Etiologia
Gangrena infecciosa
Fasciite necrosante: as bactérias isoladas mais comuns são espécies de Streptococcus beta-hemolíticos do grupo A, espécies de Staphylococcus, espécies de Streptococcus que não são do grupo A, Enterobacteriaceae e anaeróbios como espécies de Clostridium e Bacteroides.
Gangrena gasosa: Clostridium perfringens é o agente etiológico mais comum, com outros organismos nesta espécie (C histolyticum, C novyi, C sordellii, C bifermentans, C sporogenes e C Mihalium) também sendo relatados.[8] Esses organismos são bacilos anaeróbios Gram-positivos esporulados onipresentes em solo e poeira. Organismos não clostrídicos também foram isolados em casos de gangrena gasosa, incluindo espécies de Bacteroides fragilis, Escherichia coli, espécie de Proteus, Pseudomonas aeruginosa e Klebsiella pneumoniae.[8][21]
Gangrena isquêmica
A aterosclerose é subjacente à maioria das doenças arteriais periféricas, mas a microangiopatia associada ao diabetes é outro fator importante. A trombose associada a estados hipercoaguláveis, abuso de drogas intravenosas, vasculite, malignidade ou síndrome antifosfolipídica e outras doenças autoimunes também são causas importantes.[19] O vasoespasmo associado ao fenômeno de Raynaud e ao abuso de cocaína também pode causar gangrena isquêmica.[9]
O suprimento inadequado de sangue e a gangrena também podem resultar de obstrução venosa. A flegmasia cerulea dolens é uma condição rara, geralmente associada à malignidade, na qual ocorre a obstrução total ou quase total da drenagem venosa de um membro.
Fisiopatologia
Gangrena infecciosa
A multiplicação bacteriana e a produção de exotoxinas requerem baixa tensão de oxigênio. A função precisa das exotoxinas não está totalmente clara, embora a alfatoxina pareça ser a mais importante. A alfatoxina é uma metaloenzima que causa a destruição da célula pela hidrólise de componentes da membrana celular. Por esse mecanismo, ela pode causar lise de eritrócitos, leucócitos, plaquetas, fibroblastos e células musculares. Também considera-se que essa enzima tenha atividade do tipo proteína C.
As proteínas M têm sido vistas como um determinante de virulência importante em estreptococos do grupo A (GAS). A vimentina na superfície das células aumenta a ligação de GAS no local da lesão esquelética.
A infecção começa com a contaminação do tecido de feridas pós-traumáticas ou pós-operatórias por esporos de Clostridium. As condições da ferida operatória local são mais importantes que o nível de contaminação clostrídica para se determinar a evolução da condição. O tecido necrótico oferece o ambiente necessário para germinação do esporo; a presença de enzimas de tecido e um baixo potencial de oxidação/redução têm funções importantes nesta etapa. A disseminação da necrose local do músculo e da gordura subcutânea e a trombose dos vasos sanguíneos criam um ambiente ideal para a multiplicação contínua de bactérias. Um edema do tecido pode comprometer ainda mais o suprimento de sangue. Provavelmente, a fermentação da glicose é o principal mecanismo de produção de gás.[22]
Gangrena isquêmica
A aterosclerose é subjacente à maioria das doenças arteriais periféricas. Vasos sanguíneos estreitados não podem fornecer fluxo sanguíneo suficiente para músculos da perna e podem causar claudicação. As placas ateromatosas contêm um núcleo necrótico dentro da íntima arterial que consiste de células espumosas, detritos celulares e lipídeos (principalmente colesterol) cobertos por uma capa protetora. As forças de cisalhamento do sangue circulante ou a ruptura espontânea podem romper essa capa protetora, causando embolização dos cristais de colesterol e induzindo a trombogênese, o que diminui ainda mais o fluxo sanguíneo.[19] A isquemia crítica do tecido é caracterizada clinicamente por dor em repouso, feridas crônicas ou necrose do tecido (geralmente encontrada nos pododáctilos).[9] Os estados hipercoaguláveis podem causar trombos maiores, que podem ocluir vasos sanguíneos proeminentes e causar extensa gangrena. Drogas como cocaína (um potente simpatomimético) podem causar vasoespasmo grave suficiente para gerar gangrena.[11]
A flegmasia cerulea dolens é uma condição rara na qual ocorre a obstrução total ou quase total da drenagem venosa de um membro. Dor, edema, cianose e isquemia decorrente de fluxo sanguíneo reduzido decorrem e, a menos que a obstrução seja aliviada, a condição pode evoluir para uma forma de gangrena conhecida como gangrena venosa.
Classificação
Gangrena infecciosa (gangrena úmida)
Fasciite necrosante: infecção de gordura subcutânea e fáscia com preservação da pele e do músculo subjacente[2]
Tipo I (polimicrobiana); causada por Enterobacteriaceae e anaeróbios, sendo responsável por 80% da fasciite necrosante.[3] Ela ocorre com mais frequência após procedimentos cirúrgicos e em pacientes com diabetes, alcoolismo, imunossupressão, uso de droga intravenosa (IV) ou doença vascular periférica.
A gangrena de Fournier é uma fasciite necrosante do tipo I da região perineal e genital, decorrente de infecção polimicrobiana sinérgica. Em geral, trata-se de organismos facultativos como Escherichia coli, Klebsiella ou enterococos junto com anaeróbios como Bacteroides, Fusobacterium, Clostridium ou estreptococos microaerofílicos.[4][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fasciite necrosante do subtipo I envolvendo região genital e perineal; imagem feita após extenso desbridamento cirúrgicoAcervo de Jose Contreras-Ruiz (Clinica del Cuidado Integral de Heridas y Estomas) [Citation ends].
A fasciite necrosante da cabeça e pescoço geralmente é causada por anaeróbios presentes na boca.
Tipo II (monomicrobiana): forma rara de gangrena causada por estreptococos do grupo A (ou C ou G), que geralmente se desenvolvem em um local de trauma em um membro.[1] Pode também ser causada por MRSA. É responsável por 20% da fasciite necrosante.[3]
Angina de Ludwig: na região da cabeça e do pescoço, a penetração bacteriana nos compartimentos fasciais submandibular e sublingual pode resultar em uma síndrome chamada angina de Ludwig, que pode se desenvolver em fasciite necrosante.[5]
Gangrena gasosa (mionecrose clostrídica) e celulite anaeróbia (necrose úmida ou gangrena úmida)
Uma infecção necrosante dos tecidos moles com o sinal clínico específico de formação gasosa; pode causar morte. Os patógenos mais frequentemente responsáveis são espécies de Clostridium.[6][7][8] Ela pode ocorrer no pós-trauma, pós-operatório ou espontaneamente.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Formação de escara e bolhas com edema notável em paciente diabético que desenvolveu gangrena gasosa após um trauma do membro inferiorAcervo de Jose Contreras-Ruiz (Clinica del Cuidado Integral de Heridas y Estomas) [Citation ends].
Gangrena sinérgica bacteriana (de Meleney) progressiva
Geralmente, ela ocorre após infecção em uma ferida operatória abdominal, em volta de um local de ileostomia ou colostomia, na saída de um trato fistuloso, ou em proximidade com ulceração crônica em um membro. Ela resulta de uma interação sinérgica entre Staphylococcus aureus e estreptococos microaerofílicos.
Celulite gangrenosa em pacientes imunossuprimidos[1]
As considerações etiológicas para a ocorrência de celulite em um hospedeiro com imunocomprometimento incluem agentes que produzem essas infecções em pessoas saudáveis, bem como uma variedade de outros organismos.
Gangrena isquêmica (gangrena seca)
Ocorre devido ao comprometimento crônico do fluxo sanguíneo. Na maioria dos pacientes, a parte afetada não é infectada. Esse tipo de gangrena apresenta-se clinicamente como tecido frio, preto e seco. Em muitos casos, no final ocorre a autoamputação.[9] Os processos patológicos envolvidos podem incluir:
Aterosclerose: associada a doença arterial periférica, diabetes mellitus, tabagismo[10]
Trombose: associada à vasculite, abuso de substâncias por via intravenosa, trauma, síndrome antifosfolipídica, malignidade[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Gangrena isquêmica secundária à síndrome antifosfolipídicaAcervo de Jose Contreras-Ruiz (Clinica del Cuidado Integral de Heridas y Estomas) [Citation ends].
Vasoespasmo: associado ao fenômeno de Raynaud, abuso de cocaína.[11]
Embora a grande maioria dos casos de gangrena isquêmica seja decorrente de comprometimento arterial, raramente ela pode ocorrer também por conta de obstrução venosa. Essa condição rara é conhecida como flegmasia cerulea dolens e envolve a obstrução total ou quase total da drenagem venosa de um membro. Dor, edema, cianose e isquemia decorrente de fluxo sanguíneo reduzido decorrem e, a menos que a obstrução seja aliviada, a condição pode evoluir para uma forma de gangrena conhecida como gangrena venosa.
Classificações alternativas
Existem métodos de classificação alternativos. Vale ressaltar que a diretriz de consenso da World Society of Emergency Surgery de 2018 divide as infecções da pele e dos tecidos moles em três grupos principais: infecções do local cirúrgico, infecções da pele e dos tecidos moles não necrosantes e infecções da pele e dos tecidos moles necrosantes.[12] As infecções do local cirúrgico são divididas em dois subgrupos — incisional; ou órgão e órgão/espaço.[13] As infecções do local cirúrgico são ainda divididas em superficiais (pele e tecido subcutâneo) e profundas (músculo profundo dos tecidos moles e fáscia). Infecções de órgãos e órgãos/espaços não são verdadeiras infecções de tecidos moles. A extensão anatômica, as características purulentas ou não purulentas e o quadro clínico do paciente são propostos como outras variáveis de subgrupos de infecções necrosantes e não necrosantes.[12]
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