Etiologia

Nos EUA, a síndrome cardiopulmonar por hantavírus (SCPH) demonstrou resultar da exposição aos excrementos dos roedores contendo um dos hantavírus patogênicos identificados: vírus Sin Nombre (SNV), vírus Bayou (BAYV), vírus Black Creek Canal (BCCV), vírus New York (NYV) e vírus Monongahela (MONV).

Hantavírus coevoluíram com seus hospedeiros roedores, são assintomáticos no hospedeiro roedor e são transmitidos intraespécies através de mordidas e exposição à saliva. Infecções por hantavírus são predominantemente transmitidas a humanos através do contato acidental com saliva ou urina de roedores.[16] Contato com aerossol, contato com as membranas mucosas e exposição da pele não intacta a excrementos dos roedores, mordida de roedores e acidentes laboratoriais são possíveis rotas de exposição. A viabilidade dos hantavírus é de 2 a 3 dias em temperatura ambiente normal. Exposição à luz solar diminui o tempo de viabilidade.

Não foi demonstrada qualquer transmissão interpessoal de hantavírus na América do Norte. Os desfechos de 5 casos de infecção por vírus Sin Nombre na gestação incluíram 1 óbito materno e 2 perdas fetais. O exame de 2 autópsias fetais, 3 placentas, e o acompanhamento sorológico das 3 crianças sobreviventes não mostraram evidência de transmissão materno-fetal do SNV.[17]

A infecção pelo SNV provoca a SCPH em sua descrição clássica, com uma taxa de mortalidade estimada de 30% a 50%.[8][18] O BAYV e o BCCV, além de causarem SCPH, também podem provocar comprometimento renal significativo, mas em geral estão associados a taxas mais baixas de mortalidade.[3][5][6]

Na América Latina demonstrou-se que a SCPH decorre da infecção por hantavírus que é adquirido com maior frequência por contato ou por meio de aerossóis de fezes e secreções de roedores contaminados. Casos de transmissão humano-humano de hantavírus foram relatados em territórios da Argentina e do Chile.[19][20]​ No entanto, as evidências disponíveis não apoiam a possibilidade de transmissão entre humanos.[21]

No Chile, a transmissão entre pessoas foi documentada principalmente em grupos familiares. Em um estudo prospectivo, parceiros sexuais de um indivíduo infectado apresentaram um aumento de 10 vezes do risco de infecção comparado com outros contactantes domiciliares.[22] Contato próximo com uma pessoa doente durante a fase prodrômica da doença (12 a 27 dias após exposição inicial ao caso fonte) pareceram aumentar as chances de transmissão entre pessoas.[4]

Diversos estudos de pacientes infectados por hantavírus demonstraram a presença de vírus Andes (ANDV) em diferentes fluidos corporais como sangue, secreções respiratórias, fluido das fendas gengivais, saliva e urina. Essas observações podem explicar em parte por que é possível contrair o vírus por contato próximo com qualquer um desses fluidos de um paciente na fase prodrômica da doença.[23]

Foi relatada transmissão nosocomial em dois casos em um hospital no Chile.[20] Estudos de soroprevalência anteriores conduzidos no Chile com profissionais da saúde trabalhando em hospitais onde pacientes com infecção por ANDV foram tratados mostraram que a presença de anticorpos IgG anti-ANDV em trabalhadores da área da saúde foi semelhante àquela da população geral.[24]

Na América no Norte, a infecção por hantavírus humano assintomática é rara, com uma soroprevalência de menos de 1% em populações assintomáticas de alto risco. Por outro lado, na América Central e do Sul, em regiões como Chaco no Paraguai, a evidência sorológica de infecção pregressa com hantavírus chega a mais de 40%.[25] O número de indivíduos soropositivos para hantavírus sem SCPH é muito maior que o número de casos de SCPH no Brasil, levando à conclusão de que muitas das infecções por hantavírus na área são assintomáticas.[26] No Chile, uma pesquisa sorológica realizada em pessoas aparentemente saudáveis de comunidades rurais e favelas urbanas mostrou uma soroprevalência de 1.07%. Uma proporção maior de amostras positivas foi encontrada entre indivíduos de vilas rurais e favelas, comparado com fazendas.[27][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Peromyscus maniculatus: o camundongo cervo, vetor para o vírus Sin Nombre (SNV), que causa a maioria dos casos de síndrome cardiopulmonar por hantavírusDa CDC Public Health Image Library (PHIL), James Gathany [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@18d13392

Fisiopatologia

Após a exposição inalatória ao hantavírus em fezes de roedores, há um período de incubação de 9 a 33 dias (mediana de 14 a 17 dias, e até 3 semanas após mordida de roedor), durante o qual o vírus se replica em macrófagos pulmonares e células dendríticas sem causar morte celular e é distribuído para órgãos linfoides.[28][29][30] Uma viremia é produzida, a qual infecta células endoteliais-alvo e estimula células T. O hospedeiro produz um anticorpo neutralizante que pode mitigar a gravidade da infecção.[31] Células T imunoestimuladas são distribuídas para áreas de concentração de hantavírus, particularmente os pulmões e o interstício cardíaco.[32] Uma síndrome viral inespecífica com mialgias e sintomas gastrointestinais predominantemente graves surge em seguida, mas geralmente não é reconhecida. Em casos raros, a doença não evolui;[33] entretanto, os pacientes geralmente são hospitalizados em até 5 dias, apresentando insuficiência respiratória progressiva com edema pulmonar, acidose metabólica e choque cardiogênico.

A doença progressiva resulta da alteração na função das células endoteliais infectadas e da produção local de citocinas pelas células T, que causam extravasamento capilar nos órgãos-alvo.[34][35] O extravasamento capilar pode ser resultado de hantavírus patogênicos usando uma variável alfa do ligante de integrina beta-3 nas superfícies das células endoteliais e das plaquetas, causando uma alteração tanto na migração como na função de barreira das células endoteliais.[30][36]

Estudos de um exemplar de síndrome pulmonar por hantavírus (SPH) no hamster da Síria sugerem um efeito direto do Hantavírus sobre as plaquetas em repouso, através da ligação com a integrina beta-3 plaquetária, resultando em ligações cruzadas entre plaquetas e fixação nas superfícies endoteliais. Também ocorre ligação com a integrina beta-3 nas células endoteliais em repouso, com interrupção da atividade receptora do fator de crescimento endotelial vascular, aumento na fosforilação e internalização da caderina endotelial vascular, e perda de competência nas zônulas de oclusão das células.[37]

Também foi demonstrado que todos os hantavírus patogênicos têm um gatilho de ativação do imunorreceptor baseado em tirosina em seus invólucros de glicoproteínas G1, que pode modular as funções celulares endotelial e imunológica e a sinalização celular a jusante.[38] Células mononucleares sensibilizadas infiltram-se nos pulmões, no interstício miocárdico e no baço, produzindo citocinas, particularmente fator de necrose tumoral alfa e gamainterferona, resultando em edema pulmonar e miocardite.[39][40] Os hantavírus também podem se ligar a receptores de integrinas beta-2 em neutrófilos e induzir a liberação de armadilhas extracelulares neutrofílicas.[41]

Classificação

Taxonomia do hantavírus norte-americano[2][3]

Família: Bunyaviridae

Gênero: Hantavírus

Hantavírus clinicamente significativos no Novo Mundo, identificados nos EUA e associados à síndrome cardiopulmonar por hantavírus (SCPH), incluem:

  • vírus Sin Nombre (SNV)

  • Vírus Bayou (BAYV)

  • vírus Black Creek Canal (BCCV)

  • vírus New York (NYV)

  • vírus Monongahela (MONV).

Taxonomia de hantavírus sul-americanos e central-americanos[4]

Família: Bunyaviridae

Gênero: Hantavírus

Com base em estudos filogenéticos, as cepas do hantavírus da América do Sul foram separadas em três clados monofiléticos: clado Andes, Laguna Negra e Rio Mamoré. Cada um desses clados foi classificado como uma espécie única.

O clado Andes (ANDV)

  • Encontrado na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.

  • Pode ser subdividido em três grupos bem validados:

    1. Castelo dos Sonhos (CASV)

    2. Pergamino (PERV)/Maciel (MACV)/Araraquara (ARQV)/Paranoá (PARV)

    3. Oran (ORNV)/Bermejo (BMJV)/Lechiguanas (LECV)/Andes Central Plata (ACPV).

  • Não estão incluídos em nenhum desses três subgrupos os genótipos Juquitiba (JUQV), Araucaria (ARAUV) e Itapua (ITPV).

O clado Laguna Negra (LANV):

  • Encontrado na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai.

  • Inclui apenas o vírus Laguna Negra.

O clado Rio Mamoré (RIOMV)

  • Encontrado no Brasil, Bolívia, Guiana Francesa, Paraguai e Peru.

  • Inclui, entre outros, RIOMV, vírus Anajatuba (ANJV) e vírus Maripa (MARV), todos associados à síndrome cardiopulmonar por hantavírus (SCPH).

Outros subtipos de hantavírus que não estão incluídos em quaisquer desses três clados são:

  • Choclo virus (CHOV), encontrado no Panamá

  • Jabora virus (JABV), encontrado no Brasil

  • Cano-del-gadito virus (CADV), encontrado na Venezuela.

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