Abordagem

A manifestação de dor na virilha em relação à atividade física pode ocasionar diversos diagnósticos bem diferentes. Prestar muita atenção à história e aos achados do exame físico pode orientar o médico na determinação do diagnóstico correto e/ou de investigações adicionais. É importante observar que diferentes entidades clínicas não são mutuamente exclusivas e, frequentemente, coexistem.[1]

História

O início e a progressão da dor, incluindo se ela é aguda ou crônica, sua intensidade e qualquer irradiação, devem ser descritos. Determinar o mecanismo da lesão é útil, pois movimentos de alta velocidade em músculos longos (por exemplo, cortar, chutar, alcançar, pular) são comumente associados a lesões agudas na virilha. Fatores agravantes e atenuantes também devem ser identificados para ajudar a determinar contribuintes biomecânicos ou relacionados à atividade. Uma história de trauma, juntamente com detalhes de atividades ocupacionais e recreativas, deve ser analisada. Sintomas sistêmicos, incluindo perda de peso inexplicável, fadiga, febre, dor ao urinar e dor noturna, devem ser avaliados, pois podem indicar patologia subjacente grave que requer encaminhamento a um especialista.[1]

Exame físico

O exame físico de pacientes com dor na virilha deve ser realizado sistematicamente e interpretado juntamente com a história médica, exames de imagem e injeções diagnósticas, quando apropriado.[1]​ O local exato da dor (virilha, púbis, crista ilíaca, trocânter maior, coxa, nádegas, articulação sacroilíaca, abdome, coluna lombar) deve ser indicado pelo paciente sem o auxílio do examinador. Dor proveniente de múltiplas fontes é comum.[1]

Avaliação da marcha

O padrão da marcha deve ser avaliado para identificar anormalidades que podem indicar a causa subjacente da dor na virilha.[1]​ Os padrões a serem avaliados incluem:

  • Marcha de Trendelenburg: causada pela fraqueza do glúteo médio, levando ao abaixamento da pelve no lado contralateral.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Sinal de Trendelenburg positivoDo acervo de Cedric J. Ortiguera, MD; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@613c90b0

  • Marcha coxálgica: caracterizada pela rápida descarga da perna dolorida durante a sustentação de peso.

Palpação e teste de resistência[1]

  • Palpação e testes de resistência devem ser realizados nos adutores, iliopsoas, canal inguinal e sínfise púbica para identificar sensibilidade ou dor localizada.

  • Se o teste de resistência reproduzir dor reconhecível e houver sensibilidade à palpação, é provável que músculos ou tendões extra-articulares estejam envolvidos.

Avaliação da articulação do quadril[1]

  • A amplitude de movimentos (ADM) passiva e ativa do quadril e do joelho deve ser avaliada e comparada com o lado contralateral para identificar qualquer dor ou limitação.

  • O teste de ADM do quadril e o teste de flexão, adução e rotação interna (FADIR; flexion, adduction, and internal rotation) ajudam a determinar o envolvimento intra-articular.

    • Se esses testes forem indolores, é improvável que haja patologia no quadril.

    • Se houver dor, o quadril deve ser considerado como uma possível origem de dor na virilha.

  • Considerando que os testes de instabilidade do quadril têm baixa especificidade, anormalidades rotacionais e de versão do fêmur e da tíbia também devem ser avaliadas, com a ADM do quadril testada na posição prona.

Considerando dor referida e patologia grave[1]

  • Em indivíduos jovens e ativos, é importante considerar a possibilidade de patologia grave, especialmente se a apresentação for diferente das principais entidades clínicas para dor na virilha (adutora, inguinal, iliopsoas, púbica ou relacionada ao quadril).

  • Se houver suspeita de que a dor seja proveniente de outras áreas, o exame do abdome, da coluna lombar e do sistema geniturinário deve ser realizado a critério do examinador.

Exames por imagem

Os exames de imagem de primeira linha incluem radiografias simples (pelve anteroposterior e quadril anteroposterior/lateral). A ultrassonografia é preferível para suspeitas de hérnias inguinais e lesões de tecidos moles.[1][13]

​Os exames de imagem de segunda linha incluem ressonância nuclear magnética (RNM) ou artrografia por RM (ARM) para avaliar a síndrome do pinçamento femoroacetabular (SPFA), displasia acetabular, torção femoral e dor na virilha relacionada aos tecidos moles (púbica, relacionada ao iliopsoas e adutor). A TC, embora útil para imagens 3D do quadril e planejamento cirúrgico de SPFA, deve ser usada com cautela devido à radiação ionizante, com protocolos de baixa dose preferenciais quando necessário.[1]

Fratura por estresse

Fratura por estresse do colo do fêmur superior (lado da tensão) e fratura por estresse do colo do fêmur inferior (lado da compressão) são condições graves do quadril que podem apresentar dor na virilha. Pacientes podem ter uma história que gera suspeita de lesão por uso excessivo (por exemplo, em um atleta de resistência ou recruta militar).

O teste de fulcro pode ajudar a descartar fraturas por estresse do colo do fêmur.[1]​ As radiografias padrão talvez não mostrem fraturas. Os pacientes deverão fazer uma RNM se houver uma alta suspeita clínica, mesmo se nenhuma fratura estiver visível nas radiografias simples.

Subtipos de dor de virilha

Em princípio, a classificação de consenso da ESSKA-EHPA-ESMA de lesões na virilha em atletas é seguida neste tópico.[1]

Dor na virilha relacionada ao músculo adutor

  • História de sobrecarga de atividades atléticas ou lesão traumática.

  • Apresenta dor localizada ao redor da inserção do tendão do adutor longo no osso púbico, que pode irradiar distalmente ao longo da coxa medial.

  • Exame físico caracterizado por dor à palpação e dor ao realizar a adução com resistência do quadril.

  • Geralmente um diagnóstico clínico, embora a ultrassonografia ou RNM possa ser útil para mostrar a lesão no tendão ou na êntese.

Dor na virilha relacionada ao músculo iliopsoas

  • História de sobrecarga de atividades atléticas ou lesão traumática.

  • Apresenta dor na região proximal anterior da coxa, posicionada mais lateralmente em comparação à dor na virilha relacionada ao adutor.

  • Exame caracterizado por dor à palpação da parte inferior e do tendão do iliopsoas, dor ao teste de flexão do quadril resistido e/ou dor ao alongamento dos flexores do quadril (teste de Thomas modificado).

  • Geralmente um diagnóstico clínico; a ultrassonografia ou RNM pode ser útil para mostrar o alargamento do tendão.

Dor na virilha relacionada ao músculo inguinal

  • Causada por um enfraquecimento da parede inguinal posterior.

  • Apresenta dor na região inguinal que se intensifica com a atividade. Em casos de dor intensa, também pode ocorrer desconforto ao tossir, espirrar ou ao sentar na cama.

  • Dor localizada na região do canal inguinal com sensibilidade à palpação. Não há hérnia inguinal palpável observada. A dor é exacerbada durante o teste de resistência dos músculos abdominais ou com a manobra de Valsalva, tosse ou espirro.

  • A ultrassonografia costuma ser útil para demonstrar a parede posterior dos tecidos moles; a RNM pode ser usada para descartar outras condições com manifestações semelhantes.

Dor na virilha relacionada à região púbica[14]

  • História de sobrecarga de atividades atléticas ou lesão traumática. Normalmente observada em jogadores de futebol.

  • Apresenta dor localizada na articulação da sínfise e no osso adjacente.

  • Exame caracterizado por sensibilidade local na sínfise púbica e osso adjacente à palpação. Nenhum teste de resistência específico, além da palpação, provoca de forma confiável sintomas associados à dor na virilha relacionada ao púbis.

  • A RNM pode ser útil na identificação de patologias.

Dor na virilha relacionada ao quadril: SPFA e/ou ruptura labral

  • Os pacientes podem ter história familiar de doença no quadril. A ruptura labral está associada a atividades de torção ou rotação, como balé, futebol americano ou futebol.

  • Apresenta dor no quadril, nas costas, nas nádegas ou na coxa, além de estalos, travamentos, rigidez, amplitude de movimentos restrita ou fraqueza.

  • O exame é caracterizado pela provocação de dor no teste de flexão, adução e rotação interna (FADIR; pinçamento anterior), que é sensível para SPFA e possível patologia labral.

  • Os testes de flexão, abdução e rotação externa (FABER) e elevação da perna estendida também podem ajudar a identificar patologias intra-articulares do quadril.

  • Radiografias simples ajudam a identificar a morfologia em "cam" ou pinçamento. A RNM ou a ARM é recomendada para avaliar rupturas labrais, torção femoral e fatores prognósticos para cirurgia de preservação do quadril.

Dor na virilha relacionada ao quadril: displasia acetabular e/ou instabilidade do quadril

  • Apresenta instabilidade anterior, posterior ou lateral/global ou dor devido a variações da morfologia acetabular. Os pacientes podem ter história familiar de doença no quadril.

Dor na virilha relacionada ao quadril: outras condições sem morfologia óssea distinta[15]

  • Inclui envolvimento isolado ou combinado do labrum, cartilagem ou ligamento redondo, incluindo várias patologias sobrepostas, como rupturas, cistos, erosões ou hipertrofia.

  • Geralmente suspeita em pacientes com dor persistente no quadril, apesar de radiografias normais.

Injeções diagnósticas

O alívio da dor obtido por meio de injeções intra-articulares diagnósticas com anestésico e/ou corticosteroide pode determinar com segurança a etiologia como sendo intra-articular (ruptura labral, lesão condral) ou extra-articular (tendinite/bursite, muscular, intra-abdominal, lombar). A injeção intra-articular de anestésico local no quadril deve ser guiada por ultrassonografia ou fluoroscopia.[1]

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