Abordagem

Suspeite de hipotermia (temperatura corporal central <35 °C [<95 °F]) com base na condição em que o paciente se encontra e/ou na presença de fatores de risco.

Avaliação pré-hospitalar

Em um cenário pré-hospitalar, use o sistema de quatro estágios suíço original para ajudar a estimar a temperatura central do paciente no local (se ela ainda não estiver disponível).[19]

Os sinais vitais podem estar presentes mesmo quando a temperatura central está abaixo de 24 °C (75 °F).[44][45]​​ ​​Os estágios da hipotermia são baseados em sinais clínicos (tremores, sinais vitais, nível de consciência) que se correlacionam aproximadamente com a temperatura central do paciente e são usados para orientar o tratamento.[46]​​ No entanto, é importante observar que fatores como trauma, falência do sistema nervoso central e uso indevido e superdosagem de substâncias podem prejudicar os tremores e a consciência, independentemente da temperatura central do paciente.[19]

​Considere o sistema suíço revisado, o qual pode simplificar o estadiamento clínico em campo, se apropriado; o sistema revisado incorpora o risco de parada cardíaca como parte do estadiamento.[47]

Consulte Parada cardíaca.

Se o paciente tiver estado imerso em água, consulte Afogamento.

História

Pergunte à equipe pré-hospitalar sobre as condições em que o paciente foi encontrado. Elas podem fornecer pistas importantes para o diagnóstico; por exemplo, os pacientes que estiverem vestidos de forma inadequada para um clima frio e tiverem passado muito tempo ao ar livre ou em um ambiente frio podem estar hipotérmicos.

Considere os fatores de risco para hipotermia. Eles incluem:[2][16]​​[19][27]​​[31]​​​[34][35][36][37][38]

  • Uso de anestesia geral

  • Trauma

  • Afogamento

  • Extremidades etárias

  • Imobilidade (por exemplo, devido a doença ou lesão)

  • Uso indevido de substâncias

  • Comprometimento da cognição

  • Hipotireoidismo

  • Acidente vascular cerebral (AVC)

  • Doença de Parkinson

  • Desabrigo

  • Uso de antipsicóticos

  • Septicemia por Gram-negativo.

Exame físico incluindo medição da temperatura central

Examine e mova o paciente com muito cuidado enquanto você o avalia. Mantenha o paciente em posição supina se ele apresentar características de hipotermia moderada ou grave (por exemplo, se ele tiver parado de tremer ou tiver um rebaixamento do nível de consciência), pois a movimentação pode precipitar uma fibrilação ventricular, especialmente se a temperatura do paciente estiver <28 °C (<82 °F).[20][48]

Verifique os sinais vitais (incluindo pulso carotídeo) por até 1 minuto.[20][48]​​​ Meça e monitore os sinais vitais como parte de uma avaliação continuada, incluindo: pressão arterial; frequência cardíaca; frequência respiratória; e saturação de oxigênio. Esteja ciente de que os sinais vitais podem ser muito difíceis de detectar em um paciente com hipotermia, especialmente no cenário pré-hospitalar; um paciente muito hipotérmico pode parecer morto, mas ainda sobreviver com ressuscitação.[20]​​[45]​​[48]​​[49]​​​​ Outras causas de parada cardíaca podem precisar ser descartadas; é improvável que a parada cardíaca seja apenas decorrente da hipotermia, a menos que a temperatura central esteja menor que 28 °C (82 °F).[19]

Os pacientes geralmente apresentam sinais de confusão ou comprometimento da cognição. Além disso, eles podem tremer, apresentar polaciúria e mostrar sinais de congelamento das extremidades na pele. Consulte Congelamento de extremidades.

Observe que os tremores desaparecerão quando a temperatura central do paciente cair abaixo de um certo nível; o limite varia entre os pacientes, mas normalmente é de 28 °C a 32 °C (82 °F a 90 °F).[48]​ No entanto, é importante estar ciente de que fatores como trauma, insuficiência do sistema nervoso central e uso indevido e superdosagem de substâncias podem prejudicar os tremores e a consciência, independentemente da temperatura central do paciente.

Procure por quaisquer sinais da causa subjacente da hipotermia. Por exemplo:[45]

  • Lesão autoprovocada. Considere isso principalmente se o paciente tiver um nível de consciência reduzido ou tiver estado imerso em água. Verifique se há sinais de overdose de drogas ou de intoxicação alcoólica. Consulte Visão geral dos transtornos relacionados a uso e overdose de substâncias.

  • Doença aguda (por exemplo, AVC) ou lesão que fez com que o paciente tenha ficado deitado no chão ao ar livre por um longo período de tempo.

Os sinais clínicos se correlacionam, aproximadamente, com a temperatura central do paciente.[48]​ No entanto, a resposta individual de um paciente à hipotermia pode variar consideravelmente; os sinais clínicos podem apenas fornecer uma estimativa da temperatura central. É necessário um suporte urgente de cuidados intensivos para qualquer paciente com hipotermia grave.

Temperatura central

Não use um termômetro clínico padrão para medir a temperatura central. Isso pode ser inadequado, pois ele não medirá temperaturas abaixo de 34.4 °C (94 °F). Os termômetros de mercúrio convencionais também não são recomendados devido ao risco de ruptura e intoxicação.

Sempre que possível (geralmente em um hospital), as diretrizes da Wilderness Medical Society de 2019 e as diretrizes do Conselho Europeu de Ressuscitação de 2021 recomendam:

  • Preferencialmente: uma sonda esofágica.[20][48]​ Uma sonda esofágica se correlaciona bem com a temperatura da artéria pulmonar, e é o método preferencial quando disponível.[19][48] Isso geralmente só é possível nos pacientes gravemente enfermos, pois as leituras devem ser obtidas no terço inferior do esôfago quando as vias aéreas estiverem protegidas (isto é, tubo traqueal ou um dispositivo supraglótico com um canal esofágico instalado).

  • Alternativamente: um termômetro de membrana timpânica de leitura baixa baseado em termistores (em que o termistor toca a membrana timpânica) se o paciente estiver respirando espontaneamente.[20][48]

Os sensores de temperatura do cateter vesical podem ser usados nos pacientes que necessitem de um cateter urinário, mas a temperatura da bexiga e do reto ficam abaixo da temperatura central e são recomendados apenas para pacientes estáveis em um contexto hospitalar.[19][20]​ Nunca meça a temperatura retal se o paciente estiver em um ambiente frio. Este método exige que o paciente fique mais exposto, o que aumentará a perda de calor e potencialmente agravará a hipotermia.

Investigações

Os exames na investigação da hipotermia acidental não são diagnósticos, mas ajudam a orientar o tratamento do quadro agudo.

eletrocardiograma (ECG)

O monitoramento contínuo com ECG é essencial para se detectarem arritmias, as quais podem ser fatais. Sempre que possível, o monitoramento do ECG também deve ser usado para detectar uma eventual parada cardíaca.[20][48]

Podem ocorrer arritmias em qualquer estágio da hipotermia, e também durante o reaquecimento. Inicialmente, na hipotermia leve, o ECG pode mostrar taquicardia. Nos casos mais graves de hipotermia, o ECG pode mostrar bradicardia sinusal progressiva, fibrilação atrial ou ventricular, ritmos juncionais, alterações do segmento ST, inversão da onda T, prolongamento do intervalo QT e, eventualmente, assistolia.[7] Com exceção da fibrilação ventricular, essas alterações provavelmente melhorarão sem tratamento à medida que a temperatura central do paciente aumentar.[20][48]

As ondas J (ou ondas de Osborn) ocorrem na maioria dos pacientes, mas não em todos.[50]​ No entanto, elas não se correlacionam bem com a temperatura.[51]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Um eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações obtido de um paciente hipotérmico; observe as ondas de Osborn (setas), que apresentam uma deflexão extra no final do complexo QRSAydin M, Gursurer M, Bayraktaroglu T, et al. Tex Heart Inst J. 2005;32(1):105 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@68530829

Exames laboratoriais

As investigações iniciais devem incluir: gasometria arterial, glicose sanguínea, ureia e eletrólitos. Os outros exames são menos úteis para a avaliação aguda e o manejo da hipotermia, mas geralmente incluem um hemograma completo e exames de coagulação.

  • Uma gasometria arterial mostra alcalose respiratória, acidose metabólica ou um quadro misto. Conforme a temperatura central cai, deprime-se a respiração, o que causa hipoxemia e hipercapnia. Ocorre uma acidose metabólica e respiratória combinada como resultado da hipoventilação, retenção de dióxido de carbono, diminuição do bicarbonato, comprometimento do metabolismo hepático da produção dos ácidos orgânicos (devido ao prejuízo da perfusão hepática) e aumento da produção de ácido lático. É importante observar que o pH sanguíneo aumenta 0.015 a cada 1 °C (1.8 °F) de queda da temperatura corporal. Em geral, use os resultados da gasometria sem ajuste de temperatura para orientar as decisões de tratamento.[52]

  • Os níveis de glicose podem estar normais, altos (devido ao aumento de secreção de hormônios do estresse - cortisol, hormônios do crescimento e catecolaminas - e à menor secreção de insulina, junto com o aumento da resistência periférica à insulina), ou baixos (devido à inibição da produção de glicose hepática induzida pelo frio). Monitore a glicose sanguínea mesmo após o paciente estar normoglicêmico, pois pode ocorrer hipoglicemia de rebote quando a produção normal de insulina for retomada. Trate a hipoglicemia de maneira imediata. A hipoglicemia pode interromper os tremores (porque o controle central dos tremores depende da glicose), levando a subsequente perda de calor.[53]

  • A função renal pode estar prejudicada devido à desidratação, exposição ao frio ou rabdomiólise.

  • Pode ocorrer hipocalemia resultante da hipotermia ou do tratamento associado. Pode ocorrer hipercalemia durante o reaquecimento. Para um paciente em parada cardíaca, a hipercalemia também pode indicar que uma hipóxia precedeu a hipotermia (por exemplo, se o paciente tiver sido encontrado em uma avalanche).[48]​ Um potássio sérico inicial >12 mmol/L (>12 mEq/L) está associado a morte irreversível se o paciente estiver em parada cardíaca.[48]​ O potássio sérico faz parte do escore HOPE (Hypothermia Outcome Prediction after ECLS rewarming for hypothermia arrest patients [predição de desfechos de hipotermia após reaquecimento com ECLS para pacientes em parada decorrente de hipotermia]) para prognóstico de um reaquecimento bem-sucedido.[20][48] [ Escore Hypothermia outcome prediction after ECLS (HOPE; predição da desfechos da hipotermia após ECLS) Opens in new window ]

  • Um hemograma completo pode mostrar níveis elevados de hemoglobina e hematócrito, além de plaquetopenia e contagens baixas dos leucócitos.

  • O tempo de protrombina e o tempo de tromboplastina parcial (TTP) tendem a estar prolongados, embora a causa disso seja desconhecida.[54]

Exames por imagem

Uma radiografia torácica é particularmente importante se os pacientes apresentarem alteração do nível de consciência. Pode mostrar edema ou infiltrados pulmonares.

Se o paciente tiver estado imerso em água, poderá apresentar corpos estranhos inalados, como dentes falsos ou resíduos da água, os quais precisarão ser removidos. Consulte Aspiração de corpo estranho.

Investigações a serem consideradas

Os níveis séricos de creatinina quinase e mioglobina devem ser verificados quanto a rabdomiólise se o paciente tiver permanecido deitado no chão ao ar livre por muito tempo e não tiver estado imerso em água. Consulte Rabdomiólise.

Se os sinais vitais forem indetectáveis, use ultrassonografia e CO₂ expirado, sempre que possível, para confirmar a parada cardíaca.[20][48]

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