Abordagem
A lesão por inalação pode se apresentar como um amplo espectro de sintomas, com gravidade variando de tosse leve a rápido comprometimento das vias aéreas levando à morte. Os principais aspectos para um tratamento eficaz são a antecipação e o reconhecimento precoce da variedade de consequências da exposição inalatória. Muitas das modalidades de tratamento são de suporte, mas há terapias específicas para algumas complicações como intoxicação por monóxido de carbono.[26] Para os pacientes menos afetados, a terapia pode envolver apenas breve observação e aconselhamento sobre prevenção de exposições recorrentes. Outros, porém, podem exigir cuidados intensivos de suporte, como intubação, ventilação mecânica, oxigenoterapia hiperbárica, ressuscitação intravenosa e suporte hemodinâmico.
Manejo das vias aéreas superiores
A capacidade de manutenção da patência das vias aéreas deve ser avaliada como parte da avaliação e terapia iniciais. A via aérea deve ser imediatamente protegida com um tubo endotraqueal se o paciente apresentar rebaixamento do nível de consciência, com reflexos das vias aéreas diminuídos, ou história e exame físico sugestivos de lesão com patência ameaçada. Pacientes com lesão por inalação costumam ter vias aéreas difíceis de proteger e os preparativos para uma via aérea cirúrgica devem ser feitos antecipando-se uma falha na colocação do tubo endotraqueal. Deve-se ter o cuidado de posicionar o tubo endotraqueal de forma a evitar extubação não intencional. Não há evidências para respaldar a traqueostomia precoce em pacientes de queimadura após a intubação.[27]
Se a avaliação inicial não levar à intubação, a reavaliação deve ocorrer frequentemente.
Pacientes que apresentam apenas exposição à inalação ou doença clínica leve devem ser observados e monitorados rigorosamente durante o tratamento quanto à evolução ou agravamento dos sintomas, que podem ser adiados em até 1 dia.[1]
Asfixiantes celulares
Intoxicação por monóxido de carbono (CO)
Deve ser tratada para evitar as sequelas neurológicas associadas, persistentes e tardias.[28] Todos os pacientes devem receber oxigênio suplementar de alto fluxo para reduzir a hipóxia e facilitar a eliminação de CO. As diretrizes atuais recomendam o uso de oxigenoterapia de alto fluxo por, pelo menos, 6 horas ou mais, se os sintomas persistirem.[27] Já houve controvérsias quanto ao uso de oxigenoterapia hiperbárica.[28][29] Embora seu uso tenha sido recomendado para gestantes ou pacientes com doença grave (coma, convulsões, doença cardiovascular, acidose), os dados específicos relativos a certos subgrupos não são claros.[28] Um ensaio clínico revelou evidências que sugerem que a oxigenoterapia hiperbárica reduz as sequelas cognitivas tanto agudamente quanto após 12 meses.[30] Um estudo retrospectivo constatou que (depois do ajuste para idade, sexo e comorbidades subjacentes) pacientes envenenados por monóxido de carbono tratados com oxigenoterapia hiperbárica apresentaram uma taxa de mortalidade menor em comparação com pacientes que não receberam oxigenoterapia hiperbárica.[31] A redução no risco de mortalidade foi a maior em pacientes com idade inferior a 20 anos e naqueles com insuficiência respiratória aguda.[31] Devido a esses dados, um painel Delphi de 2023 considerou que a oxigenoterapia hiperbárica apresenta benefícios incertos em pacientes para os quais há uma câmara hiperbárica disponível no local.[32] Este painel recomendou não usar oxigenoterapia hiperbárica caso fosse necessário transferir o paciente de um centro de tratamento de queimaduras.
Toxicidade por cianeto
Embora a toxicidade por cianeto seja mencionada frequentemente, seu verdadeiro papel na lesão por inalação não é claro, e seu tratamento é controverso.[21]
Se houver suspeita de toxicidade por cianeto em um paciente com lesão por inalação, a terapia recomendada é o ligante direto de cianeto hidroxocobalamina com ou sem tiossulfato de sódio.[27][32][33] As recomendações sobre o uso de tiossulfato de sódio como tratamento adjuvante para toxicidade por cianeto variam de acordo com as diretrizes. Um consenso de especialistas europeus de 2013 recomenda a hidroxocobalamina como tratamento de primeira linha, com tiossulfato de sódio como opção de segunda linha.[33] Em contraste, um painel internacional Delphi de 2023 considerou a terapia com tiossulfato de sódio de benefício incerto.[32] As diretrizes práticas de 2016 da International Society for Burn Injury recomendam hidroxocobalamina, mas não abordam o tiossulfato de sódio.[27] Níveis de cianeto no sangue acima de 2.6 a 3.0 mg/L são considerados fatais.[34]
O "kit antídoto" comumente disponível de nitrito de sódio e tiossulfato de sódio (conhecido como Nithiodote® nos EUA) deve ser usado com muita cautela porque os nitratos induzem meta-hemoglobina (que se liga ao cianeto sistêmico). Na presença de carboxi-hemoglobina significativa, a metemoglobina contribui para reduzir consideravelmente a capacidade de fornecimento de oxigênio. Portanto, os nitratos são contraindicados na presença de carboxiemoglobinemia significativa.
Lesão das vias aéreas inferiores
A lesão celular das vias aéreas, que leva a edema, descamação e broncoconstrição, causa obstrução em pacientes com lesão por inalação. Esse tipo de lesão das vias aéreas inferiores é tratado principalmente com cuidados de suporte. Os pacientes devem ser monitorados clinicamente para evidências de fadiga dos músculos respiratórios e insuficiência ventilatória. Embora altos níveis de oxigênio inalado (hiperoxemia) possam ser usados terapeuticamente para envenenamento por monóxido de carbono, uma vez descartado ou resolvido, a hiperoxemia não é mais recomendada, e o paciente pode receber suporte com uma fração padrão de oxigênio inspirado suficiente para manter a saturação de hemoglobina adequada.[35]
Broncodilatadores beta-agonistas por via inalatória (por exemplo, salbutamol [albuterol] nebulizado) devem ser utilizados conforme o necessário para broncoconstrição, e evidências sugerem que eles também podem beneficiar o paciente através das propriedades anti-inflamatórias.[36] O papel de outras terapias, como heparina, tocoferóis e corticosteroides, está em investigação.[37][38][39] A desobstrução das vias aéreas deve ser facilitada pela umidificação do oxigênio administrado e pela higiene pulmonar agressiva.
Doença pulmonar parenquimatosa
Pacientes com lesão do parênquima pulmonar (que pode progredir com síndrome do desconforto respiratório agudo [SDRA]) devem receber tratamento de suporte com oxigênio e ventilação por pressão positiva, conforme a situação clínica exigir. É razoável utilizar ventilação volume-controlada com baixo volume corrente (4-6 cc/kg de peso corporal ideal) e prevenção de altas pressões de platô (>30 cm H₂O), o que se provou benéfico na SDRA não selecionada.[40] De forma alternativa, a ventilação pressão-controlada pode ser usada para atingir objetivos fisiológicos similares. A ventilação de alta frequência oscilatória foi associada a melhoras aceleradas na função pulmonar em um pequeno ensaio clínico randomizado e controlado.[41] Embora diversas modalidades terapêuticas (por exemplo, vitamina C, heparina, beta-agonistas, corticosteroides, antitrombina III) estejam sob investigação, nenhuma se mostrou eficaz em grandes ensaios clínicos.[37][38][39][42][43][44]
Outras considerações
Lesões ou comorbidades clínicas devem ser avaliadas e tratadas em pacientes com lesão por inalação. As terapias para condições individuais entram muitas vezes em conflito (como a infusão agressiva de volume para queimaduras cutâneas e a abordagem conservadora de fluidos para SDRA), e os médicos devem desenvolver, cuidadosamente, uma estratégia de tratamento única para cada paciente. Dor e ansiedade são comuns nesses pacientes, devendo ser tratadas. A analgesia é frequentemente indicada para aliviar o desconforto de um tubo endotraqueal, edema do tecido, trauma coincidente e queimaduras cutâneas. Medicamentos opioides têm o benefício adicional de aliviar a dispneia.[45] Pacientes não ventilados por um tubo endotraqueal devem ser monitorados rigorosamente, uma vez que pode ocorrer supressão respiratória. Morfina ou fentanila intravenosas contínuas oferecem excelente analgesia para a ventilação mecânica invasiva. Sedação e ansiólise também são indicadas para pacientes em ventilação mecânica invasiva. Propofol e dexmedetomidina são agentes comumente utilizados. Em março de 2022, a European Medicines Agency (EMA) emitiu um alerta sobre um aumento do risco de mortalidade com o tratamento com dexmedetomidina em pacientes criticamente enfermos com idade ≤65 anos em comparação com sedativos alternativos. Esta recomendação segue resultados de um estudo aberto e randomizado, comparando a dexmedetomidina com os cuidados usuais (propofol, midazolam ou outros sedativos) em pacientes adultos criticamente enfermos submetidos à ventilação mecânica. O estudo não mostrou diferença na mortalidade geral em 90 dias entre os tratamentos. No entanto, a dexmedetomidina foi associada a um aumento do risco de mortalidade em pacientes ≤65 anos, em comparação com sedativos alternativos.[46] A EMA aconselha os médicos a ponderarem esses achados em relação ao benefício clínico esperado da dexmedetomidina nessa faixa etária.[47]
Pacientes em estado crítico com queimaduras e lesão por inalação têm alto risco de complicações; medidas de prevenção, incluindo higiene das mãos, elevação da cabeceira do leito, cuidados com o cateter e profilaxia de trombose venosa profunda são essenciais.
Semelhante a outros casos de insuficiência respiratória refratária grave, a oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) pode ser considerada em pacientes com lesão por inalação cuja condição seja refratária a medidas máximas. Uma revisão sistemática e metanálise de 2023 de 15 estudos retrospectivos incluindo 318 pacientes em ECMO no cenário de lesão por inalação encontrou uma porcentagem combinada de decanulação bem-sucedida de 65%, mas com uma prevalência de complicações de ECMO de 67%.[48] Sangramento e infecção foram as complicações mais comuns.
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