Abordagem

Os objetivos do tratamento são restaurar a função neurológica perdida durante o evento de mielite transversa (MT) aguda; iniciar estratégias preventivas, e o alívio sintomático, para as complicações da MT; e iniciar terapias para evitar a recidiva da doença, quando for aplicável.

Deficits neurológicos agudos

Depois de descartar lesões compressivas, infecções agudas e outros distúrbios não relacionados à MT, o tratamento de primeira linha dos deficits neurológicos agudos relacionados à MT consiste em metilprednisolona intravenosa, geralmente administrada diariamente por 3 a 5 dias consecutivos.[18] Não foram feitos ensaios clínicos controlados de corticosteroides para MT, porém a abordagem é extrapolada do tratamento de ataques agudos de esclerose múltipla (EM).

Pacientes com graves deficits que não respondem à corticoterapia ou aqueles com agravamento do deficit, apesar do tratamento, são candidatos à terapia de resgate com plasmaférese.[18][75][76]

Pode ser considerado o uso de imunoglobulina intravenosa (IGIV), mas não houve ensaios clínicos randomizados e controlados que tenham avaliado sua eficácia.[8][18][75]

Terapia de suporte e reabilitação aguda

A terapia de suporte para sintomas individuais, como dificuldade respiratória, espasticidade e retenção urinária pode ser adicionada ao esquema de tratamento, de acordo com a necessidade.

  • Insuficiência respiratória: em uma minoria de pacientes com MT cervical, a lesão se estende para o interior da medula e pode causar insuficiência respiratória neurogênica.[4] A observação estrita de parâmetros respiratórios, incluindo a medição das pressões respiratórias máximas e da capacidade vital forçada, e o comprometimento de uma equipe de cuidados intensivos qualificada são recomendados em casos de mielite cervical ascendente.

  • Espasticidade: tratada com exercícios de alongamento, medicamentos antiespasmódicos (por exemplo, baclofeno, tizanidina), injeção de toxina botulínica terapêutica.[77] 

  • Retenção urinária aguda: pode ser controlada por cateterismo vesical. Os sintomas vesicais neurogênicos residuais podem incluir incontinência de urgência, retenção ou um distúrbio misto, cada um deles necessitando de tratamento específico.[77][78]

  • Prevenção de trombose venosa profunda (TVP): pacientes imobilizados apresentam aumento do risco. A extrapolação de dados de pacientes de clínica geral e de cirurgia ortopédica indica que heparina subcutânea ou enoxaparina associada ao uso de meias ou dispositivos de compressão para os membros inferiores reduz o risco de TVP.

A reabilitação aguda consiste na terapia passiva e ativa para manter a amplitude de movimentos dos membros, reduzir os espasmos e o risco de contraturas e reduzir o risco de úlcera de decúbito.

Terapia preventiva para pacientes com MT idiopática ou em risco de desenvolver EM

Se o diagnóstico final for MT idiopática, nenhuma terapia preventiva será necessária.

A terapia modificadora da doença da EM, com o objetivo de reduzir o risco de recidiva de EM e deficiência progressiva, pode ser indicada para pacientes com MT parcial aguda que apresentam risco de desenvolver EM pela presença de lesões desmielinizantes típicas mostradas na ressonância nuclear magnética (RNM).[45][46][79][80]

Também há alto risco de recidiva se os pacientes continuarem soropositivos para glicoproteína mielina-oligodendrócito (IgG-MOG). A abordagem do tratamento inclui um esquema de retirada gradual estendido de prednisolona oral ao longo de 4 a 6 meses, com reavaliação sorológica e iniciação da terapia imunossupressiva preventiva (como azatioprina, micofenolato ou rituximabe) se o anticorpo IgG-MOG persistir ou se houver recidiva clínica temporária.[57][58]

Terapia preventiva para pacientes com risco de MT recorrente: soropositivo para autoanticorpo anti-aquaporina-4 (AQP4)

A terapia imunossupressora de duração indefinida é recomendada para pacientes soropositivos para autoanticorpos anti-AQP4, devido ao alto risco persistente de recidiva.[5]

Normalmente, imunossupressores (por exemplo, rituximabe, azatioprina, micofenolato) têm sido usados como tratamentos preventivos para o transtorno do espectro da neuromielite óptica (NMOSD) e ainda podem ser usados em alguns centros.[81][82][83][84] No entanto, terapias direcionadas agora são aprovadas para o tratamento de transtorno do espectro da neuromielite óptica soropositiva para AQP4, incluindo eculizumabe, ravulizumabe, inebilizumabe e satralizumabe, e são a opção preferencial.[85]

Eculizumabe

  • Um anticorpo monoclonal que se liga à proteína C5 do complemento e inibe a ativação do componente terminal do complemento, que é fundamental na patogênese do NMOSD.

  • A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA e a European Medicines Agency (EMA) aprovaram o eculizumabe para o tratamento de NMOSD em adultos com anticorpos anti-AQP4 positivos.

  • Em um ensaio clínico randomizado, duplo cego, de fase 3 com pacientes com NMOSD positivos para AQP4, os pacientes tratados com eculizumabe apresentaram risco consideravelmente menor de recidiva que os pacientes tratados com placebo. Não houve diferença significativa entre os grupos em relação às medidas de progressão da deficiência.[86]

  • O eculizumabe aumenta o risco de infecções com risco de vida e potencialmente fatais causadas por Neisseria meningitidis. A vacinação completa ou atualizada contra a bactéria meningocócica (sorogrupos A, C, W, Y e B) é recomendada pelo menos 2 semanas antes da primeira dose de eculizumabe, a menos que os riscos de atrasar a terapia superem o risco de desenvolver uma infecção grave, caso em que a profilaxia antibacteriana é recomendada. Monitore todos os pacientes quanto aos primeiros sinais e sintomas de infecção meningocócica durante o tratamento e avalie imediatamente se houver suspeita de infecção.

  • O eculizumabe está disponível apenas por meio de um programa de distribuição restrito em alguns países.

Ravulizumabe

  • Um anticorpo monoclonal que se liga à proteína C5 do complemento e inibe a ativação do componente terminal do complemento, que é fundamental na patogênese do NMOSD. Tem uma meia-vida mais longa em comparação ao eculizumabe e, portanto, requer doses menos frequentes.

  • A FDA e a EMA aprovaram o ravulizumabe para o tratamento de NMOSD em adultos positivos para anticorpos anti-AQP4.

  • Um estudo intervencionista de fase 3, aberto e controlado externamente, revelou que o ravulizumabe diminuiu significativamente o risco de pacientes com NMOSD AQP4+, com perfis de segurança semelhantes aos do eculizumabe e do ravulizumabe. Nenhum paciente apresentou recidiva durante o período do estudo (73.5 semanas), e o estudo mostrou uma redução no risco de recidiva de 98.6%.

  • O ravulizumabe aumenta o risco de infecções com risco de vida e potencialmente fatais causadas por Neisseria meningitidis. A vacinação completa ou atualizada contra a bactéria meningocócica (sorogrupos A, C, W, Y e B) é recomendada pelo menos 2 semanas antes da primeira dose de eculizumabe, a menos que os riscos de atrasar a terapia superem o risco de desenvolver uma infecção grave, caso em que a profilaxia antibacteriana é recomendada. Monitore todos os pacientes quanto aos primeiros sinais e sintomas de infecção meningocócica durante o tratamento e avalie imediatamente se houver suspeita de infecção.

  • O ravulizumabe está disponível apenas por meio de um programa de distribuição restrito em alguns países.

Inebilizumabe

  • Um anticorpo monoclonal que se liga ao antígeno de superfície celular CD19 em linfócitos de células B.

  • A FDA e a EMA aprovaram o inebilizumabe para o tratamento de NMOSD em adultos positivo para anticorpo anti-AQP4.

  • Em um ensaio clínico randomizado, controlado por placebo, de fase 2/3 realizado em pacientes com distúrbios do espectro da neuromielite óptica, 21 (12%) de 174 pacientes que receberam inebilizumabe tiveram um ataque de distúrbio do espectro da neuromielite óptica, comparados a 22 (39%) de 56 pacientes que receberam placebo. A taxa de ocorrência de eventos adversos foi similar nos dois grupos.[87]

  • O inebilizumabe tem sido associado a reações à infusão e a pré-medicação é necessária antes da infusão. Recomenda-se o rastreamento da hepatite B e da tuberculose (TB) e o teste de imunoglobulina sérica antes de iniciar o tratamento.

Satralizumabe

  • Um anticorpo monoclonal que tem como alvo o receptor de interleucina (IL)-6.

  • A FDA e a EMA aprovaram o satralizumabe para o tratamento de NMOSD em adultos positivos para anticorpo anti-AQP4.

  • Em um ensaio clínico randomizado, duplo cego de fase 3 realizado com pacientes com distúrbios do espectro da neuromielite óptica que receberam tratamento imunossupressor, a recidiva foi observada em 8 pacientes (20%) que receberam satralizumabe, versus 18 (43%) dos que receberam placebo.[88] Não houve diferenças significativas no efeito entre os grupos do ensaio em relação à dor e fadiga. Em um ensaio clínico subsequente, duplo cego de grupos paralelos, ocorreu recidiva em 19 (30%) dos pacientes com distúrbio do espectro da neuromielite óptica que receberam monoterapia com satralizumabe versus 16 (50%) dos que receberam placebo.[89] Em ambos os ensaios, as taxas de eventos adversos graves e infecções foram similares entre os grupos.[88][89]

  • Recomenda-se o rastreamento da hepatite B e da TB, bem como testes de função hepática antes de iniciar o tratamento.

Rituximabe

  • Um anticorpo monoclonal direcionado contra o antígeno CD20 nas células B.

  • A eficácia clínica no NMOSD foi demonstrada em vários estudos retrospectivos e prospectivos, com uma redução nas taxas de ataque em mais de 80%.[90]

  • ​Um estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo revelou que o rituximabe preveniu recidivas por 72 semanas em pacientes com NMOSD que eram positivos para anticorpos anti-AQP4.[91]

  • O rituximabe é mais eficaz que a azatioprina e o micofenolato.[90]​ Entretanto, estudos ainda não compararam o rituximabe às terapias direcionadas mais recentes. 

  • Podem ocorrer reações graves e fatais à infusão e os pacientes devem ser monitorados rigorosamente durante a infusão. Outros efeitos adversos graves incluem reações mucocutâneas graves, reativação do vírus da hepatite B e leucoencefalopatia multifocal progressiva.

Azatioprina e micofenolato

  • Azatioprina e micofenolato ainda podem ser usados em alguns centros onde terapias direcionadas não são uma opção ou são contraindicadas.

  • Esses medicamentos estão associados a anormalidades hematológicas, aumento do risco de infecções, enzimas hepáticas elevadas e efeitos adversos gastrointestinais. Hemograma completo e testes da função hepática devem ser monitorados durante o tratamento.

Terapia preventiva para pacientes com risco de MT recorrente: soropositivo para autoanticorpo IgG anti-glicoproteína mielina-oligodendrócito (MOG)

Em pacientes soropositivos para autoanticorpo IgG anti-MOG, a terapia preventiva pode não ser necessária após um primeiro evento clínico, pois alguns pacientes permanecem monofásicos. Um esquema de retirada gradual prolongado de corticosteroides é frequentemente recomendado para evitar recidivas precoces.

Após uma recidiva clínica (MT ou outra), as opções de tratamento podem incluir azatioprina, micofenolato, rituximabe, IGIV ou tocilizumabe.

Imunossupressores

  • Vários tratamentos imunossupressores foram testados, como azatioprina, micofenolato e rituximabe.[57][58][92]

IGIV

  • Um estudo de coorte multicêntrico retrospectivo de 2022 sugere que a terapia de manutenção com IGIV está associada a menor risco de recidiva em adultos com doença associada a anticorpos anti-MOG (MOGAD).[93]

Tocilizumabe

  • Tocilizumabe, um antagonista do receptor de IL-6, é outra opção de tratamento.

  • Um estudo multicêntrico retrospectivo realizado em 2021 observou que pacientes com MOGAD ou NMOSD soropositivo para AQP4 apresentaram uma redução de 80% na taxa de recidiva anual durante o tratamento com tocilizumabe (o tocilizumabe não é normalmente usado na prática para NMOSD soropositivo para AQP4).[94]

  • O tocilizumabe está associado a um aumento do risco de infecções graves que podem levar à hospitalização ou morte (por exemplo, TB ativa, infecções fúngicas invasivas, infecções oportunistas). A maioria dos pacientes estava tomando outros imunossupressores. Os pacientes devem ser monitorados rigorosamente durante o tratamento.

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