Abordagem

Com exceção das taxas de compressão e respiração da RCP, doses de energia de desfibrilação, taxas de ventilação e doses de medicamentos, aplicam-se princípios semelhantes aos tratamentos de pacientes adultos e pediátricos após um afogamento.

A "Cadeia de Sobrevivência do Afogamento" refere-se a uma série de intervenções que, quando colocada em prática por pessoas leigas ou profissionais, podem reduzir a morbidade e a mortalidade associadas ao afogamento.[17][47]

Os links da cadeia são os seguintes:

  • Prevenção – manter-se seguro na água e perto dela

  • Reconhecer sofrimento – solicitar que alguém peça ajuda

  • Oferecer flutuação – para evitar submersão

  • Remover da água – somente se for seguro

  • Oferecer cuidados conforme necessário – procurar atendimento médico

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Cadeia de Sobrevivência do AfogamentoSzpilman et al. Creating a drowning chain of survival. Resuscitation. 2014 Sep;85(9):1149-52. Usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@dde9e42

A gravidade da lesão, determinada pela classificação da gravidade do afogamento,​​ determina a abordagem inicial do tratamento. O foco primário é a reversão oportuna da hipoxemia sistêmica para prevenir uma lesão neurológica secundária.[17][45]

Resgate da água

Os links a seguir da Cadeia de Sobrevivência do Afogamento são pertinentes:[48]

  • Reconhecer o sofrimento e pedir ajuda para garantir uma ativação rápida dos serviços profissionais de resgate e emergência médica.

  • Oferecer flutuação para interromper o processo de afogamento. Uma pessoa que não for devidamente treinada em resgate avançado na água jamais deve entrar na água para tentar um resgate. Se possível, é mais seguro jogar um objeto ou manobrar uma embarcação até a pessoa.[41]

  • Se for seguro fazê-lo, retire o paciente da água o quanto antes possível. Uma vez em terra, coloque-o na posição horizontal para otimizar o fluxo sanguíneo para o cérebro sem aumentar o risco de aspiração, e mantenha as vias aéreas abertas.[48]

  • Dados retrospectivos sugerem que, para o paciente inconsciente, a ventilação na água por indivíduos treinados pode aumentar a probabilidade de alta neurologicamente intacta do hospital.[37]​​[48][49]​​ No caso de ausência de resposta à ventilação na água, deve-se pressupor parada cardíaca no paciente. Não se deve tentar fazer compressões torácicas enquanto se estiver na água.[41]​ Todos os pacientes que estiverem se afogando e não tiverem pulso devem ser retirados da água o mais rapidamente possível para que a ventilação e as compressões torácicas efetivas possam ser iniciadas.[41]

A restrição rotineira da movimentação da coluna não é indicada para a maioria das pessoas que se afogam porque a incidência de lesões na coluna cervical é extremamente baixa.[37][43][44]​​ Deficit neurológico focal, estado mental alterado ou história de atividade de alto risco sugerem um maior risco de lesão vertebral.[41]​​​ Se houver suspeita de lesão na coluna cervical, esta deverá ser mantida na linha média, mas a tentativa de restringir o movimento com colares cervicais ou pranchas para a coluna nunca deve impedir os esforços de ressuscitação.

Alta pré-hospitalar ou transferência para um hospital

Os pacientes adultos e pediátricos sintomáticos que estiverem conscientes, alertas e com tosse, mas com ausculta pulmonar normal (grau 1) podem ser considerados para alta do atendimento no local se, após 10 a 15 minutos de observação cuidadosa, atenderem a todos os seguintes critérios:[50]

  • Ausência de tosse

  • Frequência respiratória normal

  • Circulação normal conforme medido por pulso em termos de força e frequência e/ou pressão arterial

  • Cor e perfusão cutânea normais

  • Ausência de tremores

  • Totalmente consciente, acordado e alerta.

Os pacientes e cuidadores que atenderem a esses critérios devem receber orientação sobre segurança na água antes da liberação.

Embora complicações pulmonares tardias sejam raras, as pessoas que tiverem sido foram resgatadas da água devem ser orientadas a procurar atendimento médico imediatamente se desenvolverem tosse, dispneia, febre ou qualquer outro sintoma preocupante no período das 8 horas subsequentes.[51]​ Esses casos representam uma piora progressiva de sintomas inicialmente leves que podem ter passado despercebidos.

Os pacientes adultos e pediátricos que tiverem estado submersos ou imersos em água e que necessitarem de qualquer forma de ressuscitação (incluindo respiração boca a boca somente) devem ser levados a um pronto-socorro para avaliação e monitoramento, mesmo que pareçam estar alertas e demonstrem função cardiorrespiratória efetiva no local.[37][48][51]

Manejo das vias aéreas

Estabelecer uma via aérea e fornecer oxigênio são prioridades na ressuscitação inicial.[41]​ Todos os pacientes de afogamento, exceto aqueles com oxigenação normal (grau 1, conscientes e alertas; tosse com ausculta pulmonar normal), devem receber oxigênio suplementar. O objetivo é fornecer a maior concentração de oxigênio possível, com o método determinado pela condição do paciente, mas a pressão positiva é preferível à ventilação passiva.[41]

  • Os pacientes que estiverem protegendo as vias aéreas com respiração levemente forçada podem ser testados com oxigênio por máscara facial a uma taxa de 15 litros de oxigênio por minuto, com um objetivo de SpO₂ entre 92% e 96%.[46][52]

  • A hipóxia com risco de vida deve ser tratada com oxigênio inspirado a 100% até que a saturação de oxigênio no sangue arterial ou a pressão parcial de oxigênio arterial possam ser medidas com segurança. Uma vez que a SpO₂ possa ser medida de forma confiável ou os valores da gasometria arterial sejam obtidos, o oxigênio inspirado deve ser ajustado para se atingir uma saturação de oxigênio no sangue arterial de 94% a 98% ou uma pressão parcial de oxigênio arterial (PaO₂) de 10-13 kPa (75-100 mmHg).[36][38]

  • Se houver declínio no status ventilatório do paciente, no estado mental ou na SpO₂, proceda à intubação endotraqueal (IET).[36]

  • Se for necessária uma via aérea avançada, somente socorristas proficientes em intubar a traqueia devem usar a intubação traqueal, especialmente nos pacientes pediátricos.[36][48]​ O consenso entre os especialistas determina que uma taxa alta de sucesso significa acima de 95% em duas tentativas na intubação.[38]

  • Os pacientes que estiverem protegendo suas vias aéreas com aumento do esforço respiratório e precisarem de suporte, e estiverem com consciência suficiente para seguir ordens, podem ser testados com ventilação não invasiva com pressão positiva. A ventilação não invasiva com pressão positiva deve ser usada somente nos pacientes com sintomas respiratórios leves a moderados e que estiverem alertas; os pacientes com estado mental alterado e/ou vômitos ativos correm risco de aspiração.[41]​ Se o paciente não melhorar ou se houver deterioração clínica, proceda à IET.[53][54]

  • Pacientes que não estão respirando devem ser oxigenados pela aplicação de respiração boca-a-boca, boca-a-boca com máscara (máscara de bolso) ou reanimador manual autoinflável (RMA) como uma ponte para IET.[48]

  • Se a IET for realizada, a ventilação mecânica deverá seguir estratégias de ventilação semelhantes à da ventilação para síndrome do desconforto respiratório agudo.[46]​ Nos adultos, isso inclui ventilação mecânica com volumes correntes de 6-8 mL/kg-¹, com modificação apropriada para manter uma pressão de platô <30 mmHg e atingir uma PaO₂ de 55-80 mmHg (SpO₂ 89% a 95%) por meio do ajuste da pressão expiratória final positiva (PEEP) (começando em 5 cm H₂O e ajustada em incrementos de 2-3 cm H₂O) e da FiO₂.​[41][46]​​​​​​[55]​ Nos pacientes pediátricos, sugere-se uma pressão de platô inspiratório ≤28 cm H₂O. Para a síndrome do desconforto respiratório agudo pediátrica (SDRAP) leve/moderada, a SpO₂ deve ser mantida entre 92% e 97%. Para a SDRAP grave, após se otimizar a PEEP, uma SpO₂ menor que 92% é aceitável para reduzir a exposição excessiva à FiO₂.​[41][46][56]​​​ Uma vez estabelecida, a PEEP deve ser mantida inalterada por 24 horas para permitir a regeneração adequada do surfactante e o consequente recrutamento alveolar antes de uma tentativa de desmame. Um desmame precoce da ventilação mecânica pode causar o retorno do edema pulmonar com necessidade de reintubação, internação hospitalar prolongada e morbidade adicional.​[46][56]​​​​ Consulte Síndrome do desconforto respiratório agudo.

  • Se não houver equipamento de IET disponível, ou a avaliação das vias aéreas sugerir que a IET pode ser difícil, um dispositivo supraglótico poderá ser usado. Se o dispositivo supraglótico não proporcionar ventilação suficiente (por exemplo, porque o afogamento pode causar redução na complacência pulmonar exigindo altas pressões de insuflação), remova o dispositivo e mantenha as ventilações com RMA ou proceda à IET caso se torne disponível.[36][46]

  • Se houver atendimento avançado próximo e as ventilações por RMA forem adequadas para manter uma SpO₂ >95%, as ventilações por RMA devem ser mantidas como uma ponte para a IET no centro de atendimento avançado, especialmente ao tratar crianças.

  • O estômago deve ser descomprimido usando um tubo gástrico após concluir a ressuscitação inicial.[36]

  • A oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) pode ser indicada nos casos de hipóxia refratária a medidas iniciais de tratamento. Se os recursos e protocolos locais permitirem, as vítimas de afogamento que apresentam hipóxia devem ser encaminhadas a um centro equipado para ECMO após a ressuscitação inicial.[38]

Hipotermia

Hipotermia grave (temperatura corporal <30 ºC) pode ser associada à depressão acentuada de funções corporais importantes, de modo que o paciente pode parecer morto durante a avaliação inicial. As diretrizes de ressuscitação recomendam que a RCP deve ser continuada a menos que o paciente esteja inquestionavelmente morto. Os pacientes não devem ser considerados mortos até que se consiga fornecer aquecimento.[36][37][38]

Relatos de caso de pacientes afogados que sobreviveram a uma submersão prolongada e parada cardíaca são raros, e geralmente envolvem crianças pequenas que caíram em águas geladas.[12] Na maioria dos casos, a hipotermia tem prognóstico desfavorável.[57]

Os pacientes devem ser submetidos a reaquecimento passivo e ativo conforme indicado pela condição do paciente e dos recursos disponíveis:

  • O reaquecimento passivo (incluindo a remoção de roupas molhadas, além de secar e cobrir o paciente) é a opção de tratamento de escolha para casos leves.

  • Um reaquecimento externo ativo é indicado para a hipotermia moderada a grave. Além de cobrir o paciente com cobertores quentes, um sistema de manejo convectivo da temperatura pode ser usado para forçar o ar quente diretamente sobre o corpo do paciente para manter a temperatura corporal central.

  • O reaquecimento interno ativo, usado de forma isolada ou associado a reaquecimento externo ativo, é a estratégia mais agressiva e que exige mais recursos. As técnicas incluem reaquecimento das vias aéreas com oxigênio umidificado a 40 °C (104 °F), fluidoterapia intravenosa aquecida, e lavagem peritoneal. O aquecimento sanguíneo extracorpóreo é o método mais efetivo e aumenta a temperatura corporal central em 1 °C a 2 °C (1.8 °F a 3.6 °F) a cada 3 a 5 minutos.[58]

Consulte Hipotermia acidental.

Na parada cardíaca hipotérmica, os pacientes devem ser encaminhados a um centro capaz de fornecer suporte extracorpóreo (ECLS) após a reanimação inicial, se os recursos locais e os protocolos permitirem.[38] De preferência, o reaquecimento deve ser realizado com oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO), em vez de derivação cardiopulmonar. O reaquecimento não ECLS deve ser iniciado em um hospital periférico, caso não seja possível chegar a um centro de ECLS em algumas horas (por exemplo, 6 horas).[38]

O controle direcionado da temperatura (TTM) é recomendado para pacientes adultos e pediátricos após uma parada cardíaca fora do hospital ou intra-hospitalar (PCFH ou PCIH) com qualquer ritmo inicial que permaneça sem resposta clínica após o retorno da circulação espontânea (RCE). Nos adultos, uma temperatura alvo em um valor constante entre 32 °C e 36 °C (89.6 °F e 96.8 °F) deve ser mantida por pelo menos 24 horas. A febre (>37.7 °C[>99.9 °F]) deve ser evitada por pelo menos 72 horas após o retorno da circulação espontânea nos adultos que permanecerem em coma.[59]​ Princípios semelhantes se aplicam ao tratamento dos pacientes pediátricos, embora existam evidências de uma temperatura alvo entre 32 °C e 37.5 °C (89.6 °F e 99.5 °F) por 5 dias.[60]​ Uma febre de ≥38.0 °C (≥100.4 °F) em uma criança deve ser agressivamente reduzida.[60]

Ressuscitação cardiopulmonar (RCP)

Os pacientes adultos e pediátricos com parada cardiopulmonar (grau 6) devem receber 5 respirações de resgate antes do início das compressões do tórax.[46] Isso serve para abordar o problema primário de hipoxemia em um paciente com água nas vias aéreas.[46] A parada cardíaca após afogamento é geralmente causada por hipóxia; portanto, a respiração de resgate é importante para aumentar a probabilidade de retorno da circulação espontânea. Isso difere da parada cardíaca súbita de etiologia cardíaca, na qual o indivíduo geralmente entra em colapso com o sangue totalmente oxigenado e, portanto, as compressões são geralmente recomendadas primeiro como uma ponte para a desfibrilação.[48]​ A RCP deve ser iniciada com uma respiração às taxas de compressão de 30:2 para os adultos e 15:2 para as crianças.[36]

Para os adultos, se for realizada uma intubação endotraqueal, utilize compressões contínuas com uma respiração a cada 6 segundos.[36]

Durante o manejo de uma parada cardiorrespiratória pediátrica, uma vez que se tenha uma sonda traqueal instalaa, devem-se realizar compressões torácicas contínuas. Nesse caso, as ventilações devem se aproximar do limite inferior da taxa normal para a idade:

  • Lactentes: 25 respirações por minuto

  • Crianças de 1-8 anos: 20 respirações por minuto

  • Crianças de 8-12 anos: 15 respirações por minuto

  • Crianças >12 anos: 10-12 respirações por minuto.[61]

Se houver um desfibrilador automatizado ou manual disponível, ele poderá ser aplicado com segurança, desde que não impeça ventilações por pressão positiva e RCP de alta qualidade; a maioria dos pacientes com parada cardíaca por afogamento terá atividade elétrica sem pulso ou assistolia.​​[41][48][62]​​ A RCP não deve ser adiada para a desfibrilação após uma parada cardíaca relacionada a afogamento.[48]

Não são recomendadas compressões abdominais.[41]

O estômago deve ser descomprimido usando um tubo gástrico após concluir a ressuscitação inicial.[36]

Os medicamentos de suporte avançado à vida em cardiologia devem ser administrados de acordo com os protocolos locais, considerando-se que a reversão da hipoxemia é a prioridade. Siga os protocolos locais atuais para o manejo de paradas cardíacas, incluindo a seleção de medicamentos e doses adequados. Consulte Parada cardíaca para obter informações mais detalhadas sobre o tratamento de adultos.

Internação ou alta do paciente após o manejo inicial

Após o manejo inicial, a internação hospitalar, o nível de intensidade do atendimento ou a alta dependem da classificação inicial da gravidade do afogamento​​ e da resposta do paciente ao tratamento.[17][45]

  • Os pacientes adultos e pediátricos de grau 1 (conscientes e alertas; tosse com ausculta pulmonar normal) que chegarem ao pronto-socorro poderão ser observados sem oxigênio por algumas horas e liberados se os sinais vitais, os sintomas, o exame pulmonar e a atividade mental permanecerem normais.[17][63][64]

  • Os pacientes adultos e pediátricos de grau 2 a 6 (considerando-se que os pacientes de grau 2 apresentam estertores em alguns campos pulmonares) devem ser encaminhados para cuidados avançados.

    • Pacientes adultos e pediátricos de grau 2: considerar um período de observação de 6 horas no pronto-socorro. Se o paciente não precisar de oxigênio suplementar por esse período, com sinais vitais e atividade mental normalizados, e não houver outras condições clínicas/traumáticas que requeiram tratamento, considere a alta com acompanhamento estrito.[63][64] Se precisar de oxigênio suplementar, os sinais vitais ou a atividade mental não estiverem normalizados, o acompanhamento for precário ou se o paciente/família não estiver confortável para retornar para casa, interne o paciente em uma unidade não intensiva.

    • Os pacientes dos graus 3 a 6 (considerando-se que os pacientes de grau 3 apresentam edema pulmonar agudo) devem ser internados na unidade de terapia intensiva pediátrica ou adulta.

Terapias de suporte

A disfunção cardíaca com débito cardíaco baixo é comum imediatamente após os casos graves de afogamento em pacientes adultos e pediátricos, especialmente após o retorno da circulação espontânea.[15] Isso pode causar hipotensão, que pode ser corrigida com oxigenação, infusão rápida de cristaloides e restauração da temperatura corporal normal. Uma ecocardiografia pode ajudar a orientar o médico na titulação de agentes inotrópicos, vasopressores ou ambos, se houver falha na substituição do volume de cristaloides.[46] O débito urinário deve ser monitorado.

Não há evidências para dar suporte ao uso de fluidoterapia específica para afogamento em água salgada ou doce, ou para o uso de diuréticos ou a restrição de água no caso de edema pulmonar por afogamento.[15]

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