Abordagem
Indivíduos com lesão por inalação normalmente foram expostos a uma série de potenciais irritantes, o que tem implicações para a abordagem diagnóstica. O tipo, a intensidade e a duração da exposição, obtidos através da história, são críticos para focar nos tipos mais prováveis de lesão. No entanto, a complexidade de uma explosão ou de um incêndio muitas vezes impede a identificação exata de todas as toxinas, mesmo quando se obtém uma história detalhada. O bom médico deve pressupor múltiplas exposições, examinando o paciente de forma atenta e proativa, à procura de evidências de lesão desde as vias aéreas superiores até o parênquima pulmonar. Da mesma forma, lesões não respiratórias, como trauma e queimaduras cutâneas, são comuns e complicam o diagnóstico e o manejo. Uma avaliação adequada consiste no mínimo de uma história e de um exame físico precisos, também envolve, frequentemente, estudos sorológicos e radiográficos, e por vezes exige diagnóstico invasivo, como uma avaliação broncoscópica. Por fim, deve-se lembrar que manifestações de lesão por inalação podem ser tardias, e uma observação estrita e reavaliação frequente são essenciais.
Avaliação das vias aéreas superiores
A exposição térmica e tóxica pode causar edema e lesão direta das vias aéreas, o que pode comprometê-las e levar a uma rápida deterioração clínica. A incidência desse tipo de lesão varia bastante conforme a exposição, mas pode ser de até um terço dos pacientes hospitalizados por queimaduras.[17] Deve-se fazer uma avaliação abrangente em todos os pacientes a fim de garantir que as vias aéreas não estão ameaçadas. A proteção das vias aéreas pode ser, obviamente, ameaçada por uma perda de consciência, e a obnubilação deve suscitar uma rápida intubação para proteger as vias aéreas. Em pacientes alertas, dispneia, rouquidão, disfonia, estridor e queimaduras faciais sugerem lesão das vias aéreas superiores, edema e patência ameaçada.[18] Esses achados devem, no mínimo, incitar à avaliação com laringoscopia ou broncoscopia, a fim de melhor avaliar a patência das vias aéreas. Porém, uma abordagem mais conservadora é a inserção imediata de um tubo endotraqueal, para evitar a progressão e uma possível emergência das vias aéreas.[19]
Avaliação da asfixia celular
Monóxido de carbono (CO) e cianeto de hidrogênio são subprodutos de incêndios residenciais que causam asfixia celular ao interromperem o transporte de oxigênio. O CO é muito mais comum, e há quem questione se a toxicidade por cianeto contribui para a morbidade da lesão por inalação.[20] Todos os pacientes expostos a um incêndio ou explosão devem ser avaliados para intoxicação por CO. Cefaleia, tontura e confusão são sintomas neurológicos comuns, e a isquemia miocárdica também deve ser avaliada com um eletrocardiograma. Outros sintomas sugestivos de toxicidade por CO incluem náuseas e convulsões. Os sintomas podem estar ausentes ou ser mascarados por outras condições. Assim, deve-se fazer uma gasometria arterial com CO-oximetria para avaliar a carboxi-hemoglobina. Se fatores da história (queima de móveis caseiros) ou hipóxia sugerirem toxicidade por cianeto, o paciente deve ser examinado para acidose metabólica com uma gasometria arterial e mensuração do bicarbonato sérico e nível de lactato sérico. No entanto, esses achados não são específicos da toxicidade por cianeto, e são mais comumente observados como um resultado de choque ou da toxicidade do CO. Os níveis de cianeto podem ser considerados; um teste laboratorial remoto rápido não está disponível comercialmente, mas um analisador óptico simples foi desenvolvido que detecta com precisão os níveis de cianeto de preocupação iminente em cerca de 2 minutos, bem como um dispositivo microfluídico de papel que mediu com sucesso os íons de cianeto nas amostras de sangue de 20 sobreviventes de incêndio.[19][21][22]
Avaliação de lesão das vias aéreas inferiores
Há diversos gases inalados e materiais particulados que podem causar lesão direta às células das vias aéreas condutoras, levando a broncoconstrição, edema, morte de célula epitelial com descamação, redução da desobstrução das vias aéreas e obstrução das vias aéreas.[1][11] Os pacientes apresentam tosse e dispneia e demonstram aumento na dificuldade de respirar. A ausculta torácica tipicamente revela sibilância, decorrente de estenose das vias aéreas. Por vezes, notam-se murmúrios vesiculares diminuídos ou estertores, decorrentes de atelectasia causada por obstrução e má desobstrução das vias aéreas. Os estertores que não passam com a respiração profunda sugerem lesão do parênquima pulmonar e edema em vez de atelectasia, e nesses casos deve-se obter uma radiografia torácica para determinar a lesão pulmonar. Caso o teste de função pulmonar (TFP) esteja disponível, ele pode ajudar a caracterizar e a determinar a tendência da obstrução do fluxo aéreo ao longo do tempo. Já se sugeriu a avaliação broncoscópica, mas ela muitas vezes fornece informações redundantes mais facilmente obtidas por exame, TFP e exame das vias aéreas superiores.[18] Assim como lesão das vias aéreas superiores, a lesão das vias aéreas inferiores pode ser tardia, o que reforça a importância da avaliação frequente.
Avaliação de doença do parênquima pulmonar
A lesão por inalação e as condições comumente associadas (queimaduras cutâneas e trauma) estão associadas à síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).[1][11][15] Essas complicações podem ser evidentes na apresentação ou podem desenvolver-se nas horas iniciais do tratamento, desmascaradas pelo restabelecimento do volume circulatório. Os pacientes terão uma necessidade cada vez maior de oxigênio, e radiografias torácicas mostrarão, frequentemente, opacidades difusas no espaço aéreo. Devem-se considerar diagnósticos alternativos com tratamentos específicos (toxicidade por CO, doença cardíaca, infecção, hemorragia pulmonar), comuns à SDRA em outras situações.
Outras considerações
Os pacientes com lesão por inalação muitas vezes sofrem de outros processos agudos ou de exacerbações de afecções clínicas crônicas. Ao mesmo tempo em que é razoável centrar a atenção no sistema pulmonar, os cuidados de suporte gerais e o monitoramento dos órgãos devem ser sempre prioridade. Queimaduras cutâneas e trauma são lesões colaterais que se sobrepõem significativamente aos sinais e sintomas da lesão por inalação. Da mesma forma, dados epidemiológicos sugerem que álcool ou intoxicação por substâncias ilícitas estão comumente associados aos acidentes e incêndios que causam lesão por inalação. Por fim, condições médicas preexistentes (particularmente, doenças cardíacas e pulmonares) muitas vezes complicam a evolução desses pacientes, devendo ser cuidadosamente consideradas.
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