Abordagem

O tratamento ideal da SLT envolve identificar todos os pacientes com risco de SLT e prevenir o desenvolvimento de SLT.[4][35]

O tratamento será necessário se a SLT se desenvolver apesar das intervenções preventivas. Isso envolve a correção das anormalidades clínicas e bioquímicas e a evitação de complicações potencialmente de risco de vida (por exemplo, arritmia cardíaca ou convulsões).

Os pacientes devem ser tratados por uma equipe multidisciplinar que inclua hematologistas, oncologistas, nefrologistas e médicos de terapia intensiva.

Prevenção

A prevenção depende do reconhecimento precoce de pacientes com risco de evoluir para síndrome da lise tumoral (SLT) e do início das medidas preventivas adequadas.[2]

Os pacientes podem ser categorizados como de baixo, intermediário ou alto risco, dependendo do tipo de neoplasia maligna, sensibilidade ao tratamento (do tumor), estádio da doença, contagem leucocitária, carga tumoral (volume), nível de lactato desidrogenase (LDH) e insuficiência renal/anomalia renal preexistente.[35]

Agentes nefrotóxicos (por exemplo, anti-inflamatórios não esteroidais, antibióticos aminoglicosídeos e agentes de contraste intravenoso) devem ser evitados em pacientes com neoplasia hematológica submetidos a quimioterapia. Medicamentos que aumentam os níveis de ácido úrico, potássio e fosfato (por exemplo, tiazida ou diuréticos poupadores de potássio) devem ser evitados na medida do possível.

Profilaxia: pacientes de baixo risco

Dentre os pacientes de baixo risco estão os com:[35]

  • Tumores sólidos, exceto tumores sólidos raros que são quimiossensíveis (por exemplo, neuroblastoma, tumores de células germinativas, câncer pulmonar de células pequenas) ou outros com doença volumosa ou avançada

  • Leucemia mieloide crônica: fase crônica

  • Leucemia linfocítica crônica quando tratada exclusivamente com agentes alquilantes

  • Mieloma múltiplo

  • Linfoma de Hodgkin

  • Leucemia mieloide aguda com contagem leucocitária <25 × 10⁹/L (<25.000/microlitro) e LDH <2 vezes o limite superior do normal (LSN)

  • Linfoma não Hodgkin indolente/pouco proliferativo (por exemplo, linfoma linfocítico de pequenas células, linfoma folicular, linfoma de células B de zona marginal, linfoma de MALT, linfoma de células do manto [não blastoide], linfoma cutâneo de células T e linfoma anaplásico de grandes células [adultos]).

Pacientes com doença de baixo risco que apresentam disfunção/comprometimento renal devem ser categorizados como risco intermediário.[35]

Os pacientes de baixo risco podem ser observados com monitoramento regular da bioquímica sérica (incluindo ácido úrico, fosfato, potássio, cálcio, ureia, creatinina e LDH) e avaliação regular do equilíbrio hídrico e dos sinais vitais.[1]

Alopurinol (um inibidor da xantina oxidase) pode ser considerado para o tratamento da hiperuricemia em pacientes de baixo risco, se necessário (por exemplo, se houver sinais de alterações metabólicas, doença volumosa e/ou avançada e/ou doença altamente proliferativa).[4][35][36]​​ O alopurinol reduz a produção de ácido úrico ao evitar a degradação da purina (de ácidos nucleicos) em ácido úrico, mas não tem efeitos sobre o ácido úrico já presente.[1][2]​​ Demonstrou-se que ele reduz a incidência de nefropatia por uratos relacionada à precipitação de cristais de ácido úrico.[37][38]

Quando alopurinol é usado em combinação com um agente quimioterápico à base de purina (por exemplo, mercaptopurina ou azatioprina), é necessário reduzir a dose do agente baseado em purina para evitar toxicidade. A coadministração de alopurinol e capecitabina deve ser evitada devido ao risco de eficácia reduzida com capecitabina.

Se alopurinol não for adequado (por exemplo, devido a alergia ou intolerância), febuxostat (um inibidor seletivo da xantina oxidase não purínico) pode ser usado em pacientes adultos.[39] A segurança e a eficácia de febuxostat em crianças não estão claras.

A National Comprehensive Cancer Network (NCCN) dos EUA recomenda iniciar alopurinol ou febuxostat 2 a 3 dias antes do início do tratamento para o câncer e dar continuidade por 10 a 14 dias.[36][40][41]

Profilaxia: pacientes de risco intermediário

Dentre os pacientes de risco intermediário estão os com:[35][41]

  • Tumores sólidos raros que são quimiossensíveis (por exemplo, neuroblastoma, tumores de células germinativas, câncer pulmonar de células pequenas) ou outros com doença volumosa ou em estádio avançado

  • Linfoma de Burkitt em estádio inicial com LDH <2 vezes o LSN

  • Linfoma linfoblástico em estádio inicial com LDH <2 vezes o LSN

  • Leucemia linfoide aguda com contagem leucocitária <100 × 10⁹/L (<100,000/microlitro) e LDH <2 vezes o LSN

  • Leucemia mieloide aguda com contagem leucocitária ≥25 × 10⁹/L (≥25,000/microlitro) a <100 × 10⁹/L (<100,000/microlitro), ou contagem leucocitária <25 × 10⁹/L (<25,000/microlitro) e LDH ≥2 vezes o LSN

  • Leucemia linfocítica crônica com contagem leucocitária ≥50 × 10⁹/L (≥50.000/microlitro) e/ou tratada com fludarabina ou agentes direcionados (por exemplo, rituximabe, lenalidomida, obinutuzumabe, venetoclax)

Pacientes com doença de risco intermediário que apresentam disfunção/comprometimento renal ou níveis de ácido úrico, potássio e/ou fosfato acima da faixa normal devem ser classificados como de alto risco.

Os pacientes de risco intermediário devem fazer exames regulares (no mínimo diariamente) de pressão arterial, frequência cardíaca e frequência respiratória. A bioquímica sérica (inclusive ácido úrico, fosfato, potássio, cálcio, ureia, creatinina e LDH) deve ser determinada antes de intervenções preventivas, depois 1 a 2 vezes ao dia nos primeiros 3 dias de terapia e uma vez ao dia depois disso. As diretrizes relativas ao monitoramento e avaliação podem diferir, dependendo da região e do centro; portanto, é recomendável consultar as orientações locais.

Dois dias antes do início do tratamento contra o câncer, os pacientes com risco médio devem receber hidratação intravenosa com solução salina isotônica para manter um débito urinário de 100 mL/m²/hora (3 mL/kg/hora em crianças <10 kg de peso corporal). A hidratação agressiva melhora o volume intravascular e o fluxo sanguíneo renal.[1][2]​ Uma taxa de filtração glomerular alta ajuda a eliminar o potássio, o ácido úrico e o fosfato da corrente sanguínea.

Se o débito urinário não for satisfatório mesmo após a reposição volêmica, diuréticos de alça podem ser usados.[2] No entanto, diuréticos de alça podem causar precipitação de ácido úrico e de fosfato de cálcio nos túbulos e devem ser evitados em pacientes com obstrução renal ou depleção de volume.[42]

Alopurinol ou febuxostat (se alopurinol não for adequado) são recomendados para o tratamento da hiperuricemia.[36][41]

A rasburicase (uma forma recombinante da enzima urato-oxidase) deve ser usada se a hiperuricemia for inadequadamente tratada com alopurinol ou febuxostat.[1] Rasburicase transforma o ácido úrico em alantoína. A alantoína é mais solúvel na urina que o ácido úrico e é eliminada mais facilmente pelo rim.[43] Demonstrou-se que a rasburicase reduziu a concentração mediana de ácido úrico de 577 a 60 micromoles/L em 4 horas de tratamento.[44] Uma revisão sistemática (de ensaios clínicos controlados para prevenção ou tratamento da SLT) concluiu que não há evidências suficientes para determinar se rasburicase melhora os desfechos clínicos em adultos, em comparação com agentes alternativos.[45]

A rasburicase pode ser considerada para o manejo inicial da hiperuricemia em pacientes pediátricos.[1]

Aproximadamente 1% dos receptores desenvolvem reações de hipersensibilidade à rasburicase.

A rasburicase é contraindicada em pacientes com:

  • Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (o rastreamento deve ser realizado em todos os pacientes antes de iniciar o tratamento)

  • História de anemia hemolítica ou metemoglobinemia.

A alcalinização da urina (para eliminar o ácido úrico) não é mais rotineiramente recomendada, embora alguns centros ainda usem essa abordagem.[1] Se desejado, pode-se usar bicarbonato de sódio para aumentar o pH urinário. Faltam evidências para dar suporte à sua superioridade sobre a reposição volêmica isolada para prevenir a nefropatia por uratos e, na presença de hiperfosfatemia, ele pode causar a precipitação de cristais de cálcio e o agravamento da função renal.

Agentes quelantes do fosfato (por exemplo, hidróxido de alumínio) podem ser considerados para reduzir a absorção intestinal de fosfato, mas raramente são usados.[1][2]​ O hidróxido de alumínio pode causar constipação, mas seu uso associado ao hidróxido de magnésio pode reduzir os efeitos adversos colônicos.

Profilaxia: pacientes de alto risco

Dentre os pacientes de alto risco estão os com:[35][41]

  • Certos linfomas não Hodgkin de alto grau (por exemplo, linfoma de Burkitt em estádio avançado ou linfoma linfoblástico) e linfoma não Hodgkin volumoso de alto grau (por exemplo, linfoma difuso de grandes células B)

  • Leucemia linfoblástica aguda com contagem leucocitária ≥100 × 10⁹/L (≥100,000/microlitro), ou contagem leucocitária <100 × 10⁹/L (<100,000/microlitro) e LDH ≥2 vezes o LSN

  • Leucemia mieloide aguda com contagem leucocitária ≥100 × 10⁹/L (≥100,000/microlitro)

  • Leucemia linfocítica crônica tratada com venetoclax se houver uma alta carga tumoral (linfonodo ≥10 cm ou linfonodo ≥5 cm e contagem absoluta de linfócitos [ALC] ≥25,000/microlitro]) ou uma carga tumoral média (linfonodo de 5 cm a <10 cm; ou ALC ≥25 × 10⁹/L [≥25,000/microlitro]) naqueles com clearance da creatinina <1.34 mL/s (<80 mL/min).

Os pacientes de alto risco devem fazer exames regulares (no mínimo diariamente) de pressão arterial, frequência cardíaca e frequência respiratória. A bioquímica sérica (inclusive ácido úrico, fosfato, potássio, cálcio, ureia, creatinina e LDH) deve ser determinada antes de intervenções preventivas e, em seguida, monitorada com frequência (por exemplo, 3 a 4 vezes ao dia).[28] As diretrizes relativas ao monitoramento e avaliação podem diferir, dependendo da região e do centro; portanto, é recomendável consultar as orientações locais.

A hidratação intravenosa é a mesma que a de pacientes de risco intermediário. A rasburicase é usada preferentemente a alopurinol ou febuxostat para o tratamento da hiperuricemia em pacientes de alto risco.[1][36][41]

Tratamento: SLT laboratorial

O tratamento inicial de pacientes com SLT laboratorial envolve:

  • Hidratação agressiva para otimizar a função renal

  • Uso de rasburicase para tratar a hiperuricemia

  • Consideração de agentes quelantes do fosfato para tratar a hiperfosfatemia.

O tratamento de outras anormalidades bioquímicas subjacentes deve ser iniciado.

Manejo da hipercalemia

A hipercalemia requer terapia específica:[1][2]

  • Nível de potássio ≤6 mmol/L (≤6 mEq/L): o tratamento inclui hidratação, um diurético de alça e poliestirenossulfonato de sódio.

  • Níveis de potássio >6 mmol/L (>6 mEq/L): o tratamento inclui gluconato de cálcio em bolus lento (para contrabalançar os efeitos do potássio elevado no coração), seguido por uma infusão de insulina associada a glicose para forçar o potássio para dentro das células. O poliestirenossulfonato de sódio é administrado subsequentemente.[31]

O poliestirenossulfonato de sódio é usado para se combinar com o potássio e promover a eliminação intestinal. No entanto, tem o potencial de se ligar a outros medicamentos orais. Portanto, medicamentos administrados por via oral devem ser administrados pelo menos 3 horas antes ou 3 horas após poliestirenossulfonato de sódio. Deve-se aumentar para 6 horas para pacientes com gastroparesia ou outras afecções que resultem em retardo do esvaziamento do alimento do estômago no intestino delgado.

Manejo da hipocalcemia e/ou hiperfosfatemia

A hipocalcemia assintomática não requer tratamento.

O tratamento precoce da hiperfosfatemia (por exemplo, com agentes quelantes do fosfato) pode ajudar a prevenir o desenvolvimento da hipocalcemia. No entanto, agentes quelantes do fosfato raramente são usados.

Diálise renal

A diálise renal é indicada se as anormalidades bioquímicas forem resistentes ao tratamento clínico ou se houver sobrecarga de volume persistente, hipertensão não controlada, acidose grave e/ou uremia com toxicidade para o sistema nervoso central.

Tratamento: SLT clínica

Se a SLT clínica se desenvolver, será necessário o tratamento imediato da complicação. Arritmias cardíacas e convulsões podem rapidamente trazer risco de vida. O tratamento das anormalidades bioquímicas subjacentes deve continuar.

Arritmia cardíaca

  • As alterações no eletrocardiograma (ECG) são características, e é necessário monitoramento cardíaco contínuo quando qualquer arritmia cardíaca for diagnosticada e ao longo do tratamento.

  • O tratamento depende do tipo de arritmia e pode incluir terapia farmacológica ou cardioversão.

  • O reconhecimento de alterações precoces no ECG e o tratamento imediato de anormalidades eletrolíticas (por exemplo, correção da hipercalemia, hiperfosfatemia ou hipocalcemia subjacente) são cruciais.

Convulsões

  • Geralmente, as convulsões são secundárias à hipocalcemia grave ou à hiperfosfatemia.

  • Sintomaticamente, as convulsões podem ser tratadas com anticonvulsivantes, de maneira similar às convulsões de qualquer outra etiologia.

  • O desenvolvimento de convulsões é uma indicação definitiva para o tratamento da hipocalcemia subjacente com gluconato de cálcio.

Lesão renal aguda

  • A atenção ao equilíbrio hídrico e à hidratação adequada é essencial se houver desenvolvimento de lesão renal aguda.

  • A diálise renal pode ser necessária em alguns pacientes, mas essa necessidade parece ter diminuído desde a introdução da rasburicase.[50]

  • Agentes quelantes do fosfato (por exemplo, sais de alumínio) não são adequados no tratamento da SLT se houver lesão renal aguda.[51][52]

Monitoramento e avaliação da SLT estabelecida

O monitoramento rigoroso é essencial após o diagnóstico de SLT. Sinais vitais, débito urinário, pH da urina e bioquímica sérica (incluindo ácido úrico, fosfato, potássio, cálcio, ureia, creatinina e LDH) devem ser feitos a cada 6 horas nas primeiras 24 horas após o diagnóstico e 2 a 4 vezes ao dia subsequentemente, dependendo da resposta ao tratamento.[1][2][53]

O exame de débito urinário a cada hora também deve ser realizado nas primeiras 6 horas após o diagnóstico.

As diretrizes relativas ao monitoramento e avaliação podem diferir, dependendo da região e do centro; portanto, é recomendável consultar as orientações locais.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal