Complicações
Espera-se um padrão regular de movimentos intestinais diários ou em dias alternados. A constipação é um problema comum a partir do segundo ano de vida (uma consequência do intestino neurogênico) e deve ser tratada com uma dieta rica em fibras e hidratação. Muitas vezes também é necessária uma dosagem diária de polietilenoglicol. A ida ao banheiro programada é introduzida quando as crianças pequenas demonstram interesse por esse tipo de rotina (os pais são aconselhados a colocar a criança na cadeira sanitária por 10 a 15 minutos após as refeições para aproveitar o reflexo gastrocólico). As diretrizes de manejo intestinal da Spina Bifida Association recomendam continência intestinal. A independência com o programa de controle do intestino será menos provável se o treinamento não for iniciado na pré-adolescência ou nos primeiros anos da adolescência.
Um padrão de fezes duras alternado com diarreia aquosa é sugestivo de impactação e deve ser tratado por meio de uma lavagem intestinal com enema. Em caso de prolapso retal, a redução é realizada com a mão enluvada e lubrificante.
Programas diários de irrigação transanal são eficazes e economizam tempo, além de ajudar as crianças a atingir a continência fecal desde cedo, idealmente antes da pré-escola. O tratamento cirúrgico (reparo posterior e suspensão do reto) raramente é necessário. A constipação pode se agravar com o envelhecimento, a diminuição da ingesta de fibras e a redução de atividade. Pode ser necessário aumentar a quantidade de fluidos. Spina Bifida Association: lifespan bowel management protocol Opens in new window
A encoprese é comum (também uma consequência do intestino neurogênico) e é tipicamente observada em crianças que apresentam redução do tônus retal. Esse problema pode ocasionar lesão cutânea significativa, o que pode ser evitado com o uso regular de cremes barreira. Ocasionalmente, laxantes com fibras podem ser úteis como excipientes. A loperamida não é recomendada. Programas diários de irrigação transanal são eficazes e economizam tempo, além de ajudar as crianças a atingir a continência fecal antes da pré-escola. As opções de tratamento cirúrgico, como enema colônico anterógrado de Malone, devem ser discutidas, mas são tipicamente realizadas quando as crianças estão em idade escolar e são capazes de participar da tomada de decisão. Spina Bifida Association: lifespan bowel management protocol Opens in new window
Pode ser um problema devido à diminuição da mobilidade e à falta de atividades físicas. Alguns estudos também mostraram que as pessoas com espinha bífida têm menos massa corporal magra e uma taxa de metabolismo basal mais baixa que a população geral.
A prevenção tem melhores resultados que tentar a redução de peso. Portanto, deve-se encorajar uma dieta saudável e exercícios regulares a partir de uma idade precoce. Um único estudo de metformina para o tratamento da adiposidade central e a prevenção da síndrome metabólica em crianças com espinha bífida documentou sucesso.[189]
Todos os pacientes têm a medula espinhal presa (a extremidade inferior da medula espinha tem uma ligação anormal com outras estruturas), mas nem todos são sintomáticos. A medula presa raramente se apresenta na primeira infância. No entanto, já houve relatos de casos de medula presa precoce (12 meses) e cistos de inclusão epidérmica entre lactentes que foram submetidos a cirurgia fetal. A apresentação clássica é durante o estirão de crescimento da pré-adolescência.
Os sinais e os sintomas de medula presa incluem dorsalgia; escoliose de rápida progressão; evolução da deformidade cavovara, espasmos nas pernas; alteração no nível motor ou sensorial; alteração no funcionamento sexual, do intestino ou da bexiga; ou se houver sintomas progressivos associados à malformação de Chiari (sufocamento, engasgos, nova oftalmoplegia ou disartria, arqueamento do pescoço, sensibilidade na fenda occipital, apneia do sono).[190]
Recomenda-se cautela ao fazer o diagnóstico somente pela aparência da radiografia; portanto, a RNM da coluna somente será indicada se houver sintomas.[191] Os achados incluem medula presa ou com cicatrização, siringe, espessamento do filamento terminal e cone medular baixo (abaixo de L2-L3). O filamento normal tem 2 mm ou menos de diâmetro em L5-S1. Imagens sagitais ponderadas em T1 e T2 mostram prontamente o nível do cone.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) da coluna apresentando medula presaDo acervo do Dr. Nienke P. Dosa; usado com permissão [Citation ends].
O tratamento é a separação cirúrgica da medula, um procedimento que é efetivo para melhorar a dorsalgia em 90% dos pacientes e evita a evolução de outros sintomas.[192]
Em geral, todas as mulheres com espinha bífida são férteis. No entanto, a dormência perineal e a redução da lubrificação pode causar lacerações labiais ou lesão por atrito. A disfunção erétil e a ejaculação retrógrada são comuns em homens com espinha bífida. Os tratamentos para disfunção erétil incluem sildenafila, papaverina injetável e outros. Simpatomiméticos, como a pseudoefedrina, poderão ajudar a reduzir a ejaculação retrógrada se forem tomados antes da relação sexual.
As úlceras isquiáticas sugerem posicionamento inadequado na cadeira de rodas. As úlceras sacrais podem ocorrer no pós-operatório e resultam de posicionamento inadequado no colchão. As úlceras de pressão nos pés são causadas por órteses mal ajustadas ou por técnica de deambulação inadequada, como andar com muleta em um só braço. Geralmente, as úlceras de decúbito devem-se a equipamento inadequado.
O exame cutâneo deve ser feito tanto pelo paciente como pelo médico, principalmente no local do reparo da lesão, na área coccígea, nas tuberosidades isquiáticas, nos pés e tornozelos, e entre os pododáctilos. A rápida identificação da causa subjacente é essencial.
As úlceras de decúbito são bastante comuns em adultos jovens e devem ser tratadas agressivamente.
As úlceras por pressão são raras em lactentes, mas podem ocorrer lesões por atrito ou queimadura.
A desnutrição e a incontinência urinária e fecal também podem contribuir para feridas.
O mapeamento por pressão do assento pode ajudar a determinar áreas de pressão e facilitar a correção de úlceras por pressão isquiáticas recorrentes.
Além de tratar a causa subjacente, o médico deve documentar cuidadosamente a extensão da ferida, bem como avaliar e tratar os sinais e os sintomas de infecção com antibióticos orais, se forem leves, e com antibióticos intravenosos, nos casos mais graves. As feridas crônicas devem ser avaliadas com radiografias simples e cintilografia óssea para descartar uma osteomielite subjacente. O tratamento de feridas com pressão negativa é efetivo para as úlceras de decúbito dos estágios 3 e 4. É recomendável o encaminhamento a um centro de cuidados a feridas para acompanhamento abrangente e suporte nutricional e psicológico, se disponíveis.
Muitos adolescente e adultos jovens tornam-se isolados socialmente. A participação em atividades em grupo é menor que a da população geral devido à complexa combinação de incapacidade física, incontinência, disfunção executiva e dificuldades de aprendizagem não verbal. A depressão pode estar relacionada com baixa realização e integração social.
Ansiedade e depressão são comuns, afetando 30% dos adultos (tanto jovens como mais velhos).[158]
Pode haver um risco mais elevado de doenças cardiovasculares (DCV) devido à maior incidência de síndrome metabólica e obesidade. Conforme a população envelhece, esse problema pode se tornar uma grande preocupação. Em um estudo, a DCV foi considerada a segunda causa mais frequente de morte em adultos com espinha bífida.[193]
Cuidados preventivos regulares, incluindo uma dieta saudável e atividades físicas, e controle do peso devem ser encorajados. É necessária uma terapia de abandono do hábito de fumar para os fumantes.
Pode ocorrer em pacientes adultos. A causa não é bem-compreendida e existem poucos dados sobre linfedema e espinha bífida.[165] O tratamento envolve meias de compressão e terapia de bomba manual ou mecânica. O linfedema prolongado, se não tratado, pode ocasionar celulite e risco elevado de úlceras por pressão, bem como osteomielite nos pés e nas pernas.
A obstrução da derivação é uma complicação relativamente comum, que afeta 40% dos pacientes pediátricos. O risco de infecção ou obstrução da derivação é maior durante os primeiros 6 a 12 meses após a colocação da derivação.
Os sinais e sintomas incluem cefaleia, vômitos, sonolência, alteração de personalidade, rápido crescimento da cabeça e convulsões. As cefaleias relacionadas com o mau funcionamento da derivação podem ser intermitentes, como no caso de obstrução da válvula proximal, ou piorarem, quando paciente está na posição supina, devido à diminuição do fluxo de gravidade, ou quando sai da posição supina para a ereta devido ao aumento da drenagem relacionado com a síndrome do ventrículo colabado (quando os ventrículos são drenados em excesso e aparecem como fendas nos exames).
É essencial documentar o exame neurológico basal do paciente em cada consulta clínica. Qualquer deterioração, como nova dormência, espasticidade ou fraqueza, dificuldades acadêmicas, cefaleia ou características de malformação de Chiari, como oftalmoplegia, apneia do sono, arqueamento do pescoço ou disfagia, devem ser avaliadas prontamente com um alto índice de suspeita de mau funcionamento da derivação.
Uma radiografia seriada da derivação (radiografias simples que rastreiam o tubo de derivação desde a cabeça até o abdome) é usada para documentar quebras ou fraturas do tubo. Uma ressonância nuclear magnética ou uma tomografia computadorizada de crânio será indicada se houver sinais ou sintomas de mau funcionamento da derivação. Contudo, até 15% a 20% dos pacientes com mau funcionamento da derivação não apresentam alterações no tamanho do ventrículo na RNM ou TC.[86]
A revisão da derivação é a base do tratamento.
Os pacientes com hidrocefalia controlada por derivação têm mais probabilidade de terem dificuldades de aprendizagem.
A dificuldade de aprendizagem não verbal muitas vezes é diagnosticada na escola com a introdução da matemática e do raciocínio abstrato. Também é caracterizada por dificuldades em tarefas visuoespaciais (por exemplo, compreensão das direções). A compreensão da leitura, que é cada vez mais importante para o desempenho acadêmico em outros assuntos, também pode constituir um desafio quando as crianças passam da fase de aprender a ler para a fase de ler para aprender. As famílias e os funcionários da escola devem estar cientes de estratégias de ensino e adaptações voltadas para a dificuldade de aprendizagem não verbal. Os planos de educação individualizados devem se concentrar mais na dificuldade de aprendizagem que na deficiência motora para que os suportes educacionais adequados sejam colocados em prática.
A disfunção executiva é muito comum e, em geral, apresenta-se com verbosidade e desinibição. Crianças e adultos com disfunção executiva também podem ter dificuldades com situações novas, definição de prioridades e tomada de iniciativas. A chave para promover a independência é a repetição de tarefas essenciais e habilidades de autocuidado de modo que elas se tornem atividades mecânicas.
Muitos adultos jovens com espinha bífida saem da escola com qualificações educacionais. No entanto, os índices de emprego e outros desfechos sociais em adultos jovens estão abaixo do ideal. Em parte, isso se deve à revelação da dificuldade de aprendizagem não verbal e da disfunção executiva quando a estrutura de rotinas escolares deixa de existir. Estudos também mostraram que os adolescentes com espinha bífida não participam das mesmas atividades que seus colegas sem incapacidades durante os anos do ensino médio. Portanto, é essencial promover a participação a partir de uma idade precoce, bem como discutir desde cedo o impacto que a disfunção executiva pode ter sobre a vida independente e o emprego, a menos que sejam feitas adaptações de forma proativa e que sejam utilizados sistemas de apoio apropriados, como treinamento vocacional, antes da formatura do ensino médio.
Infecções do trato urinário (ITUs) frequentes requerem uma revisão detalhada dos sintomas que levaram ao diagnóstico. Urina turva ou uma cultura de urina de rotina obtida quando o paciente está assintomático pode não representar uma infecção. É importante obter informações sobre os resultados da cultura e os antibióticos usados para tratamento. ITUs febris recorrentes com o mesmo organismo podem indicar que o foco da infecção é uma litíase vesical e requerem avaliação com ultrassonografia renal/vesical. A vídeo-urodinâmica é realizada para determinar se alterações na função da bexiga (possivelmente relacionadas com a síndrome de medula presa) estão contribuindo para a infecção recorrente.
É importante verificar se o paciente segue atentamente a técnica limpa com cateterismo intermitente. A maioria das crianças que fazem cateterismo intermitente ficam colonizadas com bactérias. A bacteriúria assintomática não é tratada (exceto em crianças nos 2 primeiros meses de vida). As crianças com infecções sintomáticas frequentes recebem profilaxia antibiótica. As infecções sintomáticas são tratadas com cefalexina, nitrofurantoína ou ciprofloxacino de acordo com os resultados da cultura.
A dorsalgia associada a febre, sensibilidade no ângulo costovertebral e mal-estar geral é sugestiva de pielonefrite. O tratamento envolve antibioticoterapia intravenosa ou oral, dependendo da gravidade do quadro clínico.
Uma vídeo-urodinâmica ou uma cistouretrografia miccional em neonatos ou lactentes deverá ser realizada se for observada hidronefrose na ultrassonografia renal. Esses exames diagnósticos determinam se existe refluxo vesicoureteral e/ou esvaziamento incompleto. Se for registrado refluxo, o cateterismo intermitente limpo e a profilaxia antibiótica serão instituídos para evitar danos nos rins. No entanto, caso não sejam observadas baixas pressões miccionais no estudo urodinâmico, os lactentes com refluxo vesicoureteral podem ser tratados somente com profilaxia antibiótica e o cateterismo intermitente é descontinuado.
Hidronefrose e refluxo vesicoureteral estão estreitamente correlacionados com bexiga de alto risco. Deste modo, lactentes com achados na ultrassonografia sugestivos de hidronefrose são iniciados no cateterismo intermitente limpo a cada 4 a 6 horas usando cateteres de 5 ou 8 French sem látex. Antibióticos profiláticos serão acrescentados se houver refluxo. Alguns centros colocam todos os neonatos em cateterismo intermitente, oxibutinina e profilaxia antibiótica no nascimento.
Envolve a expansão do canal central com obstrução e formação de cistos (coleta de líquido cefalorraquidiano) na medula espinhal, conhecidos como siringes.
As características da siringomielia devem ser avaliadas a cada consulta. Os sinais de siringe no nível cervical incluem dormência dos ombros (distribuição do tipo "capa"), hiper-reflexia ou assimetria dos membros superiores e escoliose progressiva. Fraqueza das mãos, encarceramento do nervo ulnar ou síndrome do túnel do carpo também podem ser sinais de siringe no nível cervical.
É recomendável uma ressonância nuclear magnética (RNM) da junção cervicotorácica e de toda a coluna para descartar a siringomielia.
O tratamento se baseia nos sintomas clínicos, e não nos achados de RNM, uma vez que a siringomielia é visível na RNM em 80% das crianças com mielomeningocele, mas é um problema clínico em somente 2% a 5% dos pacientes.[86]
A abordagem inicial do tratamento consiste na revisão da derivação, seguida pela descompressão da fossa posterior. Há controvérsias quanto ao uso de derivação siringopleural ou siringoperitoneal como tratamento primário. A maioria dos centros monitora a siringe após a cirurgia de descompressão, com um exame de RNM 3 a 6 meses depois. A derivação da siringe somente será colocada se a siringe evoluir durante esse intervalo de tempo.
Os índices de sensibilização entre pessoas com espinha bífida foram averiguados por diversas estratégias de testes imunológicos e variam de 23% a 73%.[185] A alergia ao látex (os sintomas incluem urticária, conjuntivite, angioedema, rinite, asma brônquica e anafilaxia) desenvolve-se em 8% a 72% das pessoas sensíveis ao látex.[186][187] Múltiplas cirurgias e uma história de atopia são os fatores de risco mais comumente identificados. O risco de reação ao látex aumenta com a idade.[188]
Todas as pessoas com espinha bífida devem ser consideradas com alto risco de ter uma reação alérgica e devem evitar o uso do látex tanto em ambientes de assistência à saúde como em casa e na comunidade.[163] As pessoas que já tiveram uma reação alérgica ao látex devem ser aconselhadas a usar uma pulseira de alerta médico e deve-se prescrever uma seringa de adrenalina autoinjetável.
Spina Bifida Association: latex and latex allergy guideline Opens in new window
Aproximadamente 30% das crianças com hidrocefalia controlada por derivação têm deficits de atenção, que são mais caracterizados pela deficiência na capacidade de desviar o foco que pela falta de atenção causada por impulsividade ou hiperatividade. Baixas doses de estimulantes podem ter um pequeno benefício para algumas dessas crianças.
Transtorno de deficit da atenção com hiperatividade em crianças
Com as alterações da curvatura espinhal e o afrouxamento dos ligamentos, podem ocorrer dorsalgia, ciática e possivelmente medula presa.
A resistência para andar pode ser afetada devido ao ganho de peso na gravidez.
Como resultado do aumento da pressão intra-abdominal devido ao crescimento do útero, existe um risco mais elevado de mau funcionamento da derivação ventriculoperitoneal.
Pode ser necessário aumentar o cateterismo intermitente para compensar a pressão na bexiga com a evolução da gestação.
O agravamento da constipação pode exigir um esquema intestinal mais agressivo, incluindo enemas.
O ganho de peso e mudanças na circulação podem aumentar o risco de úlceras por pressão; portanto, é necessário fazer movimentos de alívio da pressão (reajuste da posição) e um monitoramento cutâneo rigoroso.
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal