Abordagem
O diagnóstico requer alto índice de suspeita, com base no quadro clínico e na exposição epidemiológica, pois a leptospirose pode ter uma grande variedade de manifestações clínicas. O diagnóstico pode ser confirmado por isolamento do organismo a partir do sangue ou do líquido cefalorraquidiano (LCR), sorologia, histopatologia com coloração especial e reação em cadeia da polimerase.
A abordagem padrão para a confirmação do diagnóstico é um teste de aglutinação microscópica de dois testes em amostras pareadas de soro na fase aguda e na convalescênça , embora a reação em cadeia da polimerase seja cada vez mais usada, se disponível, para fornecer um diagnóstico mais oportuno durante a fase aguda.[50] O desenvolvimento de ensaios baseados em ácido nucleico aumentou, mas uma metanálise encontrou uma heterogeneidade significativa entre marcadores genéticos nos testes atuais; são necessários estudos adicionais para identificar os métodos de teste ideais para leptospirose.[51][52]
História
A identificação dos fatores de risco para leptospirose é de extrema importância. Fatores de risco significativos incluem o contato direto e indireto com a urina de animais infectados, a exposição ocupacional, esporte aquáticos, atividades de recreação ao ar livre e desastres naturais.[1][2][3][4][6][24]
Analise a história do paciente e faça perguntas sobre exposições a animais, água e solo. As leptospiras penetram através de lesões na pele, membranas mucosas e inalação de água e, de maneira menos eficaz, pelas conjuntivas.[34] Os pacientes geralmente relatam história de contato com animais, sua urina ou água ou solo contaminados.
Deve-se realizar a definição de uma cronologia entre a exposição e o desenvolvimento do sintoma. Geralmente, o período de incubação é de 7-14 dias, mas varia entre 2 e 30 dias.
Quadro clínico
A maioria das infecções (aproximadamente 90%) é subclínica. Os pacientes que desenvolvem sintomas geralmente apresentam doença febril aguda e autolimitada; no entanto, de 5% a 10% desenvolvem doença mais grave, que pode incluir insuficiência renal, insuficiência hepática e hemorragia pulmonar.[50] A doença grave pode causar insuficiência de múltiplos órgãos e morte.
Caso o paciente evolua para doença grave, a doença pode ser bifásica, com redução temporária da febre entre as duas fases: uma fase aguda/inicial, seguida 5-7 dias depois pela fase imune.[50]
Fase septicêmica aguda: os pacientes apresentam febres altas, calafrios, cefaleia, mialgia (geralmente localizada nas panturrilhas), dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos, astenia, anorexia, fotofobia, sufusão conjuntival e erupção cutânea morbiliforme não pruriginosa com duração de 1 ou 2 dias (a erupção morbiliforme é rara).
Fase imune: após 5-7 dias, a febre remite e o paciente desenvolve sintomas relacionados à fase imune. Os sintomas durante essa fase incluem dor ocular grave, cefaleia, fotofobia, sintomas pulmonares (tosse, dispneia, dor torácica, hemoptise), palpitações, sufusão conjuntival, sensibilidade muscular, alterações do estado mental (delirium, coma) e déficit neurológico focal.
A doença grave está associada à fase imune e pode se manifestar com insuficiência renal, insuficiência hepática e/ou hemorragias pulmonares.[53] Outras apresentações durante essa fase incluem miocardite com arritmias, meningite asséptica e pancreatite.[5] Os pacientes imunocomprometidos podem manifestar complicações cardiovasculares, como bloqueio atrioventricular total, embora essa seja uma apresentação bastante rara.[13]
Em gestantes, a leptospirose pode causar morbidade e mortalidade fetal e materna graves. A apresentação pode mimetizar outras infecções virais, bacterianas e parasitárias; esteatose hepática aguda; hipertensão induzida pela gestação; e síndrome HELLP (hemólise, enzimas hepáticas elevadas e plaquetopenia).[54] Por isso, a leptospirose na gestação geralmente é diagnosticada erroneamente e pouco relatada.[55]
O diagnóstico clínico de leptospirose em regiões tropicais costuma ser desafiador, pois as manifestações clínicas da leptospirose geralmente não se diferenciam das de outras infecções endêmicas.[20] Também podem ocorrer coinfecções e complicar o diagnóstico, inclusive dengue, malária, rickettsia, tifo esfoliante e HIV.[14][15][16][17][18]
Exame físico
O exame físico é extremamente importante a fim de reconhecer determinadas manifestações da doença, inclusive sinais de que são patognomônicas.
Os achados dos exames físicos são diferentes de um paciente para outro; eles serão apresentados de acordo com a fase e a gravidade consequente da doença. Os achados gerais de exames físicos durante a fase aguda/inicial incluem febres altas até 40 °C (104 °F), calafrios, hipotensão, taquicardia, linfadenopatia, sensibilidade muscular localizada nas panturrilhas (patognomônica) e provavelmente nos músculos paraespinhais, e raramente erupção cutânea morbiliforme.
Os achados dos exames abdominais da hepatoesplenomegalia e do desconforto abdominal, e os achados dos exames oculares da fotofobia, icterícia e sufusão conjuntival bilateral (patognomônica) podem ocorrer tanto na fase aguda/inicial e quanto na fase imune da doença.
A fase imune pode revelar sinais de condensação após hemorragia pulmonar, e estertores e sibilos associados a edema pulmonar no exame respiratório. O exame cardíaco pode revelar arritmias, como fibrilação atrial, flutter atrial, bloqueio atrioventricular e contrações ventriculares prematuras, enquanto os exames neurológicos revelam rigidez da nuca, delirium, fraqueza e paralisia.
Investigações durante a fase aguda/inicial
Os exames laboratoriais de rotina durante a fase inicial incluem o seguinte:
Hemograma completo e diferencial: leucocitose e trombocitopenia na ausência de coagulação intravascular disseminada.
Urinálise: proteinúria leve, piúria, hematúria, e cilindros hialinos ou granulares.
Microscopia: as espiroquetas podem ser visualizadas pela microscopia de campo escuro na urina e nas amostras de sangue.
Culturas: a Leptospira pode ser isolada do sangue e do LCR durante a fase aguda/inicial nos primeiros 7-10 dias da doença. A cultura é insensível e lenta e, portanto, não é recomendada como o único método diagnóstico.[50]
Sorologia: os anticorpos anti-IgM da Leptospira serão positivos durante a fase aguda/inicial. Os testes de rastreamento positivos baseados em IgM, como o ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA), devem ser confirmados com teste de aglutinação microscópica em amostras das fases aguda e convalescente pareadas, se disponíveis.[50][56]
Reação em cadeia da polimerase: se disponível, pode fornecer uma confirmação oportuna do diagnóstico durante a fase aguda, através da detecção do DNA da Leptospira no sangue, na urina ou no líquido cefalorraquidiano (para os pacientes com meningite).[50][56]
Investigações durante a fase imune
Os achados laboratoriais da fase imune incluem o seguinte:
Hemograma completo e diferencial: anemia pós-hemorragia
TFHs: mostra aminotransferases elevadas (<200 mg/dL), bilirrubina conjugada elevada (≤1368 micromoles/L [80 mg/dL]) e fosfatase alcalina elevada
Perfil metabólico: indica ureia e creatinina elevadas, e hipocalemia
Enzimas pancreáticas: a amilase e a lipase podem estar elevadas na presença de envolvimento pancreático
Análise do LCR: celularidade abaixo de 500 células/mm³, pleocitose linfocítica, proteínas elevadas e glicose normal
Sorologia: os níveis de título crescentes entre a fase aguda e convalescente irão confirmar o diagnóstico
Radiografia torácica: indicada para pacientes com sinais clínicos de envolvimento pulmonar, mostrando pequenas densidades nodulares, infiltrados alveolares irregulares e nódulos do espaço aéreo
ECG e monitorização cardíaca: devem ser realizados em todos os pacientes devido a arritmias associadas secundariamente à miocardite
Ultrassonografia abdominal: deve ser realizada em pacientes com dor abdominal e hepatomegalia ou esplenomegalia
Biópsia renal: geralmente é realizada na fase imune devido ao comprometimento renal.
Métodos diretos de confirmação
Microscopia de campo escuro:
Esta é uma técnica de iluminação utilizada para melhorar o contraste em amostras sem coloração. Este teste fornece uma visualização direta das espiroquetas de espécimes de sangue ou de urina, ou visualização da aglutinação no teste de aglutinação microscópica. É positiva durante a fase aguda/inicial. O exame de campo escuro tem uma baixa sensibilidade e especificidade.
Isolamento e cultura das leptospiras:
As leptospiras podem ser isoladas e cultivadas à partir do sangue, líquido cefalorraquidiano (LCR) e fluidos de diálise peritoneal durante os primeiros 10 dias da doença. A urina pode ser cultivada após a primeira semana da doença. O meio de Fletcher é o meio de cultura seletiva para a leptospirose. No entanto, a cultura é insensível e lenta e, portanto, não é recomendada como o único método diagnóstico.[50]
Métodos de coloração:
Técnicas como coloração de prata, coloração com imunoperoxidase e coloração imunofluorescente podem mostrar a presença do organismo em amostras de tecido. Esses testes não são amplamente utilizados devido à falta de reagentes comercialmente disponíveis e às baixas taxas de sensibilidade. As três técnicas de coloração têm baixa sensibilidade.
reação em cadeia da polimerase:
Pode fornecer um diagnóstico a tempo durante a fase aguda, se disponível. O sequenciamento genético pode ser ampliado a partir do soro, urina, humor aquoso e outros tecidos. A amostra melhor ou preferencial é o soro coletado na primeira semana da doença (nos primeiros 4 dias é o ideal). A reação em cadeia da polimerase também pode ser realizada no LCR de um paciente com sinais de meningite ou na urina coletada pelo menos 1 semana após o início dos sintomas. No entanto, a transitoriedade das leptospiras nos fluidos corporais significa que um exame por reação em cadeia da polimerase negativo não descarta a leptospirose.[57]
Há uma variabilidade considerável entre estudos que avaliam a precisão da reação em cadeia da polimerase e da reação em cadeia da polimerase em tempo real, e não se sabe ao certo se a reação em cadeia da polimerase ou a reação em cadeia da polimerase em tempo real é melhor para detectar a leptospirose. Há evidências preliminares de que a reação em cadeia da polimerase é mais sensível nas amostras de sangue coletadas no início do ciclo da doença.[58] [
]
A escolha dos métodos de confirmação depende da disponibilidade dos laboratórios locais, e os médicos devem consultar os protocolos de testes locais.
Métodos de confirmação de detecção indireta
Teste de aglutinação microscópica:
Os antígenos vivos das leptospiras reagem com as amostras de soro, e são examinados para aglutinação usando-se a microscopia de campo escuro. O teste de aglutinação microscópica é o padrão de referência para a confirmação de leptospirose, porém é um teste complexo de ser realizado e interpretado. Este método oferece confirmação tardia, pois envolve o pareamento dos soros na fase aguda e na convalescênça coletados a um intervalo de 2 semanas. Um caso sorologicamente confirmado de leptospirose envolve um título de teste de aglutinação microscópica quatro vezes maior em 1 ou mais sorotipos entre as fases aguda e convalescente. Um único título do MAT de 1:800 em qualquer soro ou a identificação de espiroquetas na microscopia de campo escuro, quando acompanhada pelo cenário clínico adequado, é uma forte sugestão de infecção recente ou vigente.[5][59] Um único título de 1:200 após o início dos sintomas sugere evidências de infecção, especialmente se o caso for proveniente de uma região não endêmica.[60]
Ensaio de hemaglutinação indireta:
Esta técnica tem baixa sensibilidade em espécimes da fase aguda. Atinge-se uma sensibilidade mais elevada quando tanto os espécimes da fase aguda quanto da fase convalescente são testados.[61]
Ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA) para detecção do anticorpo IgM:
Os anticorpos IgM podem ser detectados após o quinto dia da doença. A detecção dos anticorpos IgM pode ser usada como teste de rastreamento para aumentar a capacidade de diagnóstico dos laboratórios, especialmente em países em desenvolvimento.[61][62] Os resultados devem ser confirmados, idealmente com teste de aglutinação microscópica ou reação em cadeia da polimerase, se disponível.[57]
Aglutinação em látex e western blot:
Possíveis alternativas ao ELISA-IgM ou teste de aglutinação microscópica quando não estiverem disponíveis. Em um estudo, tanto a aglutinação em látex quanto o western blot demonstraram ser sensíveis e específicos para a confirmação de leptospirose.[63]
Reação em cadeia da polimerase quantitativa (qPCR):
Foi avaliada como útil para fornecer um diagnóstico rápido e preciso em pacientes apresentando manifestações clínicas sugestivas de leptospirose em áreas endêmicas.[64] Alguns estudos descobriram que os níveis de leptospirose medidos por reação em cadeia da polimerase quantitativa (qPCR) estão associados com a gravidade da doença quando obtidos no início da infecção; isso pode ser um método valioso para prever a evolução clínica.[44]
Novos exames:
Embora ainda não sejam amplamente empregados, os ensaios de fluxo lateral são uma modalidade diagnóstica promissora; entretanto, há uma variabilidade considerável nos dados publicados em relação a sua sensibilidade (55% a 93%) e especificidade (57% a 99%).[65] Vários fatores podem ser responsáveis por essa variabilidade (inclusive variações em testes de referência e o estágio da infecção quando o teste foi realizado, com menor sensibilidade descrita na primeira semana de infecção).[65]
Evidências atuais sugerem que os níveis de interleucina(IL)-1b, IL-2, IL-4, IL-6, IL-8, IL-10 e fator de necrose tumoral (TNF)-alfa são mais altos em casos graves de leptospirose, em comparação com casos leves.[66] O dia da infecção parece ser um fator determinante importante do nível de citocina; são necessários estudos adicionais antes que os níveis de citocina possam ser usados para monitorar a infecção.[66][67]
Exames por imagem
A radiografia torácica pode mostrar bilateralmente pequenas densidades nodulares e densidades alveolares irregulares em pacientes com envolvimento pulmonar durante a fase imune. Casos nos quais a radiografia torácica detecta nódulos do espaço aéreo foram associados à leptospirose grave.[68]
A ultrassonografia abdominal podem mostrar colecistite acalculosa, hepatomegalia e esplenomegalia.
ECG e monitorização cardíaca
Uma ampla variedade de arritmias cardíacas pode ser identificada, como flutter atrial, fibrilação atrial, taquicardia, contrações ventriculares prematuras e bloqueio atrioventricular.
Biópsia pulmonar e renal
A biópsia renal geralmente é realizada durante a fase imune. Ela é recomendada em pacientes com envolvimento renal a fim de documentar o tipo de lesão no rim. A viabilidade da realização de uma biópsia renal depende do estado clínico do paciente e dos recursos disponíveis. Ela pode revelar uma nefrite intersticial aguda ou glomerulonefrite por imunocomplexo. A leptospira também pode ser encontrada no parênquima renal. Os achados histológicos em casos fatais incluem infiltrado celular inflamatório misto tubulointersticial de linfócitos, plasmócitos e leucócitos polimorfonucleares com áreas de necrose tubular.
A biópsia pulmonar revela congestão pulmonar e as áreas focais de hemorragia indicam pneumonite hemorrágica grave na fase imune.[69][70][71] Na autópsia, o exame histológico do tecido pulmonar mostra danos ao endotélio capilar, hemorragia intersticial e intra-alveolar, hemorragia alveolar difusa e desorganização grave do espaço aéreo.
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