iniciados precocemente na evolução da miocardite aguda, os antagonistas do sistema renina-angiotensina melhoram a sobrevida e inibem a progressão para cardiomiopatia dilatada.[83]

  • A eficácia de sacubitrila/valsartana para o tratamento da insuficiência cardíaca foi bem documentada e pode ser superior aos IECAs, embora faltem dados especificamente para miocardite. A sacubitrila é um inibidor da neprilisina.[84]

Inibidores de SGLT2:

  • Os inibidores de SGLT2 são recomendados para os adultos hospitalizados com insuficiência cardíaca, desde que estejam clinicamente estáveis.[85] Os inibidores de SGLT2 são recomendados nos adultos com insuficiência cardíaca crônica sintomática, independentemente da presença de diabetes, para reduzir a mortalidade cardiovascular e a hospitalização por insuficiência cardíaca.[59][86]

  • Estudos pré-clínicos sugerem um papel anti-inflamatório dos inibidores de SGLT2 na miocardite.[87][88]

Vasodilatador ou inotrópico:

  • Vasodilatadores orais arteriais (hidralazina) e venosos (nitratos como dinitrato de isossorbida) melhoram agudamente o débito cardíaco e diminuem as pressões pulmonar e de enchimento do VE.[81] Essa combinação de terapia também pode reduzir a morbidade e a mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca que são intolerantes a IECAs, antagonistas do receptor de angiotensina II ou sacubitrila/valsartana.[59]

  • Hidralazina e nitratos orais raramente são usados em cuidados pediátricos. Se vasodilatadores são necessários em crianças, os inibidores da ECA e agentes relacionados são frequentemente mais apropriados.

  • A milrinona (um inotrópico parenteral positivo e vasodilatador) normalmente é usada no ciclo de tratamento de crianças com evidências de disfunção sistólica ventricular esquerda, mesmo que estejam hemodinamicamente estáveis. A milrinona pode causar hipotensão ou, raramente, arritmias ventriculares.

Betabloqueadores:

  • Similarmente, os betabloqueadores (por exemplo, carvedilol, metoprolol, bisoprolol) devem ser iniciados assim que o paciente não apresentar mais insuficiência cardíaca agudamente descompensada

  • Mostrou-se que, em modelos animais de miocardite aguda, o início precoce dos bloqueadores beta-adrenérgicos reduz a inflamação miocárdica.[89][90]

  • Normalmente, o carvedilol é o betabloqueador preferido em crianças.

Antagonista da aldosterona:

  • Um antagonista da aldosterona (por exemplo, espironolactona, eplerenona) deve ser iniciado em pacientes com insuficiência cardíaca classe II a IV da New York Heart Association.[59]

  • A eplerenona não é recomendada em crianças.

Diuréticos:

  • Os diuréticos melhoram a hemodinâmica e o conforto do paciente.[59]

  • A volemia deve ser monitorada.

  • A terapia dupla com uma tiazida (ou um diurético tiazídico) (por exemplo, hidroclorotiazida, clorotiazida, metolazona) e um diurético de alça (por exemplo, furosemida) pode ser necessária em alguns pacientes para intensificar o efeito terapêutico.[59] O diurético tiazídico deve ser administrado ao mesmo tempo ou 30 minutos antes do diurético de alça.

Anticoagulantes:

  • Os pacientes com acinesia anteroapical ventricular esquerda ou aneurisma resultante de cardiomiopatia apresentam um aumento do risco de acidente vascular cerebral (AVC) ou outra embolia arterial secundário à formação de trombo no ventrículo esquerdo.[59]

  • A varfarina é adequada para reduzir o risco em crianças e adultos.

Terapias imunossupressoras e imunoglobulina intravenosa (IGIV)

A terapia imunossupressora é recomendada para pacientes selecionados com miocardite sintomática, particularmente aqueles com condições mediadas imunologicamente não infecciosas confirmadas histologicamente, como miocardite eosinofílica, miocardite de células gigantes (MCG), sarcoidose cardíaca ou doenças imunológicas sistêmicas associadas.[1] Embora o consenso entre especialistas sobre o uso de terapia imunossupressora ainda seja variável, algumas evidências apoiam sua aplicação na miocardite linfocítica quando a biópsia endomiocárdica (BEM) apresenta resultado negativo para DNA viral. Isso inclui os achados do estudo TIMIC, que investigou a terapia imunossupressora na cardiomiopatia inflamatória negativa para vírus, e vários estudos de centro único.[91][92][93]​​​ Em um estudo observacional com ponderação por propensão, pacientes com miocardite autoimune confirmada por biópsia que foram submetidos a terapia imunossupressora personalizada de longo prazo demonstraram taxas comparáveis de mortalidade e transplante cardíaco em 5 anos, apesar de apresentarem um perfil de risco mais elevado no estado basal.[92]

Normalmente, uma equipe multidisciplinar, incluindo reumatologistas, está envolvida no manejo de respostas inflamatórias complexas e na mitigação de efeitos adversos relacionados a medicamentos. O tratamento padrão geralmente começa com altas doses de metilprednisolona intravenosa, seguidas de prednisolona oral, com retirada gradual subsequente e adição de agentes poupadores de corticosteroides. O tratamento específico depende da causa subjacente e da gravidade da doença. Quando a miocardite se apresenta com inflamação sistêmica concomitante, a terapia deve ser ajustada para tratar o envolvimento de múltiplos órgãos.

Uma pesquisa de prática clínica recomenda a realização de testes de reação em cadeia da polimerase viral em amostras de BEM antes de iniciar a terapia imunossupressora para evitar o agravamento de infecções ativas.[94]​ No entanto, dada a falta de protocolos padronizados para testes de reação em cadeia da polimerase viral em muitos centros, o encaminhamento para equipes especializadas em miocardite pode ser justificado. As terapias antivirais em constante evolução oferecem opções de tratamento alternativas para a miocardite viral, enfatizando a importância de consultar infectologistas para o manejo adequado.

Além disso, a IGIV pode ser benéfica para miocardite inflamatória ou autoimune. É mais comumente utilizada em pacientes pediátricos do que em adultos, com um estudo multicêntrico relatando sua administração em 51% das crianças com disfunção cardíaca leve e em 88% daquelas com comprometimento moderado a grave. No entanto, seu uso, juntamente com corticosteroides, não foi associado à mortalidade ou ao transplante cardíaco neste estudo.[24]

Terapia voltada à causa específica de miocardite

Miocardite linfocítica (viral)

  • A miocardite linfocítica é tratada principalmente com cuidados de suporte e terapias padrão para insuficiência cardíaca. Como em todas as etiologias de miocardite, pacientes apresentando insuficiência cardíaca fulminante e choque cardiogênico podem exigir monitoramento hemodinâmico invasivo, terapia agressiva com diuréticos intravenosos ou com inotrópicos e até mesmo dispositivos mecânicos de suporte hemodinâmico. Em decorrência do alto índice de recuperação, a terapia agressiva é recomendada, principalmente no início da evolução da doença.

  • Algumas evidências apoiam o uso de terapia imunossupressora para miocardite linfocítica quando o teste de BEM é negativo para DNA viral, mas o consenso entre os especialistas permanece variável.[91][92][93]

  • Na maioria dos casos, foi mostrado que a terapia imunossupressora é ineficiente na miocardite viral.[95] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​ Novas terapias com medicamentos imunomoduladores, como betainterferona, têm-se mostrado altamente promissoras em estudos clínicos fase II.[96]

  • Para pacientes com gripe (influenza) documentada, os agentes antivirais podem ser benéficos. Em pacientes com infecção por SARS-CoV-2, da mesma forma, podem ser utilizados agentes antivirais, bem como anticorpos monoclonais (se recomendados em sua região). Para obter mais informações sobre o tratamento da infecção por influenza e da infecção por SARS-CoV-2, consulte Infecção por influenza e Doença do coronavírus de 2019 (COVID-19).

MCG

  • Essa é uma doença rara e rapidamente progressiva, que provavelmente constitui o mais fatal de todos os casos de miocardite.[9] Arritmias ventriculares que representam risco de vida são observadas em 14% dos pacientes com MCG na primeira apresentação, evoluindo para arritmias refratárias em mais da metade dos pacientes.[21] ​Embora tenha sido mostrado que os regimes imunossupressores agressivos melhoram apenas de forma modesta a sobrevida, dados limitados sugerem que eles prolongam a vida o suficiente para permitir um tratamento mais efetivo com transplante cardíaco.[10][97][98]

  • Para adultos, a terapia imunossupressora padrão para MCG normalmente inclui metilprednisolona intravenosa seguida de uma retirada gradual da prednisolona ao longo de 6 a 8 semanas. Este esquema é frequentemente combinado com globulina antitimocítica (GAT) ou alentuzumabe, juntamente com ciclosporina.[99] Opções alternativas podem incluir corticosteroides em altas doses combinados com ciclosporina ou tacrolimo associado a azatioprina ou micofenolato.[99][100]​​​ Corticosteroides em altas doses associados a GAT, são comumente usados para pacientes com doença recorrente e disfunção ventricular esquerda.[99] Uma abordagem semelhante à terapia imunossupressora pode ser usada para crianças com MGC, mas observe que o alentuzumabe não é aprovado para uso em crianças e os estudos apoiam seu uso apenas para MGC em adultos.

Miocardite relacionada a doença autoimune

  • Pacientes com miocardite decorrente de doenças do sistema autoimune geralmente apresentam uma resposta significativa a esquemas imunossupressores agressivos, incluindo corticosteroides sistêmicos. Estudos em animais com terapias através de substâncias imunomoduladoras, como rapamicina e micofenolato, são promissores.[101]

Miocardite por hipersensibilidade

  • Acredita-se que a miocardite por hipersensibilidade esteja relacionada a uma relação alérgica a vários medicamentos. Com a remoção do agente desencadeante e o tratamento com corticosteroides sistêmicos, a melhora clínica é de praxe.[102]

Miocardite chagásica

  • A doença de Chagas é a causa mais comum de miocardite no mundo. Os pacientes com miocardite chagásica devem ser tratados com um agente antiparasitário adequado; consulte Doença de Chagas para obter informações detalhadas sobre o tratamento. O tratamento da insuficiência cardíaca dessa doença consiste principalmente no manejo dos sintomas. Muitas vezes, é necessário um marca-passo permanente com desfibrilador, em virtude das anormalidades de condução e arritmias ventriculares. A terapia imunossupressora é controversa; o transplante cardíaco é frequentemente necessário para a insuficiência cardíaca refratária.[33]

Miocardite relacionada a inibidor de checkpoint imunológico (ICI)[32]

  • O ICI deve ser descontinuado imediatamente, e o tratamento com metilprednisolona intravenosa em altas doses deve ser iniciado. Ele pode ser trocado por uma dosagem de desmame de prednisolona oral, se os pacientes apresentarem sinais contínuos de melhora clínica. Os pacientes refratários a corticosteroides ou hemodinamicamente instáveis com miocardite fulminante devem ser tratados com terapia imunossupressora de segunda linha. Vários agentes de segunda linha estão em pesquisa (por exemplo, micofenolato, abatacepte, IGIV), e recomenda-se obter orientação de um especialista. Após a recuperação, uma equipe multidisciplinar deve analisar se a terapia com ICI deve ser reiniciada.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal