Abordagem

A glomeruloesclerose segmentar focal (GESF) primária e a secundária geralmente se manifestam com a síndrome nefrótica, porém podem também ser detectadas em um estágio mais precoce caso haja detecção de proteinúria na urinálise de rotina.[22][33]​​ Não existem características clínicas específicas; outras causas da síndrome nefrótica devem ser consideradas e descartadas. Os pacientes devem ser encaminhados a um nefrologista, pois o estabelecimento do diagnóstico definitivo requer uma biópsia renal. Investigações adicionais são necessárias para descartar causas secundárias de GESF antes que a doença possa ser classificada como GESF primária.

História

A maioria dos pacientes apresenta sintomas de edema e urina espumosa. Geralmente, o edema tem início nas pernas e depois se dissemina, comprometendo todo o corpo. Como a GESF primária produz lesão mais grave nos podócitos do que a GESF secundária, é mais provável que se apresente com síndrome nefrótica. A GESF secundária tem maior probabilidade de se manifestar com proteinúria subnefrótica assintomática, que é detectada de modo incidental.

O objetivo da história é buscar indícios sobre a etiologia subjacente. Pessoas negras têm 4 a 7 vezes mais risco de desenvolver insuficiência renal em estágio terminal induzida pela GESF que pessoas brancas ou asiáticas.[16][19] Os homens têm risco 1.5 a 2 vezes maior que as mulheres.[16] As principais características da história incluem:[4]

  • Idade do paciente: a GESF ocorre predominantemente em adultos. A síndrome nefrótica em crianças é causada por doença de lesão mínima em quase todos os casos.[33]

  • História de uso de heroína, que é uma causa conhecida.

  • Medicamentos: alfainterferona, lítio, sirolimo e pamidronato são causas conhecidas.

  • História médica: as causas de GESF secundária a serem investigadas na história incluem HIV e outras infecções crônicas relevantes, nefrectomia prévia (ou, raramente, agenesia renal), obesidade e nefropatia de refluxo. Se o paciente tiver diabetes mellitus, a nefropatia diabética será mais provável que a GESF.

  • História familiar: uma história familiar positiva pode identificar os casos familiares raros de GESF.

Exame físico

Os pacientes geralmente apresentam um leve edema nas pernas ou um edema grave que envolve o corpo todo (anasarca). O edema facial é mais comumente observado na síndrome nefrótica que na insuficiência cardíaca ou na doença hepática. Os pacientes podem desenvolver manchas brancas nas unhas decorrentes da hipoalbuminemia (linhas de Muehrcke) e depósitos de colesterol na pele (xantomas e xantelasmas) decorrentes da hipercolesterolemia. A hipertensão é comum. Essas características sugerem o diagnóstico de síndrome nefrótica, mas não são úteis para elucidar a causa.

O exame físico pode revelar características da causa subjacente, sugerindo a consideração de uma GESF secundária.

  • A obesidade pode ser confirmada pela determinação do índice de massa corporal (IMC) e é definida como um IMC no 95º percentil ou maior.

  • Pacientes com HIV podem apresentar erupções cutâneas ou cicatrizes pós-infecciosas (principalmente herpes-zóster), lesões orais (úlceras, queilite angular, candidíase, leucoplasia pilosa oral ou sarcoma de Kaposi), perda de peso intensa, síndrome de emaciação ou linfadenopatia generalizada.

  • A cicatriz da nefrectomia pode ser observada durante o exame abdominal.

É também importante estar alerta para sinais sugestivos de outras condições clínicas além da GESF. Entre elas incluem-se diabetes mellitus, lúpus eritematoso sistêmico (LES), amiloidose e mieloma múltiplo.

  • Um rash fotossensível pode indicar LES.

  • Contusão fácil e neuropatia sugerem amiloidose.

  • Retinopatia diabética em um paciente com diabetes mellitus deve sugerir de imediato uma nefropatia diabética.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Edema facial em uma criança com síndrome nefróticaDo acervo do Dr. M. Dixit, Medical Director, Florida Children's Kidney Centre; Dr. R. Mathias, Chief, Pediatric Nephrology, Nemours Children's Clinic, Orlando, FL [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@56bedf3f[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Linhas de Muehrcke em um paciente com hipoalbuminemia decorrente da síndrome nefróticaDe Muehrcke RC. The finger-nails in chronic hypoalbuminaemia: a new physical sign. Br Med J. 1956 Jun 9;1(4979):1327-8 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5497f701[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Xantomas em um paciente com hiperlipidemia graveDe Watkins PJ. Cardiovascular disease, hypertension, and lipids. BMJ. 2003 Apr 19;326(7394):874-6 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@575ee367

Investigações laboratoriais

O principal objetivo das investigações laboratoriais é avaliar a gravidade da doença e identificar as causas da GESF secundária.

  • A função renal deve ser avaliada por meio da ureia e da creatinina séricas, incluindo a estimativa da taxa de filtração glomerular (TFG).

  • A urinálise e a microscopia de urina normalmente revelam corpos de gordura ovais e cilindros gordurosos. Hematúria microscópica pode estar presente, mas cilindros eritrocitários estão ausentes. A gravidade da proteinúria deve ser medida pela razão proteína/creatinina na urina ou pela coleta de urina de 24 horas. A proteinúria varia de <1 g/24 horas em pacientes assintomáticos a >3 g/24 horas em pacientes com síndrome nefrótica.

  • As dosagens de albumina e colesterol séricos são necessárias para se avaliar a gravidade da hipoalbuminemia e da hipercolesterolemia.

Investigações laboratoriais adicionais são usadas para identificar as causas conhecidas da GESF secundária e para descartar causas não relacionadas à GESF da síndrome nefrótica. O rastreamento de rotina para detectar causas genéticas de GESF primária não é necessário e deve ser considerado apenas para casos raros em que a história familiar sugira fortemente GESF familiar. Causas secundárias devem ser descartadas antes que uma GESF primária seja diagnosticada.

Testes da reação em cadeia da polimerase do DNA são úteis para identificar infecções crônicas por parvovírus e citomegalovírus. Se o paciente for HIV-positivo, ou houver forte suspeita de ser HIV-positivo após a avaliação dos fatores de risco e/ou das características clínicas, o teste de anticorpo anti-HIV, a contagem de CD4 e estudos de carga viral são necessários. A sorologia para hepatite B e C para descartar infecção crônica também é útil.

Os seguintes exames são úteis para descartar causas não relacionadas à GESF da síndrome nefrótica:

  • Títulos do fator antinuclear ou anticorpo anti-DNA de fita dupla, se as características clínicas sugerirem esse diagnóstico.

  • Eletroforese de proteínas séricas e urinárias se houver suspeita de amiloidose.

Exames por imagem

A ultrassonografia renal bilateral é útil para avaliar o tamanho dos rins, mas não é diagnóstica. Nos estágios iniciais, o exame de ultrassonografia revela rins normais ou grandes com ecogenicidade aumentada, sugerindo doença renal intrínseca difusa. Em pacientes com insuficiência renal avançada, os rins são pequenos e atrofiados, indicando cicatrização glomerular intensa e fibrose intersticial.

Biópsia renal

A decisão de realizar uma biópsia deve ser tomada por um nefrologista. Um diagnóstico definitivo de GESF só pode ser feito com base nos achados da biópsia renal.

A microscopia óptica da amostra da biópsia revela o padrão característico de esclerose focal e segmentar dos glomérulos, o qual dá nome à doença. A doença é categorizada morfologicamente como variante peri-hilar, variante celular, variante colapsante, variante apical ou variante sem outra especificação.[2][3]​ Algumas variantes estão associadas a causas específicas, como o HIV, que causa a variante colapsante. Os tipos morfológicos não são usados para orientar o tratamento, mas fornecem informações importantes sobre o prognóstico.

A microscopia por imunofluorescência não apresenta nada digno de nota na GESF. Depósitos imunes geralmente estão ausentes, exceto pela ligação inespecífica de depósitos de imunoglobulina M (IgM) e C3 nas lesões escleróticas. Uma deposição mesangial muito fraca de IgM pode também ser observada.

A microscopia eletrônica pode ser usada para diferenciar a GESF primária da secundária. Na GESF primária, a fusão do processo pedicular é difusa e ocorre em todos os glomérulos. Na GESF secundária, a fusão do processo pedicular é mais limitada às áreas escleróticas.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Microscopia óptica de biópsia renal demonstrando lesões típicas de glomeruloesclerose segmentar focalAdaptado de Nagi AH, Alexander F, Lannigan R. Light and electron microscopical studies of focal glomerular sclerosis. J Clin Pathol. 1971 Dec;24(9):846-50 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@c31b7

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal