Abordagem
O diagnóstico de síndromes de neoplasia endócrina múltipla (NEM) envolve o rastreamento cuidadoso de pacientes com tumores endócrinos. Haverá suspeita diagnóstica se diversos sintomas estiverem presentes. O diagnóstico de NEM1 é baseado em pacientes que têm 2 ou mais tumores associados ao NEM1, ou 1 tumor associado e um parente de primeiro grau com a doença, ou com base na genética isolada com uma mutação patogênica de NEM1 diagnosticada.[3]
Fatores históricos
Os sintomas de hiperparatireoide estão presentes em pelo menos 90% dos pacientes com NEM1 e são a primeira manifestação da síndrome na maioria dos casos.[8] A idade média no diagnóstico de hiperparatireoidismo é anterior aos casos esporádicos (<40 anos) e inclui sintomas de hipercalcemia: cálculos renais (de nefrolitíase), dor abdominal, constipação e, em casos graves, confusão e desidratação; e redução da mineralização óssea (osteopenia, osteoporose).[8]
Os sintomas da hipersecreção dos hormônios do adenoma hipofisário incluem amenorreia, disfunção erétil e infertilidade (de hiperprolactinemia); aumento progressivo das mãos, dos pés e do rosto (em acromegalia), fácies de lua cheia, ganho de peso, facilidade para manifestar hematomas, cicatrização lenta das feridas (em hipercortisolismo) e/ou ansiedade, intolerância ao calor, tremor e perda de peso (do hipertireoidismo leve a moderado).[8]
As lesões adrenais geralmente são bilaterais, não funcionais e indolentes. No entanto, pode estar presente carcinoma adrenocortical (com sintomas de hipertensão, menstruação alterada, ganho de peso e/ou impotência).[38] Os feocromocitomas poderão ser assintomáticos se as catecolaminas forem convertidas em metabólitos inativos dentro do tumor. No entanto, se a hipersecreção de catecolaminas for episódica, os sintomas geralmente incluirão a tríade clássica de transpiração, palpitações e cefaleia. A secreção de catecolaminas também pode ser crônica.
As lesões pancreáticas (presentes em 30% a 75% dos pacientes) podem variar de microadenomas assintomáticos a carcinomas invasivos. Os sintomas de tumor neuroendócrino pancreático e intestinal podem incluir os sintomas da síndrome de Zollinger-Ellison como dor epigástrica, vômitos, diarreia, hematêmese e melena. Até 50% dos gastrinomas apresentam metástases ao serem diagnosticados.[30]
Pacientes com NEM2A podem apresentar sintomas de doença de Hirschsprung (dor abdominal e/ou hábito intestinal alterado) ou líquen amiloide cutâneo (erupção cutânea com ou sem prurido).[16][17]
Pacientes com NEM2B podem apresentar hábito marfanoide (alto e magro com dedos longos e palato alto e arqueado) e neuromas mucosos nos lábios, língua e pálpebras. Pacientes com câncer medular de tireoide e feocromocitoma associados a NEM2B têm um risco maior de metástase precoce, e isso deve ser avaliado quando as histórias são colhidas.[39][40]
Os pacientes com câncer medular da tireoide geralmente são relativamente assintomáticos; no entanto, os sintomas em pacientes com doença metastática hormonalmente ativa incluem rubor e diarreia.[7] Em estádios mais avançados, os sintomas da síndrome de Cushing podem se desenvolver (incluindo ganho de peso, facilidade para manifestar hematomas, cicatrização lenta das feridas e fraturas com pequeno trauma).[7]
História familiar
Os pacientes com casos familiares são aqueles com pelo menos um parente de primeiro grau com sintomas.[37] Os pacientes com história familiar de tumores endócrinos relevantes, sintomas relacionados à hipersecreção ou morte súbita (pode ocorrer com feocromocitoma) precisam passar por um novo rastreamento.
Exame físico
Pápulas faciais fibrosas e eritematosas (indicativas de angiofibromas faciais ou colagenomas) podem estar presentes em pacientes com NEM1. Na literatura, relata-se que entre 40% e 80% dos pacientes com NEM1 têm várias lesões faciais (>5);[41] no entanto, isso não costuma ser observado na prática clínica.
A hipertensão pode ser uma característica dos pacientes com hiperparatireoidismo e/ou feocromocitomas (com hipersecreção crônica de catecolaminas). Outros achados de feocromocitoma incluem palidez, taquicardia, tremor e uma queda postural na pressão arterial. Outros achados de hiperparatireoidismo incluem evidências de fraturas prévias devido à osteoporose, hematúria decorrente da nefrolitíase, calcificação córnea e, nos casos graves, confusão e desidratação.
Fácies de lua cheia, obesidade e osteoporose (a partir da síndrome de Cushing), aumento do tamanho das mãos, dos pés e do rosto (em acromegalia), taquicardia, lagoftalmia, tremor e pele quente (em tireotoxicose) e infertilidade podem estar presentes em pacientes com hipersecreção dos hormônios do adenoma hipofisário.
Nódulos palpáveis da tireoide, rubor e sinais tardios da síndrome de Cushing podem indicar câncer medular de tireoide.
A hemorragia digestiva (decorrente dos níveis elevados de gastrina) pode ser detectada em pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison.
O hábito marfanoide (alto, magro, com dolicostenomelia e aracnodactilia) e os neuromas mucosos contribuem para os fenótipos muito distintos dos pacientes com NEM2B.
Hepatomegalia e/ou linfadenopatia regional poderão ser evidentes se houver doença metastática.
Teste genético
As famílias afetadas precisam receber aconselhamento genético sobre o rastreamento de membros da família e das gerações futuras. Os membros da família deverão fazer o teste diretamente se as mutações familiares forem conhecidas; a análise do haplótipo pode ser usada para identificar os indivíduos afetados quando nenhuma mutação é identificada. O rastreamento é recomendado para pacientes com ≥2 tumores característicos ou pouca idade de início.[3][10]
A prevalência de NEM1 em tumores aparentemente esporádicos em geral é baixa, significando que as indicações para o teste genético são ambíguas. No entanto, o rastreamento genético para mutações NEM1 é necessário em pacientes com: idade precoce de início, como hiperparatireoidismo antes dos 40 anos de idade; vários tumores na mesma glândula ou órgão, independentemente da idade; e alguns tumores endócrinos, como gastrinomas e TNEs tímicos.[8] Resultados de teste negativos não descartam NEM1 em pacientes que atendem aos critérios clínicos apropriados, pois entre 5% a 25% dos pacientes com NEM1 podem não ter mutações no gene NEM1.[3] Se nenhuma mutação na região codificadora for encontrada por técnicas de sequenciamento padrão, o uso de diferentes métodos para detectar grandes deleções de genes, anormalidades intrônicas, outras anormalidades genéticas, como rearranjos ou anormalidades no exon 1 "não codificante" é indicado.[3][8] Um resultado de teste negativo também pode ser devido a uma fenocopia, ou seja, a presença de manifestações da doença geralmente associadas a mutações de um determinado gene, mas em vez disso são devidas a outra etiologia, por exemplo, um hiperparatireoidismo esporádico e um adenoma hipofisário devido a mutação das linhas germinativas no gene da proteína de interação com o receptor aril-hidrocarboneto (AIP).[3][8]
Também podem existir variantes sindrômicas devido a outros defeitos genéticos (ainda não identificados).
Os pacientes com história familiar positiva para NEM2 que não estão cientes de seu estado de portador precisam fazer o teste genético para verificar as mutações de proto-oncogene RET. Os pacientes com câncer medular de tireoide esporádico também precisam fazer o rastreamento para mutações de proto-oncogene RET. O rastreamento é positivo em até 20% desses pacientes. A maioria das mutações de proto-oncogene RET é conhecida, indicando que a taxa de falsos-negativos dos testes de rastreamento de proto-oncogene RET é relativamente baixa (entre 2% e 5%).[37] Vinte e quatro por cento dos pacientes com feocromocitoma aparentemente esporádico têm mutações das linhas germinativas em succinato desidrogenase tipo B, C ou D ou nos genes de outras síndromes familiares subjacentes incluindo NEM2 (proto-oncogene RET), doença de Von Hippel-Lindau (gene VHL, cromossomo 3), neurofibromatose do tipo 1 (gene NF1, cromossomo 17) e esclerose tuberosa (gene TSC1, cromossomo 9; gene TSC2, cromossomo 16).[42] Essas mutações costumam ser associadas a pouca idade, tumores multifocais e tumores extra-adrenais. A incidência de mutações de succinato desidrogenase tipo D varia de 2% a 11%, e a incidência de mutações de succinato desidrogenase tipo B é alta (9.5%), durante o rastreamento de grandes grupos de feocromocitoma aparentemente esporádico.[11]
Rastreamento bioquímico
Todos os portadores genéticos e aqueles com alta suspeita clínica apesar dos testes genéticos negativos precisam passar pelo rastreamento bioquímico (geralmente uma vez por ano) relevante para sua síndrome. Os pacientes com sintomas que sugerem excessos hormonais específicos precisam fazer testes adicionais.
Os pacientes com NEM1 e NEM2A precisam de monitoramento dos níveis de cálcio para verificar a presença de hiperparatireoidismo primário.
Pacientes com adenoma hipofisário requerem monitoramento de prolactina sérica, níveis de fator de crescimento semelhante à insulina-1 e dos outros hormônios da hipófise anterior. Os níveis de prolactina sérica podem ser elevados devido a um prolactinoma, efeito de compressão do pedúnculo hipofisário de um macroadenoma não funcionante, e em 15% a 20% de adenomas secretores de hormônio do crescimento. A síndrome de Cushing pode se desenvolver nesses pacientes e deve ser avaliada clinicamente.
Os pacientes com NEM1 podem se beneficiar com medições anuais de cromogranina A sérica, proinsulina, polipeptídeo pancreático, peptídeo vasointestinal, gastrina e glucagon (peptídeos intestinais em jejum). Níveis elevados desses hormônios podem indicar a presença de tumores neuroendócrinos, e o rastreamento anual pode ajudar na detecção precoce, embora resultados positivos exijam a confirmação com outros testes.
Os pacientes com NEM1 e sintomas neuroglicopênicos precisam medir os níveis de insulina/glicose sérica em jejum. Haverá suspeita de insulinoma se os níveis de insulina não forem suprimidos na presença de hipoglicemia sintomática. O rastreamento também é necessário para insulina exógena (descartada pela presença de peptídeo C elevado) e ingestão de sulfonilureia (exame de urina), as quais podem causar hipoglicemia factícia.
Os pacientes com gastrinoma têm níveis elevados de gastrina em jejum. No entanto, esses níveis também são elevados com infecção por Helicobacter pylori e uso crônico do inibidor da bomba de prótons.
Os pacientes com câncer medular de tireoide precisam medir os níveis de calcitonina para monitorar a carga da doença. Antigamente, os níveis de calcitonina também eram medidos para diagnosticar o estado do portador de NEM2, mas o teste genético é mais sensível e específico, e a medição do nível de calcitonina não é mais recomendada como uma ferramenta diagnóstica.
Os pacientes com NEM2 podem ser examinados quanto a feocromocitoma, medindo as metanefrinas totais ou fracionadas e as catecolaminas totais em coletas de urina de 24 horas ou medindo as metanefrinas livres no plasma. As metanefrinas plasmáticas são mais sensíveis, mas menos específicas no diagnóstico de feocromocitoma, mas mais fáceis para o paciente coletar com precisão. Diretrizes para a vigilância de pacientes com tendência ao tumor estão disponíveis.[3][7]
Biópsia
A biópsia da tireoide por aspiração com agulha fina (AAF) é recomendada para nódulos da tireoide que têm características suspeitas na ultrassonografia (incluindo calcificação, bordas mal definidas ou aumento da vascularização). As amostras de AAF devem ser coradas para calcitonina. A biópsia também pode ser possível para tumores neuroendócrinos suspeitos, por exemplo, aqueles vistos no pâncreas em NEM1; essas biópsias podem exigir ultrassonografia endoscópica como guia.[43]
Testes de provocação
As respostas anormais a estímulo ou supressão de hormônio (com várias infusões ou medicamentos) podem ser usadas para prever a presença do tumor. Esse teste de provocação tem sido menos usado devido ao desenvolvimento do teste genético e da detecção bioquímica sensível dos níveis basais. Por exemplo, as respostas de gastrina a refeições padrão e as respostas de calcitonina ao cálcio agora são usadas apenas raramente. No entanto, a produção de insulina durante o jejum de 72 horas continua sendo um teste de provocação comum para insulinomas.
Imagens radiográficas
Portadores da mutação do gene NEM1 precisam de rastreamento a cada 3 anos para adenomas com ressonância nuclear magnética (RNM) hipofisária, a cada ano para massas pancreáticas e a cada 3 anos para massas adrenais com tomografia computadorizada (TC) ou RNM abdominal, e a cada 1 a 2 anos para massas tímicas ou broncopulmonares com TC do tórax ou RNM.[3]
O exame de imagem de PET com octreotida ou DOTATATE marcado com gálio-68 podem ser úteis na localização de tumores neuroendócrinos no intestino anterior e no pâncreas.[44]
A tomografia por emissão de pósitrons com flúor-18 di-hidroxifenilalanina (18F-DOPA PET)/TC pareceu ser melhor que PET ou TC isoladas no diagnóstico e na localização de feocromocitomas em um estudo pequeno.[45] A PET com 18F-DOPA é mais sensível e específica que o exame com metaiodobenzilguanidina (MIBG) na detecção de feocromocitoma na doença extra-adrenal e hereditária.[46]
Os pacientes com hiperparatireoidismo primário podem ter exames com tecnécio-99 sestamibi sugestivos de doença multiglandular, alertando os médicos para a possibilidade de NEM.
Os pacientes com feocromocitomas diagnosticados por marcadores bioquímicos precisam fazer exames imagiológicos medulares adrenais com MIBG. Os exames com MIBG confirmam o diagnóstico e localizam a neoplasia. No entanto, os exames com MIBG podem ser úteis antes da cirurgia para localizar vários focos em alguns pacientes com feocromocitoma.
Endoscopia
A endoscopia em pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison pode ajudar a detectar a presença de gastrinomas.
A ultrassonografia endoscópica é uma ferramenta sensível para localização de lesões pancreáticas e algumas lesões duodenais.[47] A avaliação endoscópica de pacientes com evidência de excesso de hormônio neuroendócrino (por exemplo, gastrina, insulina) pode ser mais sensível para a detecção do tumor que a radiografia.
Teste para Helicobacter pylori
A infecção por H pylori é muito mais comum que gastrinoma (a não ser que se saiba que os pacientes têm NEM1) e deve ser descartada antes que o diagnóstico seja feito.
Pacientes com úlceras e refluxo gastroesofágico resistente geralmente fazem o teste para H pylori com testes respiratórios da ureia, biópsias ou testes do antígeno fecal como parte da avaliação inicial.
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal