Abordagem

A chave para o diagnóstico da supressão adrenal iatrogênica é constatar a exposição a glicocorticoides exógenos ou outros agentes desencadeantes.

Os pacientes que recebem doses suprafisiológicas de glicocorticoides orais para doença responsiva a corticosteroide e que apresentam uma aparência com características cushingoides (obesidade centrípeta com uma face redonda ou fácies de lua cheia, adiposidades dorsocervicais e estrias) devem ter um reconhecimento imediato de uma possível supressão no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA).[37]​ A supressão do eixo HHA foi descrita após somente 4 a 5 dias de corticoterapia e como uma consequência da administração local de glicocorticoides.[25][26]​ Em pacientes que recebem injeções intra-articulares de glicocorticoides, a recuperação do eixo HHA pode levar de 1 a 4 semanas, dependendo da dose e da frequência das injeções.[10]

Embora alguns pacientes apresentem características cushingoides e alguns apresentem sintomas óbvios de insuficiência adrenal quando o agente corticosteroide desencadeador é rapidamente desmamado ou interrompido, a supressão do eixo HHA pode ser sutil. Nem todos os pacientes apresentam características cushingoides, sendo necessário um alto índice de suspeita.

Os pacientes com supressão adrenal correm risco de crise adrenal se o tratamento com glicocorticoide for suspenso subitamente ou se não for aumentado em períodos de estresse elevado (por exemplo, doença febril, trauma ou cirurgia). Os pacientes com uma história compatível com supressão adrenal e que apresentam características de crise adrenal (ou seja, hipotensão, insuficiência circulatória) devem ser tratados com urgência. Os exames diagnósticos não devem atrasar o tratamento.[37][38]

História

Os pacientes que recebem doses suprafisiológicas de glicocorticoides têm o risco de apresentar supressão adrenal, especialmente se forem potentes e/ou se foram administrados por um período prolongado.[1][8][39]​​ No entanto, os corticosteroides não sistêmicos também podem causar supressão adrenal.[1]

Os pacientes podem precisar ser questionados; por exemplo, sobre colírios, pulverizadores nasais, inaladores para problemas respiratórios ou injeções para a dor.

A história deve ser direcionada para detectar o padrão do uso de glicocorticoides. É importante perguntar sobre doenças para as quais os corticosteroides são comumente prescritos e sobre vias de administração oral ou alternativas como:[10][11][12][13][14][15][16]

  • Corticosteroides inalatórios para asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica

  • Corticosteroides intranasais para rinite alérgica

  • Corticosteroides tópicos para o tratamento de quadros clínicos dermatológicos

  • Corticosteroides intra-articulares e epidurais para doenças reumatológicas ou distúrbios relacionados à dor.

As doses equivalentes de hidrocortisona, prednisolona, prednisona e dexametasona são:[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Equivalência de dose para glicocorticoidesCriada por MC Lansang e SL Quinn [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@132f8b46Outras fontes de corticosteroides prescritos, como enemas ou espumas retais para doença inflamatória intestinal, também devem ser buscadas. Também devem ser obtidas informações adicionais como o tipo, a dose, a via de administração e a duração do tratamento com corticosteroide. De forma menos comum, os pacientes fornecem uma história de tomar medicamentos que atuam no receptor de glicocorticoide, como o acetato de megestrol ou medroxiprogesterona.[1][17][18]​​

Observe que os tratamentos para eczema de venda livre, os cremes clareadores para pele e os medicamentos fitoterápicos podem conter corticosteroides

Os pacientes devem ser questionados sobre medicamentos concomitantes. Alguns podem interferir no metabolismo dos glicocorticoides.[1] O CYP3A4 é a via primária para o metabolismo da maioria dos glicocorticoides prescritos, portanto, os inibidores do CYP3A4 aumentarão a exposição aos glicocorticoides.[1] Por exemplo, o medicamento antirretroviral ritonavir aumenta as concentrações plasmáticas dos metabólitos da prednisona (prednisolona).[1] Outros inibidores fortes do CYP3A4 incluem antifúngicos, como itraconazol e cetoconazol, e tratamentos contra o câncer, como ceritinibe e idelalisibe.[1] O agente de indução anestésico etomidato pode interferir na síntese de esteroides adrenais e aumentar o risco de insuficiência adrenal e mortalidade em pacientes com sepse.[19]​ Esta lista não é exaustiva; consulte sua fonte local de informações sobre medicamentos.

Em pacientes com supressão adrenal induzida por glicocorticoides, a interação com medicamentos que induzem o CYP3A4 diminuirá os níveis de glicocorticoides sintéticos e pode causar sintomas de insuficiência adrenal. Exemplos de agentes que induzem o CYP3A4 incluem carbamazepina, fenobarbital, fenitoína, primidona, rifampicina e nafcilina.[1] Esta lista não é exaustiva; consulte sua fonte local de informações sobre medicamentos.

Raramente, os pacientes apresentam uma história de remoção de carcinoma ou adenoma hipofisário que causou a síndrome de Cushing.[20][21]

Sintomas

Sintomas de insuficiência adrenal podem estar presentes, especialmente quando o agente desencadeante é rapidamente reduzido ou interrompido.

Os sintomas de insuficiência adrenal geralmente são vagos. Eles incluem fadiga, anorexia, náuseas e/ou vômitos e perda de peso.[1][37][38]​​[40]​ Tontura, sintomas ortostáticos, mialgias e artralgias podem estar presentes. A dor abdominal pode ser leve ou intensa o suficiente para levar ao diagnóstico equivocado de abdome agudo.[8][38]

Os pacientes podem relatar sintomas consistentes com a síndrome de Cushing, incluindo fraqueza muscular, sintomas do sistema nervoso central como depressão, agitação ou distúrbios do sono.[37] Pode haver uma história prévia de ganho de peso e aumento no apetite, face redonda, adiposidades dorsocervicais e facilidade de formação de hematomas.[37] Outras afecções médicas como hipertensão e diabetes podem se tornar mais difíceis de controlar e menos responsivas ao tratamento medicamentoso.[8][41]

A supressão adrenal na população pediátrica pode se manifestar como uma crise adrenal em momentos de estresse, mas tem maior probabilidade de ser sutil. Os sintomas inespecíficos de supressão adrenal em crianças são semelhantes aos observados em adultos; no entanto, as crianças também podem apresentar deficit de crescimento e hipoglicemia.[2][40]

Exame físico

Pacientes com risco de supressão adrenal que interromperam repentinamente glicocorticoides ou não aumentaram a dose durante períodos de estresse aumentado podem apresentar uma crise adrenal aguda com colapso devido a choque hipovolêmico, hipotensão, tontura postural e taquicardia.[37][38]

Em casos menos agudos, os pacientes podem ou não ter aparência cushingoide, e a hipertensão pode estar presente. Pode-se verificar fraqueza muscular. A cor da pele pode ser pletórica com estrias pigmentadas; pele fina com fácil formação de hematomas; e acne. Características associadas a elevações do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) como hiperpigmentação mucosal e cutânea não estarão presentes. Também estão provavelmente ausentes outros estigmas de doenças autoimunes associadas à insuficiência adrenal autoimune, como o vitiligo. Essas características ajudam a distinguir a supressão adrenal induzida endogenamente da supressão adrenal iatrogênica.

Suspeita de crise adrenal

Os exames diagnósticos não devem protelar o tratamento em casos de crise adrenal aguda.[37][38]

As investigações para suspeita de crise adrenal incluem o monitoramento rigoroso da pressão arterial, equilíbrio hídrico e sangue no estado basal (hemograma completo, eletrólitos, ureia, creatinina, função tireoidiana [o hipertireoidismo pode desencadear crise adrenal], cortisol e nível de ACTH). Se o paciente estiver estável hemodinamicamente, considere um rápido teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico.[38]

Achados de exames laboratoriais incidentais como hipoglicemia, hiperglicemia, hipocalemia, hipomagnesemia e alcalose de contração podem levantar suspeita de uso de glicocorticoides. Anormalidades eletrolíticas consistentes com a deficiência de mineralocorticoides como hipercalemia estão ausentes porque o sistema renina-angiotensina-aldosterona permanece intacto.

Enquanto os corticosteroides suprafisiológicos continuarem, a avaliação da função adrenal não é útil.[37]

Exame diagnóstico em um paciente que descontinua ou reduz a dose de corticosteroide para níveis fisiológicos ou subfisiológicos

A redução gradual dos corticosteroides é recomendada em pacientes que não necessitam mais de corticoterapia sistêmica.[37][38]

Pacientes com risco de insuficiência adrenal durante a redução gradual (por exemplo, aqueles com comorbidades) ou que apresentam sintomas de insuficiência adrenal são candidatos a um exame de cortisol sérico matinal (entre 9h e 10h). O exame deve ser realizado somente após atingir a faixa de uma dose diária equivalente fisiológica. Os valores de corte do cortisol sérico servem como guia. Embora valores mais altos de cortisol sérico indiquem recuperação do eixo HHA, as diretrizes observam que o valor do cortisol sérico matinal deve ser visto como uma continuidade.[37]

Os níveis de cortisol sérico aleatório não são recomendados como indicadores confiáveis do estado adrenal.

O cortisol salivar tem valor limitado no diagnóstico de insuficiência adrenal e não é recomendado rotineiramente.[42] Pode ser considerado em pacientes nos quais a flebotomia é impraticável ou difícil; ou naqueles com doença hepática com hipoalbuminemia e cirrose, onde os níveis de cortisol salivar se correlacionam melhor com a função adrenal e o cortisol plasmático livre do que o cortisol plasmático total.[43][44]

Teste dinâmico: teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico

Um teste de estímulo pode ser considerado em um paciente com valor de cortisol sérico indeterminado.[37][38]​ No entanto, o teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico de rotina não é recomendado para avaliar a recuperação do eixo HHA em pacientes que estão diminuindo ou descontinuando a corticoterapia.[37]

O teste com dose convencional de ACTH (1-24) (usando 250 microgramas de tetracosactida por injeção ou infusão) mede os níveis séricos de cortisol (antes e depois da administração de tetracosactida) para determinar a produção de cortisol adrenal. Um aumento apropriado no nível de cortisol dentro de 60 minutos descarta insuficiência adrenal.

As diretrizes sugerem não usar o protocolo de baixa dose (usando 1 micrograma de tetracosactida) devido à disponibilidade limitada ou inexistente de formulações comerciais dessa dose mais baixa.[37] Além disso, a precisão do diagnóstico usando ACTH em baixa dose não é superior à do teste com dose convencional.

O teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico pode não ser confiável em pacientes com início recente de supressão do eixo HHA, em que as glândulas adrenais ainda não tiveram tempo suficiente para atrofiar. Se os pacientes estão tomando hidrocortisona ou prednisolona, é recomendável manter o tratamento durante 24 horas antes do teste para evitar falso-positivos. Outras preparações com corticosteroides, como a dexametasona, não apresentam reação cruzada com o ensaio de cortisol usado pelo teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico.

Testes dinâmicos menos comumente usados

O teste de tolerância à insulina (TTI) e o teste de metirapona noturna avaliam todo o eixo HHA e são capazes de avaliar a supressão adrenal parcial.[45]

O TTI pode ser usado se houver necessidade de determinar se o paciente tem deficiência de hormônio do crescimento concomitante. Tanto o TTI quanto os testes de metirapona podem ser usados para determinar se o paciente apresenta insuficiência adrenal secundária devido a uma lesão recente da hipófise (por exemplo, cirurgia da hipófise). Nessa situação, as glândulas adrenais ainda podem produzir uma resposta normal ao teste de estímulo com o hormônio adrenocorticotrófico por até 2 a 3 semanas após a lesão hipofisária em decorrência da reserva adrenal. Entretanto, o TTI pode revelar que a hipófise não é capaz de responder ao estresse.

O TTI depende da produção de hipoglicemia sintomática para estimular a liberação de cortisol. Há, portanto, um risco associado de convulsões hipoglicêmicas e o teste deve ser realizado sob observação estrita. Não é recomendado para pacientes frágeis ou idosos com doença cardiovascular ou convulsões. A metirapona pode, teoricamente, precipitar insuficiência adrenal aguda.

Rastreamento de urina para corticosteroides sintéticos

Em pacientes que apresentam uma vaga lembrança de ter recebido preparações de glicocorticoides locais (como a administração epidural ou intra-articular) suspeitas de provocarem a supressão adrenal, o rastreamento da urina para corticosteroides sintéticos irá confirmar a absorção sistêmica de glicocorticoides exógenos, mas não é diagnóstico de supressão adrenal.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tabela de testes para a supressão adrenalCriada por MC Lansang e SL Quinn [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@43432210

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal