Abordagem

A modalidade primária de tratamento das síndromes de hipoventilação é a ventilação noturna. A ventilação não invasiva (VNI) noturna se tornou uma opção de tratamento cada vez mais usada para a maioria dos distúrbios, sendo ao mesmo tempo efetiva e bem tolerada.[29] As diretrizes recomendam técnicas e métodos apropriados de titulação da ventilação não invasiva (VNI) para os pacientes com síndromes de hipoventilação.[51][52] Em alguns distúrbios, especialmente com a progressão da doença, a ventilação mecânica invasiva via traqueostomia pode ser indicada.

Este tópico se concentra na síndrome de hipoventilação na obesidade, distúrbios torácicos restritivos, respiração de Cheyne-Stokes e DPOC.

Consulte Apneia central do sono e Apneia obstrutiva do sono.

Síndrome da hipoventilação na obesidade (SHO)

A pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) pode ser usada como tratamento inicial da SHO, porque a maioria dos pacientes com a síndrome tem apneia obstrutiva do sono associada.[40] Há relatos de sucesso no tratamento da síndrome da hipoventilação na obesidade com CPAP, geralmente exigindo pressões de 12 a 14 cm H₂O.[13][53][54][55][56][57][58][59] No entanto, também há relatos de falha com CPAP quando usado isoladamente.[53][55][60][61][62]

A ventilação não invasiva com dois níveis de pressão positiva nas vias aéreas (PAP), com pressões inspiratória e expiratória ajustadas individualmente, é provavelmente o tratamento não invasivo mais efetivo para a reversão da hipercapnia associada à SHO.[13][63][64][65]​ Com um diferencial de pressão, a ventilação não invasiva com dois níveis de PAP é mais efetiva que a simples reversão da obstrução das vias aéreas superiores como observada com a CPAP. Ela deve ser considerada durante a titulação da PAP quando a saturação de oxigênio permanecer <90% apesar da eliminação das apneias e hipopneias obstrutivas.[51] A maioria dos estudos demonstrou que o diferencial entre a PAP inspiratória e a PAP expiratória deve ser de pelo menos 8 a 10 cm H₂O para corrigir a hipercapnia e a hipoxemia, em longo prazo, com terapia de PAP com dois níveis.[13][66][67][68][69]​ Um estudo retrospectivo demonstrou bons resultados em longo prazo em pacientes tratados com VNI, após um acompanhamento médio de 4 anos.[65] Além disso, o uso de PAP com dois níveis resulta em melhora da função respiratória em comparação com a CPAP.[69] Num estudo prospectivo, a PAP com dois níveis foi associada a maior adesão à PAP em comparação com a terapia com CPAP.[70] Em qualquer forma de terapia de PAP, os pacientes que usaram o dispositivo por mais de 6 horas apresentaram melhora superior na gasometria arterial, melhores escores de qualidade de vida e menor mortalidade em comparação com aqueles que usaram o dispositivo por menos de 6 horas.[70] Recomenda-se, atualmente, que os pacientes hospitalizados com suspeita de SHO recebam alta em VNI noturna antes de realizarem um estudo formal de titulação ambulatorial.[40]

A ventilação mecânica invasiva noturna por traqueostomia pode ser usada de maneira eficaz em pacientes com SHO grave, que não tenham conseguido tolerar ou não obtiveram sucesso no tratamento com as formas não invasivas de terapia com PAP.

A oxigenoterapia não deve ser usada isoladamente nos pacientes com síndrome de hipoventilação na obesidade (SHO).[71][72] No entanto, aproximadamente metade dos pacientes com SHO necessita da adição de oxigênio a alguma forma de terapia com PAP.[13][53][73][74] A oxigenoterapia é adicionada quando os dois níveis foram ajustados, mas há dessaturação do oxigênio residual na ausência de apneias obstrutivas e de hipopneias.[51] O uso prolongado da terapia com PAP geralmente dispensa a necessidade de oxigenoterapia noturna e diurna.[70]

Estimulantes respiratórios, como a medroxiprogesterona, foram usados em casos relatados de SHO, mas eles aumentam o risco de doença tromboembólica.[75][76]

A redução de peso, com dieta ou com o uso de cirurgia de bypass gástrico, tem se mostrado eficaz.[39][40]​ Muitos dos pacientes com SHO necessitam de terapia com PAP após a cirurgia, até que tenham perdido uma quantidade significativa de peso. Mesmo após perda significativa de peso, a maioria dos pacientes submetidos a cirurgias de bypass gástrico ainda apresenta distúrbios respiratórios do sono residuais significativos que exigem o uso contínuo de VNI.[77]

Distúrbios torácicos restritivos

Nos pacientes com doenças neuromusculares e da parede torácica, o uso de ventilação noturna tem sido associado a melhoria da sobrevida, qualidade do sono, troca gasosa diurna e função diurna, bem como a redução da sonolência diurna.[78][79][80][81] Além disso, são observadas melhoras na função dos músculos respiratórios, o que pode explicar a melhora na troca gasosa diurna.[79] No geral, a ventilação noturna pode retardar a taxa de declínio da função pulmonar em comparação com os controles não ventilados.

A esclerose lateral amiotrófica tornou-se o distúrbio torácico restritivo mais comum para o qual a VNI é prescrita, a qual melhora a sobrevida e a qualidade de vida e reduz o declínio da capacidade vital forçada.[50][82][83]​​[84]​​​​ Os preditores de resposta favorável à VNI noturna incluem função bulbar intacta, ortopneia, hipercapnia e dessaturação de oxigênio noturna.[17] No entanto, estudo sugerem que iniciar a VNI noturna antes do desenvolvimento de hipercapnia pode ser benéfico para os pacientes com distúrbios torácicos restritivos.[44][49]​​ Para pacientes com função bulbar preservada que fazem uso de VNI, a ventilação com bocal pode ser mais adequada para o suporte ventilatório durante o dia.[45]

A VNI é preferível, seja por PAP com dois níveis ou ventilador volume-controlado, sendo este último capaz de gerar volumes correntes maiores que as PAPs padrão com dois níveis, que têm uma PAP inspiratória máxima de 30 cm H₂O. As definições devem ser ajustadas em um centro de sono ou em um ambiente controlado, como um hospital, ou, às vezes, na casa do paciente. Com a terapia com PAP, tanto a PAP inspiratória quanto a PAP expiratória devem ser aumentadas simultaneamente, até que todas as apneias e hipopneias estejam resolvidas, seguidas de aumentos contínuos na PAP inspiratória para corrigir a hipoxemia relacionada à hipoventilação alveolar.[51]

Os pacientes com doenças neuromusculares e hipoventilação podem se beneficiar do recrutamento do volume pulmonar (RVP) (por exemplo, respiração glossofaríngea ou empilhamento de ar usando uma bolsa de ressuscitação portátil ou bocal) e desobstrução das vias aéreas (por exemplo, técnicas de tosse manualmente assistida).[45]

A ventilação mecânica noturna invasiva por traqueostomia normalmente se torna necessária nos pacientes intolerantes à VNI, inclusive aqueles com uso diurno estendido, com agravamento da função bulbar, aspiração frequente, tosse insuficiente, episódios de infecção torácica apesar de um manejo adequado das secreções, e redução da função pulmonar.[45]​ Pode ser necessário adicionar insuflação-exsuflação mecânica regular (dispositivo de assistência à tosse) para a tosse de eficácia reduzida contínua ou a oscilação de alta frequência da parede torácica, com ou sem assistência à tosse ou RVP, para os pacientes com dificuldades contínuas de eliminação das secreções.[45]

A oxigenoterapia não deve ser usada isoladamente nos pacientes com síndrome de hipoventilação decorrente de distúrbios torácicos restritivos.

respiração de Cheyne-Stokes

Demonstrou-se que a terapia com CPAP reduz o índice de apneia-hipopneia central nos pacientes com respiração de Cheyne-Stokes (RCS) decorrente de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), tanto após uso em um curto período quanto após períodos de 1 a 3 meses.[8][85][86][87][88][89][90][91]​​ Com o aumento da pressão intratorácica e a redução da pressão transmural através do ventrículo esquerdo, a CPAP reduz a pós-carga ventricular esquerda, causando uma melhora no débito cardíaco.[13] Foi proposto que o aumento da fração de ejeção do ventrículo esquerdo com a terapia com CPAP reduz o edema pulmonar intersticial e a estimulação dos aferentes vagais pulmonares, considerados as causas da hiperventilação e da hipocapnia observadas nesses pacientes.[91] Embora um estudo multicêntrico prévio não tenha revelado uma melhora da sobrevida livre de transplante com a CPAP, uma análise post-hoc dos dados revelou melhores desfechos nos pacientes que receberam a terapia com CPAP que conseguiram corrigir seu índice de apneia-hipopneia para <15 eventos/hora após 3 meses de uso.[92][93]

A ventilação PAP com dois níveis permite o ajuste individual das PAP inspiratória e expiratória e, quando ajustada com uma taxa de reserva, garante a ventilação durante os episódios apneicos centrais. Comparada com a CPAP, ambas as formas de tratamento reduzem igualmente o índice basal de apneia-hipopneia e melhoram a qualidade do sono e a fadiga diurna.[86]

A servoventilação adaptativa (ASV) é uma forma de ventilação não invasiva com pressão positiva que tem sido avaliada para o tratamento da RCS. A ASV fornece um nível basal de suporte ventilatório além de uma pressão expiratória final de 5 cm H₂O e uma taxa padrão de reserva de 15 respirações/minuto.[94] A pressão inspiratória aumenta desde um mínimo de 3 cm H₂O até um máximo de 10 cm H₂O para manter a ventilação a 90% de um período de referência de 3 minutos seguidos. Quando uma redução na ventilação é observada, como ocorre durante uma apneia central, a pressão inspiratória aumenta para manter a ventilação e, em seguida, quando a respiração espontânea recomeça, diminui novamente. Outro dispositivo desenvolvido para a ASV utiliza uma abordagem direcionada ao fluxo para manter a ventilação. Uma pressão expiratória final é ajustada para eliminar quaisquer eventos obstrutivos. O dispositivo então fornece uma PAP inspiratória para manter um fluxo aéreo inspiratório máximo alvo com uma taxa de reserva.[95] Comparando-se os efeitos da CPAP, da oxigenoterapia, da terapia com dois níveis de pressão e da ASV durante uma noite, o índice de apneia-hipopneia foi reduzido com todas as terapias.[94] No entanto, comparada com o nível basal e com os outros tratamentos, a ASV apresentou a melhora mais significativa no índice de apneia-hipopneia. A quantidade de ondas lentas e de sono do movimento rápido dos olhos (REM) aumentou com a ASV, tendo sido essa a modalidade de tratamento preferida. Em um estudo randomizado que comparou a ASV com a CPAP, observou-se uma redução mais significativa do índice de apneia-hipopneia com a ASV, tanto em 3 quanto em 6 meses.[96] Além disso, em um subconjunto de pacientes que foram avaliados, observou-se que a fração de ejeção do ventrículo esquerdo aumentou apenas no grupo da ASV ao final de 6 meses. No geral, os estudos preliminares parecem demonstrar que a ASV é eficaz para normalizar o índice de apneia-hipopneia nos pacientes com RCS. No entanto, um estudo grande direcionado ao ponto final demonstrou uma mortalidade por todas as causas mais elevada em pacientes que receberam ASV em comparação com o grupo-controle. Como resultado, ASV não é recomendada em pacientes com ICC e fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤45% no momento até que análise adicional do estudo seja realizada e os resultados de outros ensaios clínicos em andamento sejam concluídos.[97] Utilizando um dispositivo ASV direcionado ao fluxo, um ensaio em curso apresentou dados preliminares que mostram aumento das horas de utilização todas as noites e aumento da adesão terapêutica em um ano em comparação com os pacientes do estudo negativo anterior.[98] Além disso, não se observou nenhum aumento da mortalidade em um ano nos doentes tratados com ASV. Os resultados finais e as recomendações aguardam a conclusão deste ensaio multicêntrico.

A oxigenoterapia noturna demonstrou diminuir significativamente o índice de apneia-hipopneia, tanto agudamente quanto após uma terapia mais prolongada, em pacientes com respiração de Cheyne-Stokes (RCS) devida a ICC.[8]​​​​​[17][57][60][61][62][99][100][101][102]​​​​ Embora tenha sido demonstrado que a oxigenoterapia reduz o índice de apneia-hipopneia, nenhum estudo demonstrou melhora na função ventricular esquerda dos pacientes com RCS e ICC.[88][99][102]

A teofilina tem sido usada para o tratamento da RCS na ICC. Os mecanismos propostos incluem melhora na função cardíaca e, portanto, no tempo de circulação, além de um possível efeito de aumento do estímulo respiratório central.[103][104] A acetazolamida induz a acidose metabólica e, portanto, aumenta a ventilação-minuto. Estudos demonstraram uma redução no índice de apneia-hipopneia e no número de despertares com a acetazolamida.[105][106] Tanto a teofilina quanto a acetazolamida têm sido descritas como eficazes no tratamento da RCS, mas, clinicamente, quase nunca são usadas. Parâmetros de prática foram publicados para ajudar a orientar os médicos em relação às opções de tratamento da RCS.[107]

Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)

Demonstrou-se que o uso de ventilação não invasiva com pressão positiva é benéfico tanto durante uma exacerbação aguda da DPOC quanto em grupos selecionados de pacientes com enfisema crônico estável.[108][109][110][111]​ Demonstrou-se que a VNI noturna melhora agudamente a qualidade do sono sem uma melhora associada na troca gasosa noturna em um grupo de pacientes hipercápnicos estáveis com DPOC, o que sugere a possível participação de outros fatores além da melhora na troca gasosa, como a diminuição da carga dos músculos inspiratórios ou efeitos sobre o nível de estimulação central.[109] Outros estudos de longa duração demonstraram melhora na qualidade do sono e na troca gasosa, bem como diminuição das internações hospitalares e visitas ambulatoriais.[110][112]​ A VNI noturna combinada com oxigênio mostrou reduzir a PaCO₂ e melhorar a qualidade de vida após dois anos em pacientes com DPOC hipercápnica, em comparação com a oxigenoterapia somente.[113] Além disso, em um ensaio foi observada melhora na sobrevida dos pacientes com DPOC hipercápnica que receberam VNI com oxigenoterapia, em comparação com a oxigenoterapia isolada.[111] Um ensaio realizado em pacientes com hipercapnia persistente após uma recente exacerbação de DPOC constatou que a VNI noturna e o oxigênio prolongaram o tempo até a reinternação ou a morte a 12 meses, quando comparada com o oxigênio isoladamente.[114] Foram elaboradas diretrizes para o uso da ventilação não invasiva com pressão positiva em pacientes com DPOC estável.[115]

A hipoxemia que se desenvolve em pacientes com hipoventilação alveolar é mais comumente associada à hipercapnia. Portanto, o oxigênio suplementar deve ser administrado com cautela nesses pacientes. Nos pacientes com DPOC e hipoxemia, demonstrou-se que um fluxo baixo e contínuo de oxigênio afeta significativamente a mortalidade.[116] Ainda assim, demonstrou-se que o uso de oxigênio durante a noite nos pacientes com DPOC associada a dessaturação de oxigênio noturna durante o sono de movimento rápido dos olhos (REM) reduz a hipertensão pulmonar, mas não tem efeito significativo sobre a mortalidade.[117]

A PAP com dois níveis pode ser iniciada na maioria dos pacientes que necessitam de um diferencial de pelo menos 8 a 10 cm H₂O entre as PAP inspiratória e expiratória para obter uma ventilação efetiva. PAPs expiratórias mais elevadas podem ser necessárias nos pacientes com síndrome de sobreposição, quando houver apneia obstrutiva do sono (AOS) coexistente. Nos outros casos, a maioria dos pacientes responde bem a uma PAP expiratória de 5 cm H₂O, necessária para preencher o espaço morto da tubulação e da máscara, e para permitir a detecção efetiva de um esforço inspiratório. PAPs inspiratórias excessivas estão associadas a aumento dos vazamentos de ar e a uma ventilação menos efetiva. No entanto, as pressões necessárias variam muito entre os pacientes.[118]

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal