O diagnóstico de toxicidade por cocaína é essencialmente clínico. Embora exames laboratoriais possam confirmar ou descartar o diagnóstico (além de determinar complicações), o tratamento não deve ser adiado. Com base apenas em indícios e sintomas pode ser impossível distinguir uma toxicidade por cocaína de outros simpatomiméticos, como metanfetamina. Contudo, os principais elementos de manejo de todos os simpatomiméticos são os mesmos; portanto, esta distinção não é crucial.
História
O uso da cocaína é maior entre homens jovens de 18 a 25 anos, mas ocorre em todos os grupos demográficos.[4]Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA), US Department of Health and Human Services (HHS). Key substance use and mental health indicators in the United States: results from the 2019 National Survey on Drug Use and Health. Sep 2020 [internet publication].
https://www.samhsa.gov/data/sites/default/files/reports/rpt29393/2019NSDUHFFRPDFWHTML/2019NSDUHFFR090120.htm#illi3
[7]Curtin SC, Tejada-Vera B, Warmer M. Drug overdose deaths among adolescents aged 15-19 in the United States: 1999-2015. NCHS Data Brief. 2017 Aug;(282):1-8.
https://www.cdc.gov/nchs/products/databriefs/db282.htm
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29155681?tool=bestpractice.com
[11]Bernstein KT, Bucciarelli A, Piper TM, et al. Cocaine and opiate-related fatal overdose in New York City 1990-2000. BMC Public Health. 2007 Mar 9;7:31.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1839087
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17349051?tool=bestpractice.com
[12]Black JC, Bau GE, Iwanicki JL, et al. Association of medical stimulants with mortality in the US from 2010 to 2017. JAMA Intern Med. 2021 May 1;181(5):707-9.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/33523100?tool=bestpractice.com
É importante perguntar ao paciente sobre consumo recente de cocaína e determinar quando foi o último uso. Quando fumada, aspirada ou injetada, os efeitos da cocaína ocorrem rapidamente. Os pacientes podem apresentar dor torácica, cefaleia ou deficits neurológicos. Se houver dor torácica, o médico deve perguntar especificamente se a cocaína foi fumada.
Como as toxicidades por outras drogas (legais ou ilícitas) podem se apresentar com sintomas semelhantes aos da toxicidade por cocaína, deve-se obter uma história de uso (ou uso indevido) de drogas do paciente, incluindo uso de (ou interrupção de) anticolinérgicos, sedativos ou hipnóticos, bebidas alcoólicas ou outras drogas ilícitas.
Se possível, é importante descobrir a possível história de outras condições médicas, principalmente condições que possam se apresentar de forma semelhante à da toxicidade por cocaína (por exemplo, infecções ou tempestade tireoidiana).
A redução da atividade da colinesterase plasmática está associada a um aumento do risco de toxicidade potencialmente fatal por cocaína.[21]Hoffman RS, Henry GC, Howland MA, et al. Association between life-threatening cocaine toxicity and plasma cholinesterase activity. Ann Emerg Med. 1992 Mar;21(3):247-53.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1536483?tool=bestpractice.com
Exame
A temperatura corporal deve ser medida imediatamente para se verificar se há hipertermia. Um exame neurológico pode identificar qualquer deficit. É possível que haja sinais de depleção de volume.
A toxicidade por cocaína apresenta um conjunto básico de sinais conhecido como síndrome tóxica simpatomimética. Ela inclui taquicardia, hipertensão, hipertermia, midríase, diaforese e estimulação psicomotora. Pode ser difícil distinguir entre síndrome tóxica simpatomimética e síndrome tóxica anticolinérgica (que não é causada por cocaína, mas pode ser provocada por outras substâncias ingeridas em conjunto). A síndrome anticolinérgica consiste em midríase, agitação, pele seca, redução do peristaltismo e taquicardia. A presença ou ausência de pele seca é provavelmente a forma mais fácil de se diferenciar entre a síndrome tóxica anticolinérgica e a síndrome tóxica simpatomimética; todavia, há exceções para essa regra.
Exames iniciais
Todos os pacientes devem fazer um eletrocardiograma (ECG) imediatamente para identificar disritmias ou isquemia cardíaca.[22]McCord J, Jneid H, Hollander JE, et al. Management of cocaine-associated chest pain and myocardial infarction: a scientific statement from the American Heart Association Acute Cardiac Care Committee of the Council on Clinical Cardiology. Circulation. 2008 Apr 8;117(14):1897-907.
https://www.ahajournals.org/doi/full/10.1161/circulationaha.107.188950
O ECG pode estar normal ou mostrar taquicardia sinusal, padrão de repolarização precoce, taquicardia supraventricular, intervalo QT prolongado, disritmia ventricular incluindo assistolia, ou alterações isquêmicas.[22]McCord J, Jneid H, Hollander JE, et al. Management of cocaine-associated chest pain and myocardial infarction: a scientific statement from the American Heart Association Acute Cardiac Care Committee of the Council on Clinical Cardiology. Circulation. 2008 Apr 8;117(14):1897-907.
https://www.ahajournals.org/doi/full/10.1161/circulationaha.107.188950
[23]Lavonas EJ, Akpunonu PD, Arens AM, et al. 2023 American Heart Association focused update on the management of patients with cardiac arrest or life-threatening toxicity due to poisoning: an update to the American Heart Association guidelines for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation. 2023 Oct 17;148(16):e149-84.
https://www.ahajournals.org/doi/full/10.1161/CIR.0000000000001161
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/37721023?tool=bestpractice.com
O prolongamento do intervalo QRS é um sinal de bloqueio dos canais de sódio, uma das propriedades antidisrítmicas de classe IC da classificação de Vaughn-Williams da cocaína e da norcocaína, um metabólito da cocaína.[13]Wood DM, Dargan PI, Hoffman RS. Management of cocaine-induced cardiac arrhythmias due to cardiac ion channel dysfunction. Clin Toxicol (Phila). 2009 Jan;47(1):14-23.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18815938?tool=bestpractice.com
Exames bioquímicos séricos, creatinina, ureia e creatina fosfoquinase devem ser realizados em todos os pacientes, e podem identificar hipercalemia, uremia, acidose ou rabdomiólise.[24]Zimmerman JL. Cocaine intoxication. Crit Care Clin. 2012 Oct;28(4):517-26.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22998988?tool=bestpractice.com
[25]Webb A, Angus D C, Finfer S, et al. Oxford textbook of critical care. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press; 2016. A glicose sérica à beira do leito pode identificar hipoglicemia.
Medições da troponina cardíaca (cTn) são indicadas na presença de dor torácica, dispneia ou anormalidades significativas dos sinais vitais, independentemente dos achados eletrocardiográficos.[22]McCord J, Jneid H, Hollander JE, et al. Management of cocaine-associated chest pain and myocardial infarction: a scientific statement from the American Heart Association Acute Cardiac Care Committee of the Council on Clinical Cardiology. Circulation. 2008 Apr 8;117(14):1897-907.
https://www.ahajournals.org/doi/full/10.1161/circulationaha.107.188950
[24]Zimmerman JL. Cocaine intoxication. Crit Care Clin. 2012 Oct;28(4):517-26.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22998988?tool=bestpractice.com
[25]Webb A, Angus D C, Finfer S, et al. Oxford textbook of critical care. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press; 2016. A cTn de alta sensibilidade (hs-cTn) é o biomarcador de escolha para detectar ou descartar rapidamente a lesão miocárdica em qualquer paciente que apresentar dor torácica.[26]Writing Committee Members, Gulati M, Levy PD, Mukherjee D, et al. 2021 AHA/ACC/ASE/CHEST/SAEM/SCCT/SCMR guideline for the evaluation and diagnosis of chest pain: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association joint committee on clinical practice guidelines. J Am Coll Cardiol. 2021 Nov 30;78(22):e187-285.
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0735109721057958
A hs-cTn demonstra maior sensibilidade e valores preditivos negativos do que os ensaios de gerações anteriores.[26]Writing Committee Members, Gulati M, Levy PD, Mukherjee D, et al. 2021 AHA/ACC/ASE/CHEST/SAEM/SCCT/SCMR guideline for the evaluation and diagnosis of chest pain: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association joint committee on clinical practice guidelines. J Am Coll Cardiol. 2021 Nov 30;78(22):e187-285.
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0735109721057958
Para interpretar adequadamente um ensaio da cTn, os médicos devem estar familiarizados com o(s) ensaio(s) que usam em sua prática.[27]Thygesen K, Alpert JS, Jaffe AS, et al. Fourth universal definition of myocardial infarction (2018). J Am Coll Cardiol. 2018 Oct 30;72(18):2231-64.
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0735109718369419
Consulte os protocolos locais. A hs-cTn pode estar elevada como resultado de uma variedade de causas isquêmicas, cardíacas não coronárias e não cardíacas de lesão de cardiomiócitos, mas o uso de cocaína por si só não eleva a hs-cTn.[26]Writing Committee Members, Gulati M, Levy PD, Mukherjee D, et al. 2021 AHA/ACC/ASE/CHEST/SAEM/SCCT/SCMR guideline for the evaluation and diagnosis of chest pain: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association joint committee on clinical practice guidelines. J Am Coll Cardiol. 2021 Nov 30;78(22):e187-285.
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0735109721057958
[28]Jordan CD, Korley FK, Stolbach AI. Self-reported cocaine use is not associated with elevations in high-sensitivity troponin I. Clin Toxicol (Phila). 2017 Jun;55(5):332-7.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28421838?tool=bestpractice.com
A consideração do quadro clínico completo é importante ao interpretar os resultados da hs-cTn. Se houver lesão miocárdica presente ou suspeitada, consulte Infarto do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST ou Infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST.
Se houver dor torácica, é recomendável fazer radiografia torácica, que pode identificar pneumotórax, pneumomediastino ou alveolite hemorrágica.[25]Webb A, Angus D C, Finfer S, et al. Oxford textbook of critical care. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press; 2016.
É recomendável se fazer uma tomografia computadorizada (TC) do crânio nos pacientes com suspeita de toxicidade por cocaína obnubilados, com queixa de cefaleia ou convulsões, a fim de se identificarem hemorragia intracraniana ou infarto cerebral.[25]Webb A, Angus D C, Finfer S, et al. Oxford textbook of critical care. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press; 2016.
Outros testes
Em caso de suspeita de body packing de cocaína (ingestão da substância embalada para tráfico), recomenda-se a realização de TC do abdome e da pelve para identificar possíveis cápsulas.[24]Zimmerman JL. Cocaine intoxication. Crit Care Clin. 2012 Oct;28(4):517-26.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22998988?tool=bestpractice.com
[29]Royal College of Emergency Medicine. Management of suspected internal drug trafficker (SIDT). Dec 2020 [internet publication].
https://rcem.ac.uk/wp-content/uploads/2021/10/Management_of_Suspected_Internal_Drug_Trafficker_December_2020.pdf
Testes de urina para metabólitos da cocaína têm sensibilidade e especificidade de quase 100% para exposição à cocaína nas últimas 48 a 72 horas. No entanto, o teste de cocaína na urina não afeta o manejo do quadro agudo.[30]Mégarbane B, Oberlin M, Alvarez JC, et al. Management of pharmaceutical and recreational drug poisoning. Ann Intensive Care. 2020 Nov 23;10(1):157.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7683636
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/33226502?tool=bestpractice.com
O teste para cocaína pode ser útil em caso de suspeita de abuso infantil ou negligência, ou para revelar uma história de uso de substâncias. Um resultado negativo em um paciente “mula” de tráfico (pessoa que transporta a droga) ou body stuffer (pessoa que esconde a droga no próprio corpo a fim de evitar um flagrante policial) indica apenas que não houve ruptura de pacotes. Exames dos níveis séricos de cocaína não se encontram amplamente disponíveis.