Abordagem

Não existe tratamento curativo para cardiomiopatia hipertrófica (CMH). As terapias são defendidas em populações selecionadas de pacientes para reduzir os sintomas (que podem ocorrer secundários à obstrução subaórtica, disfunção diastólica ou isquemia) e para reduzir o risco de morte súbita cardíaca (MSC). O cuidado do paciente requer a colaboração de diferentes especialidades e coordenação entre diferentes níveis de atenção; é fortemente recomendada uma abordagem de cuidados compartilhados entre especialistas em cardiomiopatia e centros gerais de cardiologia para adultos.[1]

Avaliação inicial e abordagem para o tratamento em todos os pacientes

Na avaliação inicial, os pacientes devem ser classificados como assintomáticos ou sintomáticos. Eles também devem ser submetidos à estratificação de risco para que se defina o risco de MSC.[1][2]​​ Somente os pacientes com sintomas relacionados a obstrução da via de saída, disfunção diastólica ou disfunção sistólica exigem terapia medicamentosa. Apenas determinados pacientes com alto risco de MSC necessitam da colocação de um cardioversor-desfibrilador implantável (CDI).

As calculadoras de risco arrítmico podem ser úteis na previsão do risco de MSC e foram validadas em grandes populações.[63][64]​​​ Um estudo, no entanto, avaliou o modelo de risco de MSC da European Society of Cardiology de 2014 para a CMH. O escore prognóstico foi aplicado retrospectivamente a uma grande coorte independente de pacientes com CMH e foi considerado geralmente não confiável para predizer uma MSC futura; a maioria dos pacientes que sofreram MSC ou foram submetidos a intervenções com CDI apropriadas haviam sido erroneamente classificados como de baixo risco.[39]

As recomendações de consenso restringiram anteriormente todos os atletas com CMH de todos os esportes competitivos; entretanto, as diretrizes dos EUA e da Europa agora aconselham que a participação em exercícios/esportes competitivos de alta intensidade pode ser considerada para alguns indivíduos após uma avaliação abrangente e discussão compartilhada.[2][65]​​​​ Um grande estudo de coorte prospectivo revelou que entre indivíduos com CMH, genótipo- positivos/fenótipo-negativos, que são tratados em centros especializados, aqueles que se exercitam vigorosamente não apresentam uma taxa mais alta de morte ou arritmias com risco à vida do que aqueles que se exercitam moderadamente ou aqueles que são sedentários.[66]

Pacientes assintomáticos

Os pacientes assintomáticos (genótipo-positivos/fenótipo-negativos) geralmente são identificados incidentalmente no momento de exames cardíacos de rotina ou de um rastreamento familiar.[1][2]​​​ Esses pacientes requerem monitoramento contínuo quanto ao desenvolvimento de CMH clínica. As diretrizes dos EUA recomendam avaliação clínica, ECG e exames de imagem cardíaca seriais a cada 1-2 anos nas crianças e adolescentes, e a cada 3-5 anos nos adultos.[2]

Os pacientes genótipo-positivos/fenótipo-negativos não são considerados de alto risco para MSC, e a colocação de um CDI não é necessária.[2]

A participação em esportes competitivos de qualquer intensidade é razoável nos pacientes genótipo-positivos/fenótipo-negativos; eles devem ser regularmente avaliados quanto a alterações no status clínico.[2]​​[65]​​​

Pacientes com alto risco de morte súbita

A MSC é a forma mais comum de morte em pessoas jovens com CMH, ocorrendo com uma incidência de 1% ao ano.[67] O mecanismo proposto para a MSC é a taquicardia ventricular (TV) ou fibrilação ventricular (FV) secundária à isquemia.[4] A MSC ocorre tipicamente no contexto de um esforço físico extremo. Nenhum tratamento medicamentoso ou cirúrgico demonstrou ser capaz de diminuir o risco de morte súbita em populações maiores, portanto, o CDI é a terapia de primeira linha para pacientes cujo risco de MSC seja considerado significativo.[1][2]Para obter detalhes sobre a estratificação de risco, consulte Abordagem diagnóstica.

Não foram realizados ensaios clínicos randomizados e controlados (ECRCs) sobre o efeito do CDI em pacientes com CMH, embora existam evidências a partir de estudos observacionais.[2][68]

As diretrizes recomendam a colocação de CDI para pacientes com CMH e parada cardíaca previamente documentada ou arritmia ventricular sustentada causando síncope ou comprometimento hemodinâmico na ausência de causas reversíveis.[1][2]​​​​ Uma estratificação abrangente do risco de MSC é recomendada em todos os pacientes à apresentação inicial e, depois, em intervalos de 1 a 2 anos ou sempre que houver uma mudança no estado clínico.[1][2]

Um único marcador de alto risco de parada cardíaca súbita pode ser suficiente para que se considere a colocação profilática do CDI em pacientes selecionados.[1][2]​​​​​​​[68]​ Os pacientes aos quais isso se aplicaria incluem aqueles com um ou mais parentes de primeiro grau ou próximos com 50 anos ou menos com morte súbita presumivelmente causada por CMH, pacientes com espessura máxima da parede do VE maior ou igual a 30 mm, pacientes com um ou mais episódios recentes de síncope com suspeita de arritmia, aneurisma apical do VE, disfunção sistólica do VE com fração de ejeção <50% e realce com gadolínio tardio extenso na ressonância nuclear magnética cardíaca.[1][2]​​​ Foi relatado que as complicações após a colocação de um CDI ocorrem a uma taxa de 3.4% ao ano.[69] Esportes de contato devem ser evitados após o implante de CDI.[70]

Os pacientes e cuidadores devem ser totalmente informados e participar da tomada de decisões sobre a colocação do CDI.[2] Eles devem ser aconselhados sobre o risco de choques inadequados, complicações do implante e as implicações sociais, ocupacionais e de condução de veículos do dispositivo. A implantação de um cardioversor desfibrilador só é recomendada em pacientes com expectativa de sobrevida de boa qualidade >1 ano.[1]

Pacientes sintomáticos: predominantemente obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo com função sistólica preservada (fração de ejeção ≥50%)

Nos pacientes sintomáticos com obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, o objetivo é melhorar os sintomas com o uso de terapia medicamentosa, cirurgia ou ablação septal com álcool. Um paciente sintomático com obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo em repouso ou provocável é tratado inicialmente com terapia inotrópica ou cronotrópica negativa; os betabloqueadores são preferenciais, com os bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos (diltiazem, verapamil) como alternativas.[2] A taquifilaxia a medicamentos é comum, e a dosagem deve ser ajustada ao longo do tempo. Na ausência de muitos ECRCs, a terapia farmacológica é administrada principalmente em uma base empírica para melhorar a capacidade funcional e reduzir os sintomas.[1]

A adição do mavacanteno (um inibidor da miosina cardíaca) ou da disopiramida (um antiarrítmico tipo Ia) é considerada se os sintomas persistirem apesar do tratamento com um betabloqueador ou um bloqueador dos canais de cálcio não di-hidropiridínico. A terapia de redução septal também é uma opção para os pacientes elegíveis com sintomas persistentes.[1][2]

Podem-se usar diuréticos em baixa dosagem com cautela nos pacientes com dispneia persistente com evidência clínica de sobrecarga de volume e altas pressões de enchimento do lado esquerdo apesar de outras terapias medicamentosas orientadas por diretrizes para a CMH. Uma diurese agressiva pode agravar a obstrução da via de saída do VE.[1][2]

Betabloqueadores

  • Os betabloqueadores são benéficos devido a suas propriedades inotrópicas e cronotrópicas negativas. Os betabloqueadores não vasodilatadores são considerados terapia de primeira linha para CMH sintomática devido a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo. Em doses padrão, eles são geralmente bem tolerados. Os efeitos colaterais relatados incluem fadiga, impotência, perturbações do sono e bradicardia.

  • Uma experiência substancial sugere que os betabloqueadores podem mitigar os sintomas e reduzir a obstrução da via de saída nos pacientes em que a obstrução da via de saída do VE ocorre durante os exercícios. Há poucas evidências que sugiram um efeito benéfico nos gradientes da via de saída em repouso; entretanto, um pequeno ECRC revelou que o metoprolol reduziu a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo em repouso e durante o exercício, proporcionou alívio dos sintomas e melhorou a qualidade de vida em pacientes com CMH obstrutiva. A capacidade máxima de exercício permaneceu inalterada. Este é o primeiro ECRC em mais de 50 anos a abordar o uso de betabloqueadores na CMH.[71][72]

  • O betabloqueador pode oferecer benefícios a pacientes com CMH e sintomas sugestivos de isquemia.

Bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos

  • Usados para aliviar os sintomas, incluindo os com um componente de dor torácica.[2] O verapamil e o diltiazem têm propriedades vasodilatadoras, bem como efeitos inotrópicos e cronotrópicos negativos.[2] A administração oral de curto prazo pode aumentar a capacidade de exercício, melhorar os sintomas e normalizar ou melhorar o enchimento diastólico do VE sem alterar a função sistólica.[1]

  • O verapamil pode ser usado quando os betabloqueadores forem contraindicados ou inefetivos, mas ele é potencialmente prejudicial nos pacientes com CMH obstrutiva e dispneia grave em repouso, hipotensão e gradientes de repouso muito elevados (por exemplo, >100 mmHg), e nos bebês com <6 semanas.[2] Foi relatado que o verapamil causa a morte em alguns pacientes com CMH e com obstrução grave da via de saída do ventrículo esquerdo ou pressão arterial pulmonar elevada, uma vez que ele pode provocar edema pulmonar.[1] Portanto, deve ser usado com cautela nesses pacientes.[1]

  • O diltiazem deve ser considerado em pacientes intolerantes ou com contraindicações a betabloqueadores e verapamil.[1]

Disopiramida

  • Inotrópico negativo e agente antiarrítmico do tipo Ia. Considere a adição de disopiramida para os pacientes com obstrução da via de saída do VE e sintomas graves persistentes apesar de uma terapia com betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos.[1][2]

  • As diretrizes dos EUA recomendam que a disopiramida seja usada em combinação com um agente que tenha propriedades de bloqueio do nó atrioventricular (por exemplo, betabloqueador ou bloqueador dos canais de cálcio não di-hidropiridínico), pois ela pode aumentar a condução através do nó atrioventricular, o que pode levar a uma condução rápida com o início da fibrilação atrial.[2]

  • As diretrizes europeias também recomendam que a disopiramida seja considerada como monoterapia nos pacientes intolerantes ou com contraindicações aos betabloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos.[1]

  • A disopiramida diminui a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo em repouso. Em um estudo multicêntrico, mostrou-se que 75% dos pacientes com CMH obstrutiva que foram manejados com disopiramida tiveram uma melhora dos sintomas, juntamente com uma redução de 50% no gradiente de saída do VE. Esse efeito benéfico foi sustentado pelo período do estudo, de 3 anos.[73]

  • Os efeitos colaterais anticolinérgicos limitantes da dose incluem olhos e boca secos, hesitação ou retenção urinária e constipação. O intervalo QT no ECG deve ser monitorado para prolongamento.[1]

Mavacamten

  • Um inibidor de miosina cardíaca aprovado para o tratamento de adultos com CMH obstrutiva classe II-III da New York Heart Association (NYHA) sintomática para melhorar a capacidade funcional e os sintomas.[1][74][75]​ Atua inibindo a miosina adenosina trifosfatase (ATPase) cardíaca, reduzindo assim a formação das pontes cruzadas actina-miosina; isso reduz a contratilidade e melhora a dinâmica miocárdica.[1]

  • Considere a adição do mavacanteno para pacientes com obstrução da via de saída do VE e sintomas graves persistentes apesar da terapia com betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos.[1][2]​ Nos EUA, o mavacanteno está atualmente disponível através de um programa de Estratégia de Avaliação e Mitigação de Risco (REMS), concebido para monitorar periodicamente os pacientes por meio de ecocardiografias para a detecção precoce de disfunção sistólica e para rastrear interações medicamentosas antes de cada prescrição.[76]

  • As diretrizes europeias estipulam que, na ausência de evidência em contrário, o mavacanteno não deve ser utilizado com a disopiramida, mas pode ser coadministrado com betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos.[1] As diretrizes do Reino Unido diferem, afirmando que pode ser adicionado ao padrão de cuidados individualmente otimizado que inclui betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos ou disopiramida, a menos que sejam contraindicados.[75]

  • Nos pacientes com contraindicações ou sensibilidade conhecida aos betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos e à disopiramida, o mavacanteno pode ser considerado como monoterapia.[1]

  • O ajuste para cima do tratamento medicamentoso até uma dose máxima tolerada deve ser monitorado de acordo com as recomendações licenciadas com a utilização de vigilância ecocardiográfica da fração de ejeção do VE.[1]

  • No estudo de fase 3 EXPLORER-HCM, o tratamento com mavacanteno melhorou a capacidade de exercício, a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, a classe funcional da NYHA e o estado de saúde (sintomas, função física e social e qualidade de vida) em comparação com o placebo em pacientes com CMH obstrutiva sintomática.[77][78][79] O medicamento foi bem tolerado e apresenta bom perfil de segurança; apenas um pequeno subconjunto de pacientes desenvolveu disfunção sistólica do VE transitória, que foi resolvida após a descontinuação temporária do medicamento.

  • Uma análise secundária encontrou mudanças favoráveis na estrutura e função cardíaca ao longo de 30 semanas de terapia, incluindo melhora nos marcadores ecocardiográficos das pressões de enchimento do VE, gradientes da VSVE e movimento anterior sistólico. Também foram observadas reduções no NT-proPNB, apoiando ainda mais o benefício do mavacanteno na melhora funcional e na remodelação favorável.[80]

  • Dados interinos de um estudo de extensão de longo prazo, analisados em um acompanhamento mediano de 62.3 semanas, mostraram que o mavacanteno foi associado a melhoras clinicamente importantes e sustentadas dos gradientes da VSVE, da classe NYHA e dos níveis de NT-proPNB que foram consistentes com os observados no estudo principal. O tratamento foi geralmente bem tolerado ao longo de 315 pacientes-ano de exposição.[76]

  • No ensaio clínico de fase 3 VALOR-HCM, os pacientes que foram atribuídos para receber mavacanteno, bem como aqueles que inicialmente receberam placebo durante 16 semanas e depois passaram para mavacanteno, tiveram uma necessidade significativamente reduzida de terapia de redução septal após 56 semanas em comparação com o placebo.[81]

  • Em outro ensaio clínico randomizado (EXPLORER-CN), pacientes chineses com CMH obstrutiva sintomática que receberam tratamento com mavacanteno tiveram uma redução significativa no gradiente de pico da via de saída do VE de Valsalva, em comparação com aqueles tratados com placebo[82]

  • Estudos abertos de acompanhamento que avaliam a eficácia e segurança em longo prazo do mavacanteno nesses ensaios, bem como a experiência do mundo real, fornecerão mais informações sobre a durabilidade das melhoras e o perfil de segurança do medicamento.

Miectomia cirúrgica (terapia de redução septal)

  • Se os sintomas graves persistirem apesar de uma terapia medicamentosa ideal, deve-se considerar a miectomia cirúrgica, a qual reduz a massa septal, aliviando assim a obstrução.​[2] Os pacientes são geralmente considerados elegíveis para a terapia de redução septal quando apresentam dispneia grave ou dor torácica (classe III ou IV da New York Heart Association) ou síncope recorrente por esforço, gradiente de trato de saída em repouso ou provocável ≥50 mmHg, e uma anatomia apropriada.[1][2]

  • A miectomia elimina ou reduz substancialmente os gradientes da via de saída do VE em mais de 90% dos casos, reduz a regurgitação mitral relacionada ao movimento anterior sistólico e melhora a capacidade de exercício e os sintomas.

  • O benefício sintomático em longo prazo é alcançado em >80% dos pacientes, com uma sobrevida em longo prazo comparável à da população em geral.

  • Os determinantes pré-operatórios de um bom desfecho em longo prazo são: idade <50 anos; tamanho do átrio esquerdo <46 mm; ausência de FA; e sexo masculino.[1] Idade avançada e gravidade aumentada das comorbidades são preditivos de desfechos cirúrgicos desfavoráveis.[83]

  • Não se demonstrou, conclusivamente, que a miectomia cirúrgica afeta a incidência de morte súbita.

  • A taxa de complicações pós-operatórias é estimada em 5.9% na maioria dos centros especializados. As complicações pós-operatórias mais comum são o bloqueio atrioventricular total em pacientes sem anormalidade de condução prévia (3% a 10%), bloqueio de ramo esquerdo (40% a 56%) e defeito do septo ventricular (1%).[83][84]

Ablação septal por álcool (ASA)

  • Pode ser realizado como uma alternativa à miectomia cirúrgica.

  • Envolve a aplicação de álcool em um ramo perfurante septal alvo da artéria descendente anterior com o objetivo de produzir um infarto do miocárdio e reduzir a espessura do septo.[1]

  • O remodelamento septal e o alívio da obstrução após a ASA ocorrem ao longo de vários meses, resultando em uma menor redução no gradiente em repouso se comparada à miectomia cirúrgica, mas uma redução similar nos sintomas do paciente.[85][86]

  • As complicações incluem arritmias ventriculares (2.2%), dissecação coronária (1.8%) e bloqueio atrioventricular total (>10%), tornando necessária a colocação de um marca-passo permanente.[87]​ Há uma necessidade maior de implantação de um marca-passo permanente após o procedimento se comparado à miectomia cirúrgica.[88]

  • A mortalidade por todas as causas ou morte súbita cardíaca é baixa após ASA.[89]

  • Não se demonstrou, conclusivamente, que a ASA afeta a incidência de morte súbita.

  • Embora faltem dados comparando os desfechos posteriores da ASA e da miectomia cirúrgica, um estudo retrospectivo e observacional comparou a mortalidade em longo prazo de pacientes com CMH obstrutiva após ambos os procedimentos. Concluiu que a ASA estava associada ao aumento da mortalidade por todas as causas em longo prazo em comparação com a miectomia septal. Esse achado permaneceu após ajuste para fatores de confundimento (pacientes submetidos à ASA tendem a ser mais velhos, com mais comorbidades e espessura septal reduzida, em comparação com pacientes submetidos à miectomia septal), mas ainda pode ser influenciado por fatores de confundimento não mensurados.[90]

Manejo de complicações

Isquemia miocárdica

Os pacientes podem desenvolver sintomas ou sinais de isquemia. Isquemia em CMH é multifatorial, não sendo facilmente tratada. Diminuir a demanda de oxigênio miocárdico com inotrópico negativo e agentes cronotrópicos pode se mostrar benéfico. Deve-se identificar a etiologia da isquemia (isto é, aumento da obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, doença arterial coronariana ou ponte miocárdica).

Para os pacientes com artéria coronária anômala, a abertura cirúrgica da ponte miocárdica (tunelamento das artérias coronárias no músculo cardíaco) demonstrou produzir melhora sintomática em pacientes selecionados, mas os dados são limitados.[30][91]​​​​​ Além disso, a ponte miocárdica é frequentemente identificada na CMH, e não foi conclusivamente relacionada à MSC.[92][93]​​​​​ Portanto, os riscos do procedimento precisam ser considerados quando uma intervenção cirúrgica for aconselhada.

Para os pacientes com doença arterial coronariana epicárdica concomitante, considere a ICP ou a CRM. Consulte Doença coronariana crônica.

Arritmias ventriculares

Conforme descrito acima, a implantação de um CDI é recomendada para prevenção secundária nos pacientes com CMH que tiverem sobrevivido a uma parada cardíaca devida a TV ou FV, ou que tiverem arritmia ventricular espontânea sustentada causando síncope ou comprometimento hemodinâmico na ausência de causas reversíveis. Ela também deve ser considerada nos pacientes que apresentarem TV hemodinamicamente tolerada, na ausência de causas reversíveis.[1] Em pacientes com CMH e CDI compatíveis com estimulação, recomenda-se a programação de estimulação antitaquicardia para minimizar o risco de choques.[2]​ Embora faltem dados, medicamentos antiarrítmicos, como betabloqueadores (por exemplo, sotalol) e amiodarona, devem ser considerados para os pacientes com arritmia ventricular sintomática recorrente, ou choques recorrentes do CDI.[1] A ablação por cateter em centros especializados pode ser considerada em pacientes selecionados com TV monomórfica sustentada (TVMS) recorrente e sintomática, ou choques recorrentes do CDI para TVMS, nos os medicamentos antiarrítmicos forem inefetivos, contraindicados ou não tolerados.[2][94]​​​​

arritmias atriais

As arritmias atriais, incluindo a fibrilação atrial (FA), são comuns, principalmente nos pacientes com CMH idosos. A prevalência da FA entre os pacientes com CMH é estimada em 17% a 39%, com uma incidência anual de 2.8% a 4.8%.[1] A FA é frequentemente mal tolerada nos pacientes com CMH.[2] Como resultado, pode ser necessária uma estratégia agressiva para a manutenção do ritmo sinusal. A FA paroxística ou persistente está associada ao aumento do átrio esquerdo.[4] A FA está independentemente associada à morte decorrente de insuficiência cardíaca, à ocorrência de AVC fatal ou não fatal e à progressão de longa duração com sintomas de insuficiência cardíaca. O manejo da FA é igual ao dos pacientes sem CMH. No entanto, a digoxina normalmente não é usada para controle de frequência cardíaca atrial se o paciente apresentar hipertrofia significativa, pois existe uma preocupação teórica de que possa exacerbar a obstrução na via de saída do VE devido a um efeito inotrópico positivo.[2] Além disso, os escores tradicionais do risco de AVC usados na população em geral, como CHA2DS2-VASc (insuficiência cardíaca congestiva ou disfunção ventricular esquerda, hipertensão, idade ≥75 [duplicada], diabetes, doença vascular relacionada a AVC [duplicado], idade de 65 a 74 anos, categoria de sexo [feminino]) não são preditivos em pacientes com CMH, com evidências sugerindo que seu desempenho pode ser inferior ao ideal.[1][2]​​​​​​[95]​​ Por esse motivo, embora não existam ECRCs avaliando o papel da anticoagulação em pacientes com CMH, dada a alta incidência de AVC, a anticoagulação profilática é recomendada em todos os pacientes com CMH e FA (se não houver contraindicação).[1] Um anticoagulante oral direto (AOD) é recomendado como opção de primeira linha, e um antagonista da vitamina K (geralmente a varfarina) como opção de segunda linha.[1][2]​​[95]​​​ Consulte Fibrilação atrial de início recente eFibrilação atrial crônica.

Indicações para implantação de marca-passo permanente

A implantação de um marca-passo permanente também é indicada para os pacientes com disfunção do nó sinusal e CMH sintomáticos, pacientes com bloqueio atrioventricular (AV) sintomático de alto grau ou pacientes com arritmias, como FA ou arritmias ventriculares, agravadas por bradicardia ou pausas prolongadas.[96][70]

Pacientes sintomáticos: predominantemente não obstrutivos com função sistólica preservada (fração de ejeção ≥50%)

Os pacientes com CMH não obstrutiva geralmente têm dispneia e angina de esforço.[2] Os sintomas relacionam-se à disfunção diastólica, com um comprometimento do preenchimento que resulta em redução do débito cardíaco e congestão pulmonar. A presença de DAC obstrutiva deve ser descartada.[2] Os pacientes são mais sintomáticos quando a frequência cardíaca é mais elevada, pois o enchimento diastólico fica ainda mais comprometido; um agente cronotrópico negativo pode, portanto, ser benéfico nesse cenário.[4]

As opções de primeira linha para os pacientes com CMH não obstrutiva e fração de ejeção preservada são os betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos.[1][2] Acredita-se que os bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos melhorem os sintomas, secundários ao efeito benéfico sobre o relaxamento miocárdico e o enchimento ventricular. Eles também são inotrópicos negativos que podem ajudar no alívio dos sintomas. Os betabloqueadores podem melhorar o enchimento diastólico devido ao seu efeito cronotrópico negativo.

Podem-se adicionar diuréticos orais ao tratamento nos pacientes com dispneia persistente apesar do uso de betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos ou sobrecarga de volume; os diuréticos devem ser usados com cautela para evitar hipotensão ou hipovolemia.[2]  A disopiramida não é recomendada por, possivelmente, reduzir o débito cardíaco mais que outras terapias nesse caso. O mavacanteno não está aprovado para uso na CMH não obstrutiva; estudos estão em andamento.

As diretrizes dos EUA observam que, além das terapias farmacológicas, a atividade física e o controle das comorbidades, incluindo hipertensão, diabetes, obesidade e apneia obstrutiva do sono, podem proporcionar uma redução otimizada da carga sintomática.[2]

A cirurgia pode ser considerada em pacientes altamente selecionados com CMH apical e dispneia ou angina graves, apesar da terapia medicamentosa máxima; mas isso é limitado aos centros de excelência com os maiores volumes, experiência cirúrgica e especialização.[2]

Manejo de complicações

Isquemia miocárdica

Se o paciente desenvolver sinais ou sintomas de isquemia, pode ser benéfico reduzir a demanda miocárdica de oxigênio com agentes inotrópicos ou cronotrópicos negativos. Deve-se identificar a etiologia da isquemia (isto é, aumento da obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, doença arterial coronariana ou ponte miocárdica). Relatou-se que a cirurgia de remoção do teto da ponte miocárdica produz melhora sintomática em pacientes selecionados. Porém os dados são limitados.[30][91]

Nitratos orais podem ser usados com cautela para alívio da angina.[1] Pode-se considerar que a ranolazina melhora os sintomas nos pacientes com dor torácica anginosa e sem evidência de obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, mesmo na ausência de doença arterial coronariana obstrutiva.[1] Consulte Doença coronariana crônica.

Arritmias ventriculares

Como nos pacientes com obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, a implantação de um CDI é recomendada para prevenção secundária nos pacientes com CMH não obstrutiva que tiverem sobrevivido a uma parada cardíaca devida a TV ou FV, ou que tiverem arritmia ventricular sustentada espontânea causando síncope ou comprometimento hemodinâmico na ausência de causas reversíveis. Ela também deve ser considerada nos pacientes que apresentarem TV hemodinamicamente tolerada, na ausência de causas reversíveis.[1] Nos pacientes com CMH e CDI compatíveis com estimulação, recomenda-se a programação da estimulação antitaquicardia para minimizar o risco de choques.[2] Embora faltem dados, medicamentos antiarrítmicos, como betabloqueadores (por exemplo, sotalol) e amiodarona, devem ser considerados para pacientes com arritmia ventricular sintomática recorrente ou choques recorrentes do CDI.[1] A ablação por cateter em centros especializados pode ser considerada em pacientes selecionados com TV monomórfica sustentada (TVMS) recorrente e sintomática, ou choques recorrentes do CDI para TVMS, nos os medicamentos antiarrítmicos forem inefetivos, contraindicados ou não tolerados.[2][94]

arritmias atriais

Trate as arritmias atriais, incluindo a FA, conforme descrito acima para os pacientes com obstrução de saída do VE predominante, para manter o ritmo sinusal. Acredita-se que o risco de tromboembolismo sistêmico nos pacientes com CMH e FA seja significativo e, portanto, o limiar para o início da terapia anticoagulante deve ser baixo.[1][2]  A anticoagulação é recomendada para todos os pacientes com CMH e FA, com um AOD como primeira linha e um antagonista da vitamina K (geralmente a varfarina) como segunda linha.[1][2]

Indicações para implantação de marca-passo permanente

A implantação de um marca-passo permanente também é indicada para pacientes com disfunção do nó sinusal e CMH sintomáticos, pacientes com bloqueio AV sintomático de alto grau e pacientes com arritmias, como FA ou arritmias ventriculares, exacerbadas por bradicardia ou pausas prolongadas.[96][70]

Pacientes sintomáticos: com disfunção sistólica (fração de ejeção <50%)

A duração média da doença, do início dos sintomas ao estágio terminal, é de 14 anos.[97] A função sistólica deteriora-se, e o ventrículo esquerdo remodela-se e fica dilatado. O mecanismo da CMH em estágio terminal é, provavelmente, uma lesão isquêmica difusa. Os fatores de risco para a doença terminal incluem idade menos avançada ao diagnóstico, sintomas mais graves, maior tamanho da cavidade VE e história familiar de doença em estágio terminal. Uma vez surgida essa complicação, a mortalidade é alta, com tempo médio até o óbito ou transplante cardíaco de 2.7 ± 2.1 anos.[97]

Terapia medicamentosa

Os pacientes com disfunção sistólica com fração de ejeção <50% são tratados com uma terapia medicamentosa orientada pelas diretrizes para insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida.[2][98] Consulte Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida.

Em função de um possível comprometimento da pré-carga, os diuréticos devem ser utilizados com mais cautela nesses pacientes que em pacientes com outras causas de insuficiência cardíaca.

As diretrizes dos EUA observam que a fração de ejeção reduzida é incomum nos pacientes com CMH e, portanto, o paciente deve ser avaliado quanto a outras causas de disfunção sistólica.[2] O mavacanteno deve ser interrompido ou descontinuado nos pacientes que desenvolverem uma FEVE <50%. Os agentes inotrópicos negativos previamente indicados (verapamil, diltiazem ou disopiramida) também devem ser descontinuados.[2]

Avaliação para suporte circulatório mecânico e/ou transplante cardíaco

Se os pacientes permanecerem refratários à terapia medicamentosa, deve-se considerar um transplante cardíaco.[2][98] Foi comprovado que o transplante de coração melhora a sobrevida e a qualidade de vida para os pacientes com insuficiência cardíaca em estágio terminal secundária a CMH.[98] A presença de comorbidades, o estado do cuidador e os objetivos de cuidados devem ser levados em consideração ao se analisar se o paciente é elegível para transplante.[98]​ A terapia com dispositivo de assistência ventricular esquerda pode ser considerada uma ponte para o transplante.[2]

DCI

Conforme descrito acima, os pacientes com CMH e disfunção sistólica com fração de ejeção <50% são considerados para colocação de CDI.[2]

Terapia de ressincronização cardíaca (TRC)

As diretrizes dos EUA observam que, nos pacientes com sintomas da classe funcional II à classe IV da NYHA apesar de uma terapia medicamentosa orientada por diretrizes e bloqueio de ramo esquerdo, a TRC pode ser benéfica para melhorar os sintomas, reduzir as hospitalizações por IC e aumentar a sobrevida. O benefício nos pacientes com CMH não está estabelecido, mas o uso da TRC pode ser considerado em pacientes selecionados.[2]

Considerações sobre condições comórbidas crônicas comuns adicionais

Modificação do estilo de vida e do risco de doença cardiovascular

  • Eventuais comorbidades como hipertensão, obesidade, diabetes, hiperlipidemia e distúrbios respiratórios do sono, além de fatores de estilo de vida, como tabagismo e inatividade, podem aumentar a carga sintomática e o risco de insuficiência cardíaca e/ou fibrilação atrial.[99][100]​​​ A prevenção primária da doença cardiovascular (conforme diretrizes publicadas) e o manejo dos fatores de risco são recomendados em todos os pacientes (sintomáticos e assintomáticos).[1][99][101]

  • A obesidade e a hipertensão têm sido associadas a um maior risco de desenvolvimento de CMH em indivíduos com genótipo negativo. As diretrizes dos EUA sugerem que as intervenções para a perda do peso nos pacientes com CMH e obesidade têm o potencial de reduzir os sintomas e os desfechos adversos.[99]

  • No tratamento dos pacientes com hipertensão e CMH obstrutiva, os betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos são preferenciais. Também podem-se considerar diuréticos em baixa dosagem. Os agentes vasodilatadores podem exacerbar a obstrução da via de saída do VE e os sintomas.[99]

  • A avaliação quanto a distúrbios respiratórios do sono é recomendada pelas diretrizes dos EUA, com encaminhamento a um especialista se houver sintomas presentes.[99] As diretrizes sugerem que o tratamento da apneia obstrutiva do sono pode reduzir os sintomas e as complicações arrítmicas nos pacientes com CMH, mas são necessárias evidências.

  • Os pacientes devem abster-se de atividades atléticas de alta intensidade.

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