Abordagem
O diagnóstico de depleção de volume depende da suspeita clínica, história cuidadosa e exame físico, com suporte da investigação laboratorial adequada.
Crianças e idosos estão em maior risco devido à capacidade mais limitada de compensar a perda de volume e potencialmente capacidade diminuída de comunicar os sintomas. Outros fatores de risco incluem terapia com diuréticos e níveis reduzidos de consciência com acesso limitado a líquidos.
Anamnese e exame físico
Em casos de hemorragia, geralmente existirão evidências clínicas claras ou contexto histórico que indicam a probabilidade de depleção de volume. Fraturas, lacerações e lesões por esmagamento podem rapidamente causar depleção substancial de volume, com resultante hipotensão e taquicardia compensatória. No entanto, mesmo na ausência de lesão evidente, o potencial para hemorragia intra-abdominal ou intratorácica oculta deve sempre ser considerado.
Com depleção de volume de início agudo e não traumático, o diagnóstico pode ser mais difícil. Os sinais e sintomas clínicos não devem ser usados isoladamente para detectar o estado de hidratação.[6]
Entretanto, características da história e do exame físico que dariam suporte a um diagnóstico de depleção de volume incluem:
Hipotensão ortostática, taquicardia postural e tontura postural
Estas são características importantes a elicitar. Sempre que possível, os sinais vitais devem ser verificados nas posições supina e ortostática, pois a mudança postural muitas vezes pode revelar um aumento significativo na frequência do pulso e uma diminuição na pressão arterial na posição ortostática.[2][5] Quando há suspeita de hemorragia, a tontura postural tem uma sensibilidade de 22% para sangramento moderado e de 97% para sangramento grave.[2] A especificidade é 98%.[2] Esse achado é menos bem estabelecido com depleção de volume decorrente de outras causas.[2] A tontura postural também pode ser um sinal de outras condições diferentes da depleção de volume, como insuficiência autonômica.
A hipotensão ortostática é definida como uma diminuição de >20 mmHg na pressão arterial sistólica da posição supina para a posição ortostática e/ou uma queda na pressão diastólica de >10 mmHg em 3 minutos após ficar em pé ou inclinar a cabeça para cima a partir da posição supina, embora isso também possa ocorrer em casos de insuficiência autonômica ou de tratamento com certos medicamentos anti-hipertensivos.[2][20][21] Em casos em que a PA sistólica do paciente é <90 mmHg, geralmente não é necessário e é até perigoso verificar os sinais vitais ortostáticos.[21]
Um aumento na frequência do pulso de >15 batimentos por minuto indica alterações ortostáticas significativas.[22] Um aumento na frequência do pulso de >30 batimentos por minuto da posição supina para a ortostática tem uma sensibilidade de 22% para sangramento moderado e de 97% para sangramento grave. A especificidade é 98%. Esse achado é menos bem estabelecido com depleção de volume decorrente de outras causas.[2]
Sede
A sede é um sintoma inespecífico que pode ser observado com depleção de volume quando associada a deficit real de água (ou seja, desidratação com hipernatremia), que pode ocorrer com ou sem hipovolemia concomitante.
Fadiga
Embora inespecífica, pacientes com depleção de volume frequentemente relatam fadiga, que é uma manifestação da diminuição da perfusão dos tecidos.
Cãibras musculares
Estas podem ser um reflexo da diminuição da perfusão dos tecidos ou de anormalidades eletrolíticas.
Dor abdominal
Algumas pessoas, especialmente idosos, podem ter alterações ateroscleróticas da vasculatura mesentérica de gravidade suficiente de modo que a depleção de volume pode desencadear dor abdominal isquêmica, às vezes chamada angina abdominal. Contudo, a dor abdominal também pode ser um sintoma de sangramento intra-abdominal, obstrução intestinal ou pancreatite, que também podem ser uma causa de depleção de volume.
Dor torácica
De modo semelhante, pacientes com aterosclerose coronariana podem sofrer isquemia cardíaca e angina devido à hipotensão associada à depleção de volume.
Confusão
Um sinal inespecífico, mas pode refletir fluxo sanguíneo cerebral inadequado ou uremia associada ao comprometimento da função renal.
Turgor cutâneo diminuído
Sugere desidratação. Este sinal, embora relevante para pacientes de todas as idades, é menos útil em idosos, pois eles têm elasticidade da pele diminuída como parte do envelhecimento.[8][23]
Membranas mucosas ressecadas
Geralmente reflete desidratação associada. Não é um sinal muito útil em casos de depleção de volume aguda relacionada à hemorragia.
Fontes de perda de volume
Quando um diagnóstico de depleção de volume está sendo considerado, é importante identificar todas as fontes possíveis de perda de volume, pois elas determinam o manejo mais adequado.
Sangramento
O sangramento suficiente para manifestar alterações clínicas geralmente não é sutil. O sangramento pode ser decorrente de hematêmese, melena, hematoquezia ou lesões traumáticas evidentes. O sangramento menos aparente, como hemorragia intra-abdominal ou lesão por esmagamento causando hemorragia em um músculo grande, também pode causar hipovolemia. A coxa, por exemplo, pode reter litros de sangue apesar de apenas um edema mínimo aparente.[24][25] O sangramento maciço também pode ocorrer com uma catástrofe vascular, como um aneurisma roto da aorta abdominal, em que a dorsalgia pode ser o único sintoma inicial.
Perdas gastrointestinais
Os pacientes podem descrever diarreia e/ou vômitos frequentes e não serem capazes de manter ingestão oral adequada para compensar as perdas. Os pacientes internados podem apresentar depleção de volume devido a grandes perdas de volume decorrentes da sucção nasogástrica ou drenagem enteral se eles não receberem manutenção adequada ou reposição de líquido.
Perdas renais
Pode ser difícil documentar ou confirmar o aumento do débito urinário, pois os pacientes não registram rotineiramente os débitos urinários diários. A depleção de volume decorrente de causas renais ocorre se há perda contínua de líquidos e solutos urinários sem a reposição adequada. Um paciente pode apresentar história de poliúria no contexto de diabetes não controlado ou enquanto recebe medicamentos diuréticos.
Perdas cutâneas
As perdas decorrentes de sudorese isolada também podem causar hipovolemia quando há acesso limitado a reposição de solutos e água. Isso geralmente é observado em condições de calor extremo e esforço físico pesado. A perda de líquido decorrente de queimaduras tem maior probabilidade de causar hipovolemia clinicamente significativa, pois o líquido perdido tem uma composição semelhante ao plasma enquanto o suor é hipotônico.
Perdas respiratórias
Estas raramente são suficientes para resultar em depleção de volume, mas podem ocorrer em pacientes que perdem uma grande quantidade de líquido por meio de um derrame pleural em drenagem ou decorrente do aumento nas secreções brônquicas.
Sequestro para o terceiro espaço
O líquido extracelular fica sequestrado em um espaço diferente do espaço intersticial ou intravascular. Exemplos incluem pancreatite grave (líquido no espaço retroperitoneal), obstrução intestinal (líquido no trato gastrointestinal), lesão por esmagamento (líquido no músculo desvitalizado ou danificado) e peritonite (líquido no espaço peritoneal).[11]
Testes diagnósticos
O tratamento de casos clinicamente confirmados de depleção de volume deve ser instituído imediatamente. Todavia, investigações laboratoriais ajudam a diagnosticar a gravidade e as causas subjacentes da depleção de volume (principalmente em situações menos agudas) e são importantes para orientar e monitorar o tratamento após a fase inicial de tratamento.
Os testes iniciais devem incluir:
Perfil metabólico básico (sódio, potássio, cloreto, bicarbonato, nitrogênio ureico no sangue, creatinina, glicose, cálcio): a desidratação geralmente manifesta-se com hipernatremia. Hipocalemia e diminuição do bicarbonato podem ser observadas na diarreia. O nível elevado de glicose sérica pode causar diurese osmótica. A creatinina sérica e a ureia podem estar elevadas no contexto de lesão renal aguda. Uma proporção ureia/creatinina >20:1 infere deficiência de fluxo sanguíneo renal e azotemia pré-renal, que muitas vezes acompanha a depleção de volume.[26] No entanto, a ureia também pode estar elevada no sangramento gastrointestinal ou nos estados hipercatabólicos, ou com terapia com glicocorticoides.
Para adultos com suspeita de sepse, as diretrizes da Surviving Sepsis Campaign sugerem a medição do lactato no sangue.[27] A presença de um nível de lactato elevado ou normal aumenta ou diminui, respectivamente, a probabilidade de um diagnóstico final de sepse em pacientes com suspeita de sepse. O nível de lactato sérico deve ser interpretado levando em consideração o contexto clínico e outras causas de lactato elevado.[27] O lactato sérico é avaliado de forma mais confiável usando uma amostra de gasometria arterial.[28] No entanto, na prática, usa-se geralmente uma amostra de gasometria venosa, por ser geralmente mais fácil e mais rápida de se obter em comparação à gasometria arterial. Na maioria dos pacientes não são colhidas amostras de gasometria arterial a menos que haja um comprometimento respiratório. O lactato sanguíneo é recomendado no choque hemorrágico como um teste sensível para estimar e monitorar a extensão da hipoperfusão do tecido devido à hipotensão e ao sangramento.[29] A determinação do lactato pode ser particularmente importante no traumatismo penetrante, onde sinais vitais, como pressão arterial, frequência cardíaca e frequência respiratória, não refletem de forma confiável a gravidade da lesão.[29][30]
Hemograma completo (para mostrar hemoglobina e hematócrito): um nível de hematócrito elevado pode significar hemoconcentração devido à depleção de volume plasmática. Por outro lado, uma diminuição aguda da hemoglobina e do hematócrito pode ser indicativa de sangramento maciço. Recomenda-se o uso de medições repetidas de hemoglobina e/ou hematócrito como marcador laboratorial de sangramento, pois um valor inicial na faixa normal pode mascarar o sangramento em fase inicial.[29]
Urinálise: uma gravidade específica elevada da urina pode dar suporte a um diagnóstico de desidratação. Aumentos na gravidade específica podem não ser tão acentuados em idosos, em comparação com pessoas mais jovens, apesar da presença de desidratação.[6][8]
Na sepse, a medição seriada da procalcitonina pode ser útil como um guia quanto à necessidade de continuar ou interromper antibióticos empíricos, em associação com a avaliação clínica.[27][31][32] Sódio urinário, cloreto urinário, creatinina urinária, nitrogênio ureico urinário, excreção fracionada de sódio e/ou ureia e osmolalidade urinária também podem ser adequados para avaliar a resposta renal à depleção de volume ou a etiologia da insuficiência renal aguda concomitante. Sódio urinário ou cloreto urinário <20 mmol/L (mEq/L) sugere depleção de volume. A excreção fracionada de sódio também pode ser calculada pelo uso da fórmula a seguir: (sódio urinário x creatinina plasmática)/(sódio plasmático x creatinina urinária) x 100.[33] Excreção fracionada de sódio <1% sugere azotemia pré-renal, que é um reflexo do hipofluxo sanguíneo para o rim que pode ser observado na depleção de volume. Excreção fracionada de sódio baixa também pode ser observada em glomerulonefrite, síndrome hepatorrenal, rejeição de enxerto renal e lesão renal aguda induzida por contraste.[33] A excreção fracionada de sódio pode não ser precisa no contexto de uso de diuréticos.[3] Nesse caso, a excreção fracionada de ureia pode ser calculada usando a seguinte fórmula: (ureia urinária x creatinina plasmática)/(ureia plasmática x creatinina urinária) x 100%. Excreção fracionada de ureia <35% sugere azotemia pré-renal e é útil se o paciente teve exposição a diuréticos. Uma osmolalidade urinária >450 mOsm/kg ocorre devido à conservação de água pelo rim, mediada pelo hormônio antidiurético.[33] Isso ocorre em resposta à hipertonicidade decorrente de desidratação ou desidratação com depleção de volume. Isso não é observado se a capacidade de concentração urinária estiver prejudicada. Consulte Lesão renal aguda.
A gasometria arterial pode ser obtida para ajudar a avaliar o estado ácido-básico do paciente. Isso é importante, pois baixos níveis de bicarbonato podem ocorrer com diarreia prolongada ou altos níveis de bicarbonato com vômitos prolongados. Hipotensão e depleção de volume efetiva decorrente de choque geralmente causam acidose láctica.
Lavagem nasogástrica, exame retal ou exame de sangue oculto nas fezes são realizados no contexto de sangramento gastrointestinal não crítico. A endoscopia digestiva alta e/ou colonoscopia podem ser usadas para identificar, e potencialmente intervir em fontes de hemorragia digestiva.
A ultrassonografia e/ou tomografia computadorizada podem ser apropriadas para identificar sequestro do terceiro espaço ou sangramento interno como causa de perda de volume no cenário apropriado.
A coprocultura pode ser adequada em casos de diarreia grave.
A ultrassonografia no local de atendimento (POCUS) pode ser usada como uma ferramenta à beira do leito rápida e não invasiva para avaliar o volume em qualquer ambiente, incluindo o pronto-socorro e a unidade de terapia intensiva. Permite avaliar a dimensão da veia cava inferior (VCI) e a compressibilidade da VCI. A POCUS dos pulmões pode mostrar linhas B consistentes com congestão pulmonar.[34] A POCUS também pode ser usada por pacientes em diálise para ajustar a ultrafiltração durante a diálise.[35] O rendimento da POCUS depende do operador.
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