Abordagem

Em regiões endêmicas da Ásia, África e América do Sul, a maioria dos pacientes com ascaríase é assintomática e não sabe que está infectada. Os pacientes com pneumonite eosinofílica (síndrome de Loeffler) ou complicações obstrutivas que envolvem o trato gastrointestinal ou hepatobiliar constituem exceções notáveis.[23]​ Entretanto, determinados pacientes observam a eliminação de vermes adultos nas fezes e buscam atendimento médico. Outros pacientes podem apresentar ansiedade ou pânico pela possibilidade de hospedar vermes.

Avaliação clínica

Se a consulta ocorrer fora de um país endêmico, será importante determinar os fatores de risco, como viagem recente/residência em países em desenvolvimento ou adoção pelo paciente de criança oriunda de um país em que a ascaríase é endêmica.​[24]​ Nesses pacientes, sintomas semelhantes à asma podem indicar migração larval inicial através dos pulmões. Durante essa fase, as larvas passam da corrente sanguínea para os alvéolos, migram para os brônquios e são deglutidas. Os pacientes acometidos são considerados portadores de pneumonite eosinofílica ou síndrome de Loeffler e podem apresentar febre, tosse, dispneia e/ou hemoptise por várias semanas. Dependendo da carga da infecção e do grau de hiper-reatividade alérgica, o exame físico também poderá revelar taquipneia, hipóxia, sibilância, roncos, estertores, retrações intercostais e/ou urticárias.[1][16][25] Sintomas alérgicos e pulmonares ocorrem mais comumente após a ingestão de ovos em grande quantidade.[13][25][26] A pneumonite eosinofílica (síndrome de Loeffler) causada por Ascaris lumbricoides é mais comum em pessoas cuja exposição é rara ou intermitente (por exemplo, expatriados e residentes em locais como a Arábia Saudita, onde a transmissão é sazonal ou esporádica).

Sintomas gastrointestinais inespecíficos, incluindo saciedade, dor abdominal, anorexia, dispepsia, vômitos e diarreia, podem ocorrer com carga de vermes menor.[1][11][24]​​ Bolos de emaranhados de vermes podem hospedar-se na região ileocecal e causar sintomas típicos de obstrução do intestino delgado, como náuseas, vômitos e constipação, além de cãibras ou cólica abdominal. Grandes bolos de vermes podem causar obstrução do intestino delgado parcial ou total. Isso ocorre mais frequentemente nas crianças e é uma causa importante de morbidade e mortalidade por ascaríase. A obstrução do intestino delgado muitas vezes se manifesta com febre, vômitos, distensão abdominal, dor abdominal focal ou generalizada e redução ou ausência de ruídos hidroaéreos. Quando ocorre perfuração intestinal, podem ser observadas hipotensão, taquipneia, dor à descompressão brusca e outras manifestações de sepse abdominal. Os sintomas gastrointestinais são mais comuns nas crianças mais jovens, em razão da carga de vermes mais elevada e do menor lúmen intestinal.[1][11]

No caso de ascaríase hepatobiliar e/ou pancreática, os pacientes podem apresentar sintomas de cólica biliar, colecistite, colangite aguda, pancreatite ou abscesso hepático.[5][27] Os achados físicos podem incluir febre, sensibilidade no quadrante superior direito, hepatomegalia e icterícia. A ascaríase hepatobiliar e/ou pancreática é mais comum em adultos.

Crianças com carga de vermes elevada, especialmente em países endêmicos e em desenvolvimento, podem ter crescimento retardado.[12]​ Além disso, o exame físico pode sugerir achados de outros estados de deficiência nutricional, como kwashiorkor ou anemia ferropriva (por exemplo, apatia, cabelos quebradiços, pele rachada, edema, palidez conjuntival). Embora esses sinais e sintomas não sejam específicos da ascaríase, sua presença deve encorajar os médicos a investigar a presença de ascarídeos e de outros helmintos intestinais, especialmente ancilostomídeos, como possíveis fatores contribuintes nas crianças em risco.[16] O efeito deletério no crescimento e desenvolvimento infantil é o impacto mais insidioso e pervasivo da ascaríase. Alguns estudos sugerem que uma carga de apenas 10 a 15 vermes pode causar má absorção, intolerância à lactose, comprometimento da permeabilidade intestinal e redução na ingestão de alimentos.[11][28][29] Esses efeitos nutricionais representam um problema ainda maior para crianças já desnutridas por deficiências alimentares.

Postula-se que, embora estudadas com menos frequência, a perda de apetite e a perda de peso em adultos, associadas a helmintos transmitidos pelo solo, incluindo os ascárides, afetam negativamente a produtividade no trabalho. Além disso, os efeitos da ascaríase no crescimento e desenvolvimento infantil podem contribuir para a menor produtividade na fase adulta.[10][24][30][31]

Exames iniciais

A microscopia fecal é a maneira mais confiável de diagnosticar a ascaríase.​[15][32][33][34]​​​​ Esse exame deve ser solicitado para pacientes com suspeita de infecção intestinal, como expatriados, viajantes e crianças adotadas provenientes dessas regiões, bem como pessoas em regiões endêmicas com obstrução intestinal. Quando presentes no exame direto ou em uma amostra concentrada, os ovos geralmente são esféricos ou ovais, de superfície irregular, de coloração amarelo-amarronzada, e medem de 60 a 70 micrômetros.[1] Pode ser mais difícil identificar ovos não fertilizados em razão de seu tamanho e aparência atípicos.

Pelo grande número de ovos produzidos por cada verme adulto fêmea, o exame de uma única amostra fecal geralmente é diagnóstico. Entretanto, a microscopia das fezes produz resultados falso-negativos em infecções por vermes adultos do mesmo sexo ou infecções por vermes jovens.[24]​​[25] As contagens de ovos por grama de fezes podem ser usadas para estimar a carga da infecção em determinado paciente e a densidade da infecção em uma comunidade.[1][15][30]​​​[34]​​[35]

A radiografia torácica deve ser realizada em pacientes com suspeita de pneumonite eosinofílica (síndrome de Loeffler): ou seja, pacientes com novo episódio de asma ou febre e tosse recém-retornados de viagens a regiões endêmicas. Durante a migração larval através dos pulmões, a radiografia torácica pode revelar infiltrados pulmonares irregulares.

Uma radiografia abdominal deve ser realizada em pacientes com suspeita de obstrução intestinal oriundos de áreas com ascaríase endêmica. Os pacientes com obstrução intestinal podem apresentar níveis hidroaéreos ou múltiplas imagens lineares de vermes no bolo obstrutivo.

Exames posteriores

A microscopia do aspirado gástrico e de expectoração podem revelar larvas de 1 a 2 mm durante a migração larval através dos pulmões. A expectoração também pode conter larvas ou cristais de Charcot-Leyden.[1]

O hemograma completo pode revelar eosinofilia durante a fase migratória, e a hemoglobina baixa pode refletir deficiência nutricional ou infecção concomitante por ancilostomídeo. Esse exame pode complementar a microscopia de expectoração/aspirado gástrico e a radiografia torácica em pacientes com suspeita de pneumonite eosinofílica (síndrome de Loeffler).

Vermes adultos também podem ser observados em exame contrastado com bário, como falhas lineares de enchimento delineadas pelo meio de contraste ou, se os próprios vermes ingerirem bário, como densidades lineares curvadas dentro do lúmen intestinal. Essa investigação é comumente realizada em pacientes com perda de peso ou dor abdominal inexplicada. Os ascárides podem ser um achado incidental ou esperado, dependo do diagnóstico diferencial para o paciente.

Se a radiografia abdominal sugerir obstrução do intestino delgado, exames como ultrassonografia abdominal, estudo contrastado ou tomografia computadorizada (TC) poderão revelar que a causa da obstrução é a presença de uma massa de vermes adultos no trato gastrointestinal ou de vermes isolados obstruindo a árvore hepatobiliar.[36][37][38][39] Para pacientes considerados portadores de vermes na árvore hepatobiliar, uma colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) poderá ser então realizada para confirmar o diagnóstico e removê-los.[40] Em cenários com recursos limitados, esses procedimentos diagnósticos podem não estar disponíveis, ficando o diagnóstico a critério clínico.

Novos exames

Anticorpos contra o Ascaris lumbricoides têm sido usados em estudos epidemiológicos, mas raramente (ou nunca) usados para diagnosticar infecções individuais. As larvas migratórias estão associadas a níveis elevados de IgE sérica, eosinofilia tecidual e mastocitose. A interleucina (IL)-4, a IL-5 e a IL-13 podem ser preferencialmente liberadas por células T CD4+ como parte de uma resposta inflamatória mediada por células T auxiliares do tipo 2 (Th2).[13][15] Técnicas de cromatografia líquido-gasosa na urina para o diagnóstico de ascaríase também têm sido desenvolvidas, embora seu uso permaneça limitado a pesquisas.[41]

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