Etiologia
A vitamina B3, também conhecida como niacina, é uma vitamina hidrossolúvel essencial obtida apenas da alimentação ou de suplementos.[3] A niacina em cereais é amplamente ligada e indisponível para a absorção, a menos que seja tratada com hidrólise alcalina.[1] Um exemplo disso é mergulhar o milho em cal antes de cozinhá-lo. Em carnes, ela é encontrada na forma das coenzimas de nicotinamida-adenina dinucleotídeo (NAD) e nicotinamida-adenina dinucleotídeo fosfato (NADPH) e, portanto, é mais disponível.[1][2][3][4] O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos publicou um folheto informativo para profissionais da saúde sobre a niacina, incluindo uma seção sobre deficiência de niacina. NIH: Niacin - fact sheet for health professionals Opens in new window
Em países desenvolvidos, a deficiência de vitamina B3 raramente ocorre sozinha, já que boas fontes de niacina e triptofano também são fontes de outras vitaminas do complexo B, como a B2 e a B6, e são relativamente bem distribuídas em produtos de origem animal, legumes e cereais fortificados. Boas fontes de niacina incluem carnes magras, fígado, frango, peixe, feijões, amendoins e leveduras. Leite e vegetais de folhas verdes fornecem quantidades menores. Leite, carne e ovos são boas fontes de triptofano, o precursor da niacina. Nos EUA e em outros países desenvolvidos, muitos cereais são fortificados com niacina.
A deficiência de vitamina B3 primária resulta de uma dieta deficiente em niacina e/ou em triptofano e, portanto, está frequentemente associada à pobreza e a desnutrição (geralmente desnutrição decorrente de uma dieta pobre em quantidade e qualidade de nutrientes). Estudos demonstraram que as populações vulneráveis que têm acesso limitado a produtos à base de carne e cujas dietas são pobres em carne e em produtos à base de carne apresentam maior probabilidade de deficiência de vitamina B3.[21]
O consumo de alimentos com baixo teor proteico e à base de milho, ou uma dieta vegana (sem produtos de origem animal) com poucas fontes de niacina predispõe ao desenvolvimento da deficiência de vitamina B3.[1][3][8]
A deficiência de vitamina B3 secundária pode resultar de várias condições subjacentes.
A pelagra pode ser um desfecho secundário de transtornos alimentares, como a anorexia nervosa e a bulimia nervosa[22][23][24][25][17] e foi constatada em vários casos de doença de Crohn secundária à má absorção de ácido nicotínico.[26][27][28][29]
Os transtornos decorrentes do uso crônico de bebidas alcoólicas podem causar encefalopatia por pelagra.[30][31][32][7][33][34] Embora o mecanismo exato não seja claro, foi proposto que a permeabilidade intestinal decorrente de alterações gastrointestinais ou da ação de radicais livres de oxigênio durante o metabolismo do etanol possa ser um dos mecanismos contribuintes.[30]
A doença de Hartnup é uma doença autossômica recessiva caracterizada pelo transporte deficiente (absorção gastrointestinal e reabsorção renal) de aminoácidos neutros, incluindo o triptofano. Ela foi associada à deficiência de vitamina B3, e os sintomas da doenças geralmente remitem com terapia de niacina.
Há uma necessidade aumentada de niacina durante a gravidez e a lactação. Descobriu-se que as gestantes e pessoas que tomam estrogênio exógeno (por exemplo, contraceptivos orais) excretam níveis elevados de ácido xanturênico.[35][36] A terapia com piridoxina (coenzima da quinureninase, uma enzima envolvida na conversão de triptofano em niacina) normaliza a excreção de ácido xanturênico, sugerindo que a conversão de triptofano para niacina seja afetada adversamente.
Na síndrome carcinoide, os mediadores neuroendócrinos circulantes são produzidos por tumores carcinoides, particularmente aqueles do intestino médio. A pelagra resulta da depleção de triptofano, o qual é usado por tumores carcinoides para a síntese de serotonina.[37][38]
Alguns estudos relataram que a infecção por vírus da imunodeficiência humana (HIV)-1 in vitro causa uma diminuição significativa na concentração intracelular de NAD.[39][40][41] Descobriu-se que a nicotinamida inibe a infecção por HIV de uma maneira dose-dependente em cultura celular.
Episódios de diarreia em pacientes com Ehlers-Danlos interferem na absorção de niacina e podem resultar em pelagra.[42]
Vários fatores são conhecidos por antagonizar a via da niacina.[3][43]
A conversão de triptofano em niacina é inibida por deficiências das vitaminas B2 e B6. A riboflavina (vitamina B2) e a piridoxina (vitamina B6) são as coenzimas para quinurenina hidroxilase e quinureninase, respectivamente, as enzimas envolvidas na conversão de triptofano em niacina.[3][8][44] Portanto, sua deficiência pode causar um comprometimento na biossíntese de niacina oriunda do triptofano e pode resultar em pelagra, apesar da ingestão adequada de niacina.[45]
A deficiência de cobre também pode inibir a conversão de triptofano em niacina.[46]
Medicamentos antituberculose e antirretrovirais estão fortemente associados ao desenvolvimento de pelagra. A isoniazida tem uma estrutura similar à da niacina e, portanto, interfere na conversão de triptofano em niacina induzindo uma deficiência da coenzima piridoxina.[47][48][49][50][51][52][53] Há relatos de pelagra induzida por isoniazida apesar da suplementação com piridoxina.[54] A rifampicina inibe a absorção de niacina.
Outros medicamentos associados ao desenvolvimento de pelagra são pirazinamida, etionamida, fluoruracila, mercaptopurina, hidantoínas, fenobarbital, cloranfenicol e penicilamina.[43][48] A penicilamina quela o cobre, causando deficiência de cobre e inibição subsequente da conversão de triptofano em niacina.
Fisiopatologia
O triptofano, um aminoácido essencial, é convertido em niacina no corpo e aumenta consideravelmente a quantidade de niacina disponível. O fator de conversão (por peso) é 60 mg de triptofano em 1 mg de niacina (isto é, 1 equivalente de niacina). A niacina é essencial para o crescimento e está relacionada à síntese de hormônios. Também é encontrada na forma de coenzimas de nucleotídeo pirimidina, de nicotinamida-adenina dinucleotídeo (NAD) e de nicotinamida-adenina dinucleotídeo fosfato (NADPH).[1][2][3][4] A síntese de novo de NAD e NADP ocorre a partir do ácido quinolínico, um metabólito do aminoácido essencial triptofano. Eles são essenciais em todas as células para a produção de energia, para o metabolismo e para o reparo de ácido desoxirribonucleico (DNA).
Após a digestão, o NAD e o NADP são convertidos em nicotinamida (Nam) e em ácido nicotínico (AN), os quais são absorvidos do estômago e do intestino delgado.[1][2][3][4] Muitas plantas e grãos contêm niacina em complexos com ligações covalentes (niacitina) com carboidratos e peptídeos que não são liberados durante a digestão. Entretanto, a niacitina pode se tornar disponível com a hidrólise alcalina. Em baixas concentrações, o AN e a Nam entram no intestino via difusão facilitada sódio-dependente, enquanto em altas concentrações predomina a difusão passiva.[1][2][3][4] A Nam é a principal forma na corrente sanguínea e surge da digestão enzimática do NAD na mucosa intestinal e no fígado. Ela é absorvida pelos tecidos e pode novamente ser convertida em NAD quando necessário.
O excesso de niacina é metilado no fígado para formar N-metilnicotinamida (NMN).[1][2][3][4] Isso é excretado na urina com os produtos da NMN, a saber as 2- e 4-piridonas. As formas óxido e hidroxila de niacina também são excretadas em menor grau. A quantidade e o tipo de metabólitos excretado depende da forma de niacina ingerida, bem como do estado de niacina do indivíduo.
Classificação
Deficiência marginal
A história alimentar é indicativa de uma dieta marginalmente e cronicamente deficiente em niacina, sem o desenvolvimento de sinais e sintomas.
Pelagra primária (endêmica)
Deficiência grave de niacina que resulta em dermatite, demência e diarreia como resultado de uma dieta deficiente em niacina e/ou triptofano.
Pelagra secundária
Deficiência associada a uma condição subjacente, como transtornos decorrentes do uso crônico de bebidas alcoólicas, anorexia nervosa, câncer/síndrome carcinoide, deficiências de vitamina B2 e B6 e medicamentos (por exemplo, isoniazida).
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