Abordagem

A regurgitação aórtica (RA) é geralmente detectada no exame clínico com um sopro diastólico ou, incidentalmente, durante uma avaliação ecocardiográfica por outras causas. O eletrocardiograma (ECG), a radiografia torácica e o ecocardiograma são realizados rotineiramente em todos os pacientes com características de RA.

RA aguda: quadro clínico

O paciente pode se apresentar com a ocorrência súbita de edema pulmonar e hipotensão ou em choque cardiogênico. Os pacientes também podem se apresentar com sinais e sintomas de isquemia miocárdica ou de dissecção da raiz aórtica.[1] Quando a regurgitação valvar é aguda, muitos dos achados característicos de RA crônica estão ausentes e a gravidade dos problemas pode ser subestimada. Por exemplo, durante o exame físico, pode não ser detectado aumento de tamanho do ventrículo esquerdo (VE) e o sopro diastólico pode ser curto e/ou suave em virtude da ocorrência de um equilíbrio da pressão diastólica entre a aorta e o ventrículo antes do final da diástole. A pressão de pulso pode não aumentar, em decorrência da pressão sistólica reduzida.[2]

Sinais e sintomas de edema pulmonar

  • Dispneia

  • Expectoração rósea e espumosa

  • Palidez e sudorese

  • Crepitações nas bases pulmonares

  • Sibilo (asma cardíaca).

Sinais e sintomas de choque cardiogênico

  • Palidez e/ou cianose, frieza ao toque com mosqueamento das extremidades

  • Evidências de hipoperfusão com estado mental alterado e diminuição do débito urinário

  • Pulsos periféricos rápidos e fracos

  • Estase jugular

  • Podem estar presentes o terceiro e o quarto som cardíaco

  • Arritmias

  • Dispneia.

Classicamente se apresenta isquemia miocárdica decorrente da baixa pressão de perfusão em RA aguda grave com dor torácica central esmagadora irradiando-se para a mandíbula ou para o braço esquerdo. A dissecção da raiz aórtica classicamente se apresenta com dor torácica irradiada para as costas.

RA aguda: investigação e exames de imagem

eletrocardiograma (ECG)

  • Determina qualquer arritmia e a frequência de taquicardia. Ele também descarta o diagnóstico de isquemia ou infarto do miocárdio.

Radiografia torácica

  • Pode não mostrar cardiomegalia, que é um achado característico para RA crônica. Pode haver evidências de edema pulmonar com sombreamento basal bilateral, derrames pleurais nos ângulos costofrênicos e fluido nas fissuras pulmonares.

Ecocardiograma transtorácico

  • Um dos melhores testes diagnósticos não invasivos para avaliar as valvopatias.[16]

  • Confirma a presença e a gravidade da regurgitação valvar, avalia o tamanho do VE (que geralmente é normal) e a função sistólica e determina uma causa.

Ecocardiograma transesofágico

  • Realizado se houver suspeita de dissecção da raiz da aorta: classicamente, os pacientes apresentam dor torácica que irradia para as costas.[1]

RA crônica: sintomas clínicos

Os pacientes têm uma evolução prolongada e permanecem assintomáticos por várias décadas. A disfunção sistólica VE muitas vezes precede o desenvolvimento de sintomas. Os pacientes podem permanecer assintomáticos com tolerância normal ao exercício mesmo em RA grave crônica decorrente de compensação VE.

Os sintomas iniciais podem incluir a desagradável sensação de batimentos cardíacos fortes ao deitar sobre o lado esquerdo em decorrência do contato mais próximo do VE aumentado com a parede torácica.[10] Frequentemente, ocorrem palpitações, secundárias a contrações ventriculares prematuras. Esses sintomas podem persistir por vários anos antes que ocorra a intolerância ao exercício. Com a disfunção sistólica progressiva, os pacientes se queixarão de sintomas típicos de insuficiência cardíaca congestiva, entre eles fadiga, fraqueza, ortopneia e dispneia paroxística noturna.[17]

Excepcionalmente, os pacientes poderão se queixar de angina sem doença arterial coronariana (DAC) em repouso ou com exercício. A isquemia miocárdica pode acarretar fibrose intersticial, que deteriora ainda mais a função sistólica VE. Síncope e morte súbita cardíaca são raras.

RA crônica: sinais clínicos

Pulso

  • O pulso arterial mostra uma rápida elevação e um rápido colapso (pulso de Corrigan ou em martelo d'água), acarretando pressão de pulso alargada >50 mmHg.

  • Existem múltiplos sinais hemodinâmicos periféricos epônimos associados a um pulso amplo e hipertensão sistólica ou RA crônica grave. A sensibilidade e especificidade desses sinais para o diagnóstico de RA são baixas e devem ser usadas apenas como evidências de suporte.[18]

Impulso apical

  • Difuso, hiperdinâmico e desviado para baixo e para a esquerda.

  • Um frêmito sistólico pode ser palpável sobre a base do coração ou na incisura jugular em virtude do volume sistólico elevado.

Sopros

  • O sopro da RA consiste em um som de alta frequência diastólico precoce decrescente em sopro, com melhor percepção com o diafragma do estetoscópio colocado logo depois de A2.[19] O sopro geralmente é suave e pode ser acentuado com o paciente em posição sentada, inclinando-se para frente e prendendo a respiração no fim da expiração.

  • O sopro decorrente de causa valvar é mais bem ouvido no terceiro e no quarto espaço intercostal na borda esternal esquerda. A regurgitação decorrente de dilatação aórtica resultante de dissecção ou de aneurisma é mais bem ouvida entre o segundo e o terceiro espaço intercostal. Manobras que aumentam a pressão arterial, como agachamento, acentuam o sopro, ao passo que a inalação de nitrato de amila ou Valsalva, que baixam a pressão arterial, diminuem a intensidade do sopro.

  • A RA moderada a grave às vezes está associada a um sopro do fluxo sistólico de ejeção depois de B1 por causa do fluxo de volume sistólico elevado através de uma valva aórtica não estenótica. O sopro consiste em um som sistólico com pico precoce que cresce e decresce, mais bem ouvido no segundo espaço intercostal direito, e pode ser diferenciado de um sopro de estenose aórtica pela ausência de um estalido na ejeção.


    Regurgitação aórtica (grave)
    Regurgitação aórtica (grave)

    Sons de ausculta: regurgitação aórtica (grave)


  • Outro sopro muitas vezes associado a RA grave é o sopro de Austin Flint. Consiste em um sopro diastólico médio a tardio, suave e retumbante, mais bem ouvido no ápice. Ele é produzido pelo contato entre um jato aórtico regurgitante e o endocárdio VE.[20] Um sopro de Austin Flint é diferenciado do sopro de estenose mitral pela ausência de um estalido de abertura e hiperfonese de B1.

Bulhas cardíacas

  • A RA crônica também está associada a alterações nas bulhas cardíacas. B1 pode ser decorrente da coaptação precoce dos folhetos da valva mitral em virtude da pressão diastólica final elevada. Com a crescente gravidade da RA, a pressão diastólica final pode elevar subitamente a pressão atrial esquerda, causando o fechamento diastólico uniforme da valva mitral.

  • A disfunção do VE pode acarretar B3 em galope ou, ocasionalmente, B4 decorrente de hipertrofia do VE. O fechamento inadequado da valva aórtica na RA grave pode causar A2 hipofonética ou mesmo ausência de A2.


    Galope de terceira bulha cardíaca
    Galope de terceira bulha cardíaca

    Sons de ausculta: galope de terceira bulha cardíaca



    Galope de quarta bulha cardíaca
    Galope de quarta bulha cardíaca

    Sons de ausculta: galope de quarta bulha cardíaca


RA crônica: exames de imagem e investigações

Os sinais físicos não são suficientemente específicos para julgar a gravidade da RA. Deve-se realizar uma ecocardiografia para avaliação da RA crônica sintomática e assintomática. Se o ecocardiograma for de qualidade insuficiente, pode-se solicitar uma angiocintilografia ou ressonância nuclear magnética (RNM) para avaliação da anormalidade valvar.

eletrocardiograma (ECG)

  • Normal no início da doença, mas mostra desvio do eixo esquerdo na RA crônica suportando sobrecarga de volume do VE. Também pode mostrar sinais de anormalidades de condução.[1]

Radiografia torácica

  • Cardiomegalia é um achado característico na RA crônica.

Ecocardiografia

  • Para pacientes assintomáticos com RA crônica, o diagnóstico pode ser estabelecido por meio de um ecocardiograma de boa qualidade, não sendo necessários exames diagnósticos adicionais.[1] Esse exame permite a visualização da origem do jato regurgitante e sua largura e a detecção da causa da patologia da valva aórtica. Um ecocardiograma transtorácico geralmente é adequado, mas pode ser usado um ecocardiograma transesofágico se a qualidade do ecocardiograma transtorácico for inadequada.[1][21]

  • A ecocardiografia bidimensional ajuda na avaliação da anatomia valvar e do impacto da sobrecarga de volume sobre o tamanho e a função ventricular. O exame de imagem de modo M avalia indiretamente a RA ao detectar o fechamento prematuro da valva mitral e vibração diastólica do folheto mitral anterior a partir do jato aórtico regurgitante.

  • A ecocardiografia Doppler é a técnica mais específica usada para a detecção da gravidade da regurgitação. Vários índices são usados para avaliar a gravidade. A dopplerfluxometria colorida fornece a visualização da origem do jato regurgitante e de sua largura. Existem vários métodos de Doppler de onda pulsada e contínua que fornecem indicações para a gravidade da RA. Esses métodos incluem Doppler de fluxo colorido, de onda pulsada e de onda contínua.

Teste ergométrico

  • Na RA crônica grave, se a atividade física do paciente for mínima ou se os sintomas forem duvidosos, o teste ergométrico é útil para avaliar o status funcional e a resposta sintomática.[1]

Cateterismo cardíaco, angiografia ou RNM

  • Em pacientes assintomáticos com RA crônica, se a qualidade do ecocardiograma for inadequada para avaliar a função VE, pode ser usada angiocintilografia ou RNM.[1][22]

  • Em casos de RA aguda, o cateterismo do coração direito e esquerdo mostra intensas elevações da pressão diastólica final VE e da pressão propulsora capilar pulmonar (PPCP) em decorrência da súbita sobrecarga de volume de um VE de tamanho normal. A pressão diastólica final VE muitas vezes é muito mais elevada que a PPCP devido ao fechamento precoce da valva mitral.

  • A angiografia também é usada para avaliar a anatomia coronariana em pacientes com alto risco de DAC e que serão submetidos a reparo/substituição cirúrgica da valva aórtica. Nesse contexto, homens com idade >35 anos, mulheres em período pré-menopausa com idade >35 anos com fatores de risco para DAC e mulheres menopausadas devem se submeter à angiografia coronariana.

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