Abordagem

A apresentação da criptosporidiose é uma diarreia aquosa inespecífica sem características patognomônicas; são necessários exames laboratoriais para se fazer o diagnóstico, geralmente pela detecção de oocistos, antígenos ou DNA do Cryptosporidium nas fezes. Outras amostras (fluido intestinal, amostras de tecidos, espécimes de biópsia e escarro) também podem ser testadas se for considerado apropriado: por exemplo, em um paciente imunocomprometido com doença complicada.

Populações em risco

Médicos devem considerar a criptosporidiose uma causa de diarreia prolongada nas seguintes populações:

  • Indivíduos gravemente imunocomprometidos ou imunossuprimidos e aqueles que vivem com HIV/AIDS avançado

  • Lactentes e crianças pequenas desnutridas

  • Crianças pequenas, especialmente as que frequentam creches

  • Pessoas que tenham estado recentemente em contato com gado e que tenham visitado fazendas ou minizoológicos

  • Os que tenham bebido água contaminada

  • Viajantes retornando de países não industrializados

  • Nadadores ou banhistas

  • Os que tenham tido contato com outras pessoas com diarreia

  • Os que trocaram fraldas ou levaram crianças pequenas ao banheiro.

Como com outras causas de diarreia infecciosa, é importante observar profissionais como os que manuseiam alimentos e cuidadores, já que isso pode ter implicações que justifiquem a exclusão do trabalho.

Avaliação clínica

A criptosporidiose deve ser considerada em qualquer indivíduo que apresente diarreia, particularmente se a duração for de >7 dias ou se o paciente estiver imunocomprometido. Deve-se considerar a história clínica, pois os fatores de risco epidemiológicos orientarão os exames e o aconselhamento sobre higiene (inclusive história médica, domicílio, creche, viagens, exposição à água em atividades recreativas, contato com animais e água potável). O espectro da doença varia de leve a grave. Os pacientes podem apresentar sintomas característicos de doença aguda ou doença diarreica grave, crônica ou intratável. É raro que a diarreia seja sanguinolenta, mas podem ocorrer coinfecções com outros patógenos. Há também portadores assintomáticos.[74]

Doença aguda

  • Os sintomas típicos são diarreia aquosa, quase sempre acompanhada de cólicas abdominais, e geralmente perda de apetite, febre baixa, náuseas e/ou vômitos. Ocorre recidiva dos sintomas em 30% a 40% dos casos.[38][73] Os sintomas podem ser persistentes, durando até 4 semanas. Também pode ocorrer significativa perda de peso.

Doença diarreica grave, crônica ou intratável

  • Doença diarreica grave, crônica ou intratável, associada a aumento da morbidade e da mortalidade, pode ocorrer em pessoas com imunodeficiência adquirida ou congênita das células T. A diarreia é aquosa, de grande volume (algumas vezes >2 litros por dia) e está frequentemente associada a perda de peso e prostração intensas. A dor abdominal no quadrante superior direito é um sinal de colangite, a qual é uma característica de doença pancreatobiliar ocasionalmente encontrada em pessoas gravemente imunocomprometidas. A icterícia pode significar colangite esclerosante, a qual pode eventualmente causar cirrose hepática, mas ocorre apenas em pessoas gravemente imunocomprometidas. A sinusite tem sido, muito raramente, descrita em pessoas gravemente imunocomprometidas. O comprometimento traqueobrônquico, sinalizado por tosse e dispneia, ocorre raramente nos pacientes imunocomprometidos.

  • Os pacientes com infecção por HIV com contagens de CD4+ >180/mm^3 têm maior probabilidade de desenvolverem doença transitória ou autolimitada.[75][76]​ A doença fulminante (marcada pela eliminação de >2 litros de fezes por dia) tem ocorrido somente nos pacientes com contagens de CD4+ <50/mm^3.[76] Contagens mais baixas de CD4+ foram preditivas de diarreia crônica.[77] Quatro síndromes clínicas distintas de criptosporidiose foram identificadas em pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) com contagem de CD4+ <200/mm^3: diarreia transitória, doença recidivante, diarreia crônica e doença semelhante ao cólera.[11] Nesse grupo de pacientes, predominaram a diarreia crônica e a doença semelhante ao cólera com grande perda de peso. Embora a criptosporidiose tenha influenciado significativamente as taxas de sobrevida, ela não estava associada a síndromes clínicas individuais de criptosporidiose.[11]

Portador assintomático

  • Há também portadores assintomáticos, pelo menos entre crianças pequenas, incluindo aquelas em países industrializados.[12][13][14][15][16][17][18]​ Em países de renda baixa a média, estudos em grande escala demonstraram que a infecção por Cryptosporidium causa impactos duradouros na saúde e uma mortalidade elevada em bebês e crianças pequenas desnutridas. A presença de desnutrição, o deficit estatural, a emaciação e o deficit cognitivo estão entre os impactos na África Subsaariana, na América do Sul e no Sudeste Asiático.[3][19][20][21][22][23]

  • O portador assintomático ocorre tanto em pacientes imunocompetentes como em imunocomprometidos.

Avaliação laboratorial

A avaliação inicial para os pacientes com qualquer suspeita de diarreia infecciosa consiste tradicionalmente em microscopia e cultura de fezes.[74]​ A detecção do ácido nucleico do patógeno, por exemplo, por métodos baseados em reação em cadeia da polimerase, é cada vez mais usada para o diagnóstico da criptosporidiose.[74]​ Eles são frequentemente fornecidos como painéis múltiplos com outros patógenos gastrointestinais; o Cryptosporidium deve estar incluído. Um resultado positivo de reação em cadeia da polimerase para Cryptosporidium pode ser relatado sem confirmação usando-se outro teste.[78]​ Se for utilizada microscopia, os profissionais da saúde devem incluir as informações relevantes, como histórico de viagens recentes ou imunocomprometimento, ou devem solicitar especificamente testes para Cryptosporidium. Isso ocorre porque a microscopia regular de fezes para ovos, cistos e parasitas não detectará oocistos de Cryptosporidium, e testes como a coloração para Cryptosporidium podem não ser realizados rotineiramente.[69][79]​​ O diagnóstico não pode ser excluído por um único resultado de teste negativo de microscopia com coloração, devendo-se testar várias amostras (são recomendadas 3).[80] A concentração de oocistos pela sedimentação em formalina acetato de etila é recomendada para as fezes preservadas em formalina antes da microscopia com coloração para Cryptosporidium.[80] As técnicas de coloração usadas na microscopia das fezes para oocistos de Cryptosporidium são a coloração álcool-ácido resistente, a coloração fluorescente (por exemplo, auramina-fenol) e a coloração por anticorpo fluorescente direto.

Opcionalmente, ensaios imunoenzimáticos ou imunocromatográficos podem ser usados para detectar antígenos dos oocistos. Os métodos de detecção de antígenos do Cryptosporidium fornecem uma alternativa à altamente qualificada e trabalhosa microscopia com coloração. Os imunoensaios enzimáticos são supostamente superiores à microscopia para álcool-ácido resistente e podem ser comparáveis à microscopia de anticorpo fluorescente direto em termos de sensibilidade e especificidade. Kits combinados para detecção de Cryptosporidium e Giardia ou Cryptosporidium, Giardia e Entamoeba histolytica estão disponíveis. Os ensaios imunocromatográficos rápidos são comparáveis à microscopia para álcool-ácido resistente, mas não à coloração com anticorpo fluorescente direto.[81]​ O desempenho do kit de testagem deve ser monitorado, visto que há relatos de falso-positivos.[80][81]​​[82] CDC: laboratory identification of parasitic diseases of public health concern - cryptosporidiosis Opens in new window​​ As reações positivas devem ser confirmadas por um teste diferente.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Oocistos de Cryptosporidium com coloração álcool-ácido resistenteDo acervo da Cryptosporidium Reference Unit; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@1e22e171[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Oocistos de Cryptosporidium com coloração de auramina-fenolDo acervo da Cryptosporidium Reference Unit; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7b9e66a2[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Oocistos de Cryptosporidium com coloração de imunofluorescência diretaDo acervo da Cryptosporidium Reference Unit; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@1763d5a5

Testes especializados

A detecção do DNA por métodos baseados em reação em cadeia da polimerase pode ser solicitada para a detecção de outros estágios do ciclo de vida em tipos de espécimes que não as fezes (fluido intestinal, lavados broncoalveolares, lavados antrais, amostras de tecido, espécimes de biópsia) dos pacientes imunocomprometidos.

Nenhum dos métodos usados nos diagnósticos laboratoriais primários de rotina identifica as espécies de Cryptosporidium presentes. Esses testes de genotipagem baseados em reação em cadeia da polimerase estão disponíveis em laboratórios de referência.

Exames por imagem

Quando há suspeita de comprometimento do trato biliar em um paciente imunocomprometido, indica-se ultrassonografia ou tomografia computadorizada (TC) do trato biliar. A confirmação de criptosporidiose biliar é possível usando colangiopancreatografia retrógrada endoscópica para obter as biópsias histológicas e a bile para os exames laboratoriais.

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