Abordagem
A avaliação inicial deve incluir o seguinte:
Sinais vitais.
História do paciente.
Exame físico, com atenção aos sinais e sintomas de hipoxemia, desidratação, sepse ou choque.
Em pacientes com suspeita de infecção ou outras complicações: hemograma completo e perfil metabólico básico (BMP). O tempo de protrombina (TP)/razão normalizada internacional (INR) e/ou tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) deve ser verificado nos pacientes em anticoagulação ou com suspeita de coagulopatia.
Nos pacientes em que desconforto/dor torácica for uma queixa, enzimas cardíacas e um ECG basal devem ser obtidos para se descartar uma etiologia cardíaca dos sintomas.
Radiografia convencional de tórax/abdome.
Avaliação do risco. A idade, a condição clínica e as comorbidades do paciente, bem como tamanho, a composição e localização anatômica do objeto, podem ajudar a diferenciar os pacientes de baixo risco dos de alto risco e determinar se um procedimento endoscópico precisa ser realizado como uma emergência (dentro de 2-6 horas)[34] ou como urgência (dentro de 24 horas após a admissão).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Algoritmo de diagnóstico e tratamento para ingestão de corpo estranhoDo acervo de Juan Carlos Munoz [Citation ends].
Considerações de diagnóstico urgentes
A avaliação diagnóstica inicial envolve uma avaliação da estabilidade hemodinâmica e tratamento de ressuscitação se necessário. O ABC (vias aéreas, respiração, circulação) deve ser implementado, com medidas de reanimação se necessário.
Culturas devem ser realizadas em pacientes com sinais ou sintomas de septicemia ou contagem de leucócitos elevada na apresentação.
Anamnese e quadro clínico
Uma vez que o paciente esteja estabilizado, uma história completa deve ser obtida para determinar o objeto ingerido, a gravidade dos sintomas, a história de eventos semelhantes no passado, medicamentos, problemas clínicos concomitantes e intervenções cirúrgicas anteriores. O quadro clínico dependerá de onde o objeto está localizado.
Corpos estranhos orofaríngeos
O diagnóstico e manejo na maioria das crianças são desafiadores por causa da complexidade intrínseca da comunicação e do exame físico. Crianças pequenas frequentemente colocam na boca qualquer objeto que elas encontrem, e podem acidentalmente degluti-los. Os pais geralmente trazem os filhos ao pronto-socorro ou consultório médico primário sem nenhuma história evidente de ingestão de corpo estranho. Elas podem apresentar sintomas respiratórios, como estridor, sibilância e pneumonia, que podem indicar um corpo estranho retido na hipofaringe, esôfago ou árvore respiratória.[1][2] Os adultos geralmente se apresentam no pronto-socorro ou consultório médico com uma sensação de corpo estranho, de que alguma coisa ficou presa na garganta, resultando em disfagia ou dor ao deglutir, especialmente depois de se alimentarem. Neste ponto, eles geralmente são capazes de apontar a região da sensação (região bem inervada). O nível de desconforto pode variar. Os sinais de oclusão podem variar de leves a mais graves, como sialorreia e incapacidade de deglutição de sólidos e líquidos. Em raras ocasiões, os pacientes podem apresentar as vias aéreas comprometidas (estridor e sibilância) se objetos grandes ficarem presos nessa região do trato gastrointestinal. A maioria dos corpos estranhos na orofaringe pode ser detectada por radiografia cervical seletiva para tecidos moles, radiografia torácica, abaixador de língua e laringoscopia transnasal.[13]
O sufocamento durante a alimentação, a "síndrome coronariana das refeições", é um tipo de obstrução das vias aéreas superiores causada por bolo alimentar na região da hipofaringe e pode levar à morte. Ela é mais provável de ocorrer em indivíduos que comem muito rapidamente ou mastigam seus alimentos de forma inadequada, aqueles com dentaduras, pacientes psiquiátricos, indivíduos que usam drogas ou consomem bebidas alcoólicas e aqueles que riem ou falam simultaneamente enquanto comem.[31]
Corpos estranhos esofágicos
A apresentação clássica de um paciente adulto com um corpo estranho esofágico é a de um paciente com uma história anterior de pequenos problemas recorrentes de deglutição (potencialmente devido a uma obstrução funcional, mecânica ou inflamatória subjacente), falta de dentes ou dentadura não ajustada corretamente, com sensação de que algo ficou preso após uma refeição (os pacientes geralmente apontam em direção às regiões inferior do tórax ou superior do abdome: a "síndrome da churrascaria"), com ou sem capacidade para controlar secreções (obstrução parcial ou completa). A causa mais comum de corpos estranhos no trato gastrointestinal superior em adultos envolve bolos alimentares (as causas comuns incluem carnes de frango ou porco) que não passam pelo esôfago por causa de uma patologia esofágica funcional, inflamatória ou anatômica subjacente. Deve-se perguntar aos pacientes com obstrução por corpos estranhos a respeito do consumo de bebidas alcoólicas, uso de sedativos ou agentes hipnóticos, dentaduras, doença esofágica subjacente, endoscopias ou cirurgias prévias (por exemplo, fundoplicatura de Nissen) e circunstâncias próximas à ingestão. Os sinais ou sintomas que sugerem possível perfuração incluem febre, taquicardia, peritonite, crepitação subcutânea e inchaço do pescoço, tórax ou abdome.
Em crianças com corpos estranhos ingeridos, os sintomas clássicos incluem engasgos, vômitos e dor no pescoço e/ou na garganta. A apresentação também pode ser menos específica e incluir irritabilidade, baixa aceitação alimentar, retardo do crescimento pôndero-estatural, febres de origem desconhecida, sintomas pulmonares inespecíficos e pneumonias recorrentes ou ataques de asma. O diagnóstico nesses casos requer um elevado índice de suspeita. Até um terço das crianças com corpos estranhos esofágicos é assintomática, e o corpo estranho pode ser um achado incidental.
Corpos estranhos no estômago/intestino delgado
Os pacientes podem apresentar uma história de deglutição de um objeto ou uma história de recente colocação de uma prótese gástrica, como uma endoprótese autoexpansível de plástico ou uma endoprótese autoexpansível de metal completamente coberta. Eles podem se apresentar com sintomas vagos, como febre, dor abdominal, saciedade precoce, náuseas e vômitos, ou ser completamente assintomáticos (corpo estranho encontrado incidentalmente durante uma avaliação radiológica). As pessoas com patologias psiquiátricas ou com deficiência intelectual podem engolir uma grande variedade de objetos, incluindo itens múltiplos, grandes ou incomuns. Pessoas encarceradas podem deglutir objetos, para escondê-los de autoridades, ou para receber cuidados médicos. Pessoas que contrabandeiam drogas podem deglutir múltiplos preservativos (geralmente duplamente enrolados) preenchidos com cocaína ou heroína. Elas podem apresentar dor abdominal aguda ou, se os preservativos se romperem, intoxicação aguda.
Corpos estranhos no intestino grosso/reto
Objetos impactados no intestino grosso podem resultar da migração para baixo a partir do trato gastrointestinal superior. No entanto, isso é raro e geralmente requer a presença de uma estenose no cólon ou no reto. Mais comumente, a impactação de objetos no intestino grosso resulta da inserção de um objeto através do reto. Em raras situações, o objeto pode causar uma lesão penetrante.[35][36][37][38]
Um corpo estranho colorretal que cause perfuração em um segmento extraperitoneal do cólon ou reto pode não apresentar achados físicos graves inicialmente. Um índice de suspeita forte deve ser mantido para a perfuração do cólon extraperitoneal (por exemplo, reto inferior abaixo da prega peritoneal), especialmente se o paciente protelar a procura por assistência médica.
Exame físico
Os atrasos na apresentação são mais comuns nas crianças e pessoas com deficiência intelectual. Sempre que houver história de ingestão de corpo estranho, um exame físico completo, incluindo visualização das narinas, meato acústico externo e orofaringe, deve ser realizado. Os sinais de obstrução gastrointestinal superior podem ser inespecíficos e podem incluir retração da musculatura intercostal, taquipneia, estridor, sibilância, cianose, desconforto abdominal, salivação/sialorreia e incapacidade de deglutir. Os pacientes com corpos estranhos retais podem ou não apresentar hematoquezia.
Também é importante lembrar que os pacientes podem ingerir mais de um objeto, e a procura por corpos estranhos não deve ser suspensa apenas porque um objeto foi encontrado. As crianças, pessoas com deficiência intelectual, pessoas encarceradas e pacientes com patologias psiquiátricas são especialmente mais propensos à ingestão de vários corpos estranhos. Ocasionalmente, um corpo estranho na orofaringe pode ser visualizado durante o exame físico e ser removido nesse momento. A cavidade oral e a orofaringe podem ser examinadas com o auxílio de um abaixador de língua.[13]
Investigações iniciais
A maioria dos pacientes com corpos estranhos gastrointestinais não precisa de nenhum exame laboratorial. No entanto, em pacientes com sinais e sintomas compatíveis com infecção ou outras complicações, os seguintes exames são recomendados: hemograma completo e BMP.
O tipo sanguíneo e o teste de anticorpos devem ser obtidos se forem necessárias transfusões de sangue. O TP/INR e/ou o TTP ativada devem ser determinados nos pacientes que recebem anticoagulantes ou com suspeita de coagulopatia.
O ECG e as enzimas cardíacas (por exemplo, troponina) devem ser verificados nos pacientes com dor torácica coexistente.
Exames por imagem
Radiografia simples [Figure caption and citation for the preceding image starts]: Radiografia abdominal simples revelando múltiplos corpos estranhos no lúmen estomacalDo acervo de Juan Carlos Munoz [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Radiografia abdominal simples revelando múltiplos corpos estranhos. Não há sinais de obstrução intestinal ou perfuraçãoDe: Canda AE. BMJ Case Reports. 2009;2009:bcr12.2008.1354 [Citation ends].
Em crianças, pessoas com deficiência intelectual e pacientes com patologias psiquiátricas, uma radiografia da boca ao ânus deve ser realizada (cervical, torácica e abdominal/pélvica).
Em pacientes com suspeita de corpo estranho no trato gastrointestinal superior, radiografias cervical comum, cervical dos tecidos moles laterais, torácica (que inclua uma vista lateral e posteroanterior) e abdominal devem fazer parte da avaliação diagnóstica inicial.
Nos pacientes com suspeita de corpo estranho retocólico, deve-se obter uma radiografia abdominal com filme simples (que inclua um filme plano e um vertical) para identificar objetos e descartar pneumoperitônio.
Objetos planos como moedas são observados geralmente em um alinhamento coronal em radiografias frontais ou anteroposteriores.[39] Se o corpo estranho estiver na traqueia, ele se apresentará na orientação sagital porque os anéis traqueais são incompletos na parede posterior.
A impactação alimentar não é observada na radiografia simples; no entanto, às vezes podem ser observados fragmentos ósseos embutidos. Nem sempre a radiografia detecta de modo confiável os corpos estranhos radiolucentes, especialmente espinhas de peixe. Mesmo quando os ossos são suficientemente radiopacos para serem visualizados à radiografia, a compleição física grande em um paciente obeso pode dificultar a detecção.
Os objetos metálicos (exceto alumínio), a maior parte dos ossos de animais (exceto algumas espinhas de peixe, como de truta, cavala e arenque) e os materiais de vidro são opacos nas radiografias. A maioria dos materiais de plástico e madeira não são opacos à radiografia.[40]
Objetos retidos no reto também podem ascender até o cólon (flexura hepática). Ocasionalmente, o objeto pode perfurar o cólon e se alojar no retroperitônio ou ficar livre no peritônio, induzir um abscesso contido ou mover-se para uma parte distante do corpo.[41][42]
Tomografia computadorizada (TC)
A tomografia computadorizada (TC) é indicada quando as radiografias e/ou a endoscopia não conseguirem localizar o corpo estranho. Isso inclui situações em que há suspeita de corpo estranho não metálico (por exemplo, objeto de plástico ou madeira ou espinha de peixe) ou perfuração. A diretriz clínica da European Society of Gastrointestinal Endoscopy recomenda uma TC em todos os pacientes com suspeita de perfuração ou outra complicação que possa exigir cirurgia.[34] Algumas diretrizes pediátricas sugerem considerar a realização de uma TC para os corpos estranhos radiolucentes.[43]
Ressonância nuclear magnética
A ressonância nuclear magnética pode revelar corpos estranhos não metálicos, mas é contraindicada se houver suspeita de ingestão de um ímã ou outro metal.
Esofagograma com bário ou gastrografina
O consenso geral é que o esofagograma com bário ou gastrografina não contribui para a avaliação de corpos estranhos ingeridos e atrasa o tratamento definitivo. Além disso, existe o risco de complicações pulmonares se o meio de contraste for aspirado, e o contraste pode limitar a visualização endoscópica. O bário é contraindicado nos casos em que há suspeita de perfuração esofágica; no entanto, a gastrografina pode ser usada se um estudo for necessário para localizar a região da perfuração.
Endoscopia
A endoscopia é geralmente a modalidade de primeira linha para a extração de corpos estranhos dentro do trato gastrointestinal (do esôfago ao ânus).[44][45][46] A hipofaringe e o terço posterior da língua podem ser avaliados através de laringoscopia transnasal indireta.[13]
Entretanto, a avaliação endoscópica é contraindicada em certas circunstâncias. As contraindicações absolutas incluem hipotensão grave/choque, perfuração aguda, infarto agudo do miocárdio, peritonite e ingestão de pacotes de drogas (cocaína) (devido ao aumento do risco de ruptura durante a tentativa de remoção endoscópica). As contraindicações relativas incluem pouca cooperação do paciente e arritmias cardíacas ou isquemia miocárdica recente.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fotografia endoscópica de uma impactação de alimentos na porção inferior do esôfago com um anel mucoso concêntrico evidente sugerindo uma esofagite eosinofílicaDo acervo de Juan Carlos Munoz [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Alimentos em bolus impactados removidos da porção inferior do esôfagoDo acervo de Juan Carlos Munoz [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Visão endoscópica revelando corpos estranhos no lúmen estomacalDo acervo de Juan Carlos Munoz [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Corpos estranhos removidos do estômagoDo acervo de Juan Carlos Munoz [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: (A) Visão endoscópica de um cortador de unhas impactado no duodeno. (B) Remoção endoscópica de um prendedor de gravataDe: Canda AE. BMJ Case Reports. 2009;2009:bcr12.2008.1354 [Citation ends].
Outros instrumentos
Um detector de metais portátil é uma ferramenta de rastreamento não invasiva, custo-efetiva, não radioativa e precisa que é útil na identificação e localização de itens metálicos, como moedas ingeridas por crianças.[47][48][49][50][51]
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal