Abordagem

Deve-se suspeitar de nefrite intersticial aguda (NIA) em todos os pacientes que desenvolvem lesão renal aguda (LRA) não oligúrica, particularmente naqueles que estão fazendo uso de vários medicamentos. Devem ser descartadas outras causas de LRA, incluindo necrose tubular aguda, glomerulonefrite aguda e alterações vasculares agudas. É aconselhável a consulta a um especialista em nefrologia.

Avaliação clínica

Os pacientes apresentam perda não oligúrica da função renal (LRA) ou perda mais lenta da função renal (doença renal aguda). Alguns pacientes também apresentam erupção cutânea, febre ou eosinofilia do sangue periférico (a "tríade da hipersensibilidade"), mas poucos apresentam todos os três no momento da apresentação.[1][4][11]​ A artralgia é, por vezes, observada como sintoma associado.

Mais de 250 medicamentos são conhecidos por desencadear a NIA; o uso de qualquer um deles deve levantar suspeita de NIA.[3][8][10]​ Antibióticos, particularmente betalactâmicos, são comumente implicados. São fatores desencadeantes conhecidos quase todas as penicilinas e cefalosporinas, assim como várias sulfonamidas, rifampicina e uma variedade de fluoroquinolonas. Outros medicamentos desencadeantes incluem diuréticos, anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), inibidores da bomba de prótons, inibidores de checkpoints imunológicos, antagonistas H2 (cimetidina e ranitidina), alopurinol, fenindiona, fenitoína, sulfadiazina, mesalazina e varfarina.

Pacientes com síndrome de Sjögren, sarcoidose, síndrome relacionada a imunoglobulina G4 (IgG4) e lúpus eritematoso sistêmico também podem desenvolver NIA, mas isso não é comum. Pacientes que apresentam NIA ocorrendo como parte da síndrome da nefrite túbulo-intersticial com uveíte (TINU) também apresentarão uveíte; isso é extremamente raro.

Geralmente, o exame clínico não apresenta nada digno de nota. Pode haver febre, mas é um sintoma não específico e pode refletir uma infecção subjacente (para a qual o antibiótico é prescrito). O rash associado geralmente é macular ou um exantema maculopapular. Sensibilidade do ângulo costovertebral pode estar presente em alguns pacientes. AINEs podem desencadear uma reação única que consiste em NIA com uma síndrome nefrótica concomitante; esses pacientes desenvolvem edema secundário à hipoalbuminemia.

Investigações iniciais

Exames de sangue[1]

  • Ureia sérica e creatinina sérica são necessárias para detecção e avaliação da gravidade da LRA ou da doença renal aguda. Os pacientes também podem apresentar piora da função renal em caso de doença renal crônica preexistente.

  • O hemograma completo com diferencial de leucócitos revela eosinofilia significativa em alguns casos. O exame de sangue também pode revelar a presença de anemia e acidose.[19]

  • Anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA), fator antinuclear (FAN), anti-DNA de fita dupla (anti-ds DNA) e perfil complementar, se associados a suspeita de doença sistêmica. O ANCA está associado à vasculite sistêmica, e FAN e anti-ds DNA estão associados ao lúpus eritematoso sistêmico.

Urinálise[1][11]

  • Geralmente revela piúria estéril (leucócitos com urocultura negativa para bactérias). Os cilindros leucocitários são altamente sugestivos de diagnóstico de NIA, embora estejam presentes em <15% dos casos de NIA em um estudo.[20] A microscopia de urina também pode revelar cilindros granulares e células epiteliais tubulares renais devido à lesão tubular concomitante.[19]

  • A ausência de eritrócitos dismórficos e cilindros eritrocitários descarta a glomerulonefrite aguda em muitos casos, mas não em todos.

  • A presença de eosinófilo na urina pode ser sugestiva. No entanto, evidências mostram que esse teste não é específico nem sensível.[21][22] Esse exame não deve ser pedido para avaliar a NIA.

  • A proteinúria intensa sugere a presença de síndrome nefrótica. Se o paciente apresenta síndrome nefrótica mas não está fazendo uso de AINEs, outras causas devem ser investigadas. Geralmente, o grau baixo ("tubular" <1 g/dia) é observado devido ao dano tubular concomitante.

Modelo de diagnóstico de NIA

  • Uma combinação de quatro testes comumente disponíveis pode fornecer probabilidade de NIA em pacientes nos quais uma biópsia está sendo considerada (creatinina sérica, relação ureia/creatinina sérica, gravidade específica da urina e proteína na urina) e está disponível como uma calculadora online.[23]

Tentativa de descontinuação do medicamento desencadeante

  • Os sintomas podem se resolver após a descontinuação do medicamento desencadeante; um diagnóstico retrospectivo de NIA pode ser feito se isso ocorrer.

  • Se os sintomas não remitirem, outros diagnósticos devem ser descartados.

Investigações subsequentes

Biópsia renal

  • O único exame que fornece um diagnóstico definitivo.

  • Realizada em pacientes que não reagiram à descontinuação do medicamento desencadeante, quando o diagnóstico não é claro ou se o tratamento com corticosteroide for uma possibilidade.[11]

  • Requer uma avaliação de custo-benefício cuidadosa em consulta com um nefrologista, inclusive a avaliação do risco de sangramento. Os pacientes com LRA têm uma taxa mais alta de complicações de sangramento que os pacientes sem LRA.[24][25] Medicamentos antiplaquetários e anticoagulantes devem ser descontinuados e não devem ser reiniciados por, pelo menos, 48 horas após a biópsia.

  • Os achados típicos são os de um infiltrado inflamatório intersticial ou túbulo-intersticial com números variados de eosinófilos, linfócitos e plasmócitos, sem bactérias, fungos ou outros organismos encontrados em colorações especiais da biópsia. O granuloma não caseoso pode ser observado na NIA induzida por medicamento, sarcoidose e algumas outras causas de NIA.

  • A biópsia renal também fornecerá informações prognósticas: alto grau de fibrose intersticial indica poucas chances de recuperação da função renal, enquanto maior grau de infiltrado pode estar associado a melhor recuperação da função renal.

  • Se houver presença de síndrome nefrótica, o padrão será geralmente doença de lesão mínima, embora também tenha sido relatada nefropatia membranosa.

Ultrassonografia renal[11]

  • Revela rins grandes e edemaciados que frequentemente são ecogênicos em consequência de infiltrados intersticiais inflamatórios e edema intersticial.

  • Usada principalmente para descartar hidronefrose, cálculos renais ou rins encolhidos (sinal de insuficiência renal crônica).

Exame por imagem com gálio[26]

  • Geralmente, os achados são inespecíficos e não podem ser usados para fazer o diagnóstico. O teste apresenta sensibilidade e especificidade baixas.

  • Pode ser útil quando o resultado for negativo, para descartar o diagnóstico, mas só se recorre a ele quando a biópsia não é uma opção viável.

Citocinas na urina[27]

  • Interleucina-9 na urina e fator de necrose tumoral alfa são mais altos em pacientes com NIA que em pacientes com outras doenças renais (por exemplo, necrose tubular aguda, glomerulonefrite, doença renal diabética) e LRA, e podem ajudar a evitar a biópsia renal em um subgrupo de pacientes.

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