Avaliação das alterações do estado mental relacionadas ao vírus da imunodeficiência humana (HIV)

Considerações de urgência

Ver Diferenciais para obter mais detalhes

Delirium e alterações agudas no estado mental

O delirium é caracterizado por distúrbios de atenção e consciência, e uma alteração relativamente rápida na cognição.[46] As alterações agudas no estado mental exigem consideração imediata do profissional da saúde.

As causas mais frequentes de delirium entre pessoas com HIV são: infecção (incluindo infecções bacterianas sistêmicas ou infecções locais do sistema nervoso central [SNC]); efeitos adversos de medicamentos prescritos ou de medicamentos de venda livre; intoxicação (atribuível ao uso indevido de substâncias); e abstinência de drogas ilícitas, álcool ou substâncias.

A febre, se presente, sugere uma etiologia infecciosa ou inflamatória. Um início agudo ou subagudo também sugere uma etiologia infecciosa, inflamatória, ou sistêmica mais disseminada.

Dado o vasto diferencial do delirium, as investigações devem ser guiadas pela anamnese (incluindo história medicamentosa detalhada com foco no início recente ou em alterações na terapia antirretroviral [TAR]) e achados do exame físico. Uma anamnese cuidadosa, exame físico e neurológico, além de investigações, estudos laboratoriais e radiográficos, são necessários para identificar a(s) causa(s) subjacente(s).

O tratamento inicial deve incluir cuidados de suporte emergencial, que podem incluir suporte circulatório e eletrolítico. O manejo subsequente depende da etiologia subjacente.

Infecção bacteriana sistêmica

Em pessoas com infecção por HIV avançada, as infecções oportunistas sistêmicas como pneumonia por Pneumocystis jirovecii e infecções micobacterianas devem ser consideradas.

Encefalite relacionada ao HIV

Um início agudo ou subagudo de doença febril, estado mental alterado e/ou convulsões levanta a suspeita de encefalite. O estado mental alterado é típico, e varia de alterações sutis no grau de resposta aos estímulos e anormalidades no comportamento ao coma. Achados neurológicos focais são incomuns, mas possíveis, e podem incluir hemiparesia, ataxia, sinais piramidais (reflexos tendinosos bruscos, reflexos cutâneo-plantares em extensão), deficits em nervos cranianos, movimentos involuntários (mioclonia e tremores) e convulsões.[47]

As infecções bacterianas, tuberculose, sífilis, toxoplasmose, doença criptocócicas e outras causas infecciosas oportunistas de encefalite/meningite ou abscesso intracraniano devem ser descartadas. As investigações incluem hemoculturas, neuroimagem (de preferência ressonância nuclear magnética [RNM]) e análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) (para contagem e diferenciação de células, glicose/proteína, cultura bacteriana ou fúngica). Os exames diagnósticos por reação em cadeia da polimerase específicos para o organismo ou cultura de bacilos álcool-ácido resistentes podem ser considerados se houver suspeita de infecção por tuberculose. Investigações diagnósticas adicionais (incluindo reação em cadeia da polimerase) podem ser considerados para detecção de etiologias virais de encefalite.

O tratamento deve incluir cuidados de suporte emergenciais padronizados, que podem incluir suporte circulatório e eletrolítico e, potencialmente, intubação endotraqueal e ventilação mecânica, com consideração para trombose venosa profunda e profilaxia gastrointestinal (úlcera).

Meningite relacionada ao HIV e abscesso intracraniano

Adultos com meningite classicamente apresentam sintomas como febre, cefaleia e rigidez da nuca. No quadro de doença por HIV avançada, a apresentação pode ser variada e incluir deficits neurológicos focais ou convulsões. Em casos não bacterianos, como infecções fúngicas do SNC, a apresentação pode ser de natureza subaguda.

O diagnóstico em muitos pacientes começa pela avaliação de evidência clínica de aumento da pressão intracraniana, deficit neurológico focal ou papiledema, que em praticamente todos os casos deve induzir a um exame de neuroimagem por meio de tomografia computadorizada (TC) com contraste ou, preferencialmente, RNM. Uma diminuição no nível de consciência deve induzir a estudos de neuroimagem urgentes para descartar uma lesão intracraniana focal ou um aumento da pressão intracraniana.

Os exames laboratoriais padrão são úteis, mas nunca definitivos, e devem incluir, no mínimo, um hemograma completo com diferencial, o qual pode sugerir um processo infeccioso. Ureia e eletrólitos podem revelar lactato elevado ou comprometimento hepático ou renal, o que também pode contribuir para o estado mental alterado agudo. Devem-se obter hemoculturas (duas séries) antes do início da terapêutica antimicrobiana, para maximizar a probabilidade de identificação de uma etiologia subjacente. Os exames de sangue diagnósticos específicos podem incluir o antígeno criptocócico sérico (determinado por aglutinação em látex, imunoensaio enzimático ou ensaio de fluxo lateral) e o rastreamento por imunoensaio enzimático de Treponema pallidum associado a reagina plasmática rápida para sífilis.[22][48]​​ Se os exames de sangue para neurossífilis forem positivos e houver alterações neurológicas, o teste de LCR do Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) deve ser realizado com uma punção lombar (PL).

A PL com análise do LCR é importante na confirmação de infecção do SNC e na identificação do agente etiológico. Os exames de imagem devem sempre preceder a PL para descartar uma lesão de massa em pacientes imunocomprometidos. Se uma lesão de massa for identificada, a PL não deve ser realizada, especialmente se houver evidência de desvio da linha média na imagem.


Punção lombar diagnóstica em adultos: demonstração animada
Punção lombar diagnóstica em adultos: demonstração animada

Como realizar uma punção lombar diagnóstica em adultos. Inclui uma discussão sobre o posicionamento do paciente, a escolha da agulha e a medição da pressão de abertura e fechamento.


O achado radiológico típico em pacientes com abscesso cerebral (na TC ou na RNM) é de uma ou mais lesões com realce em anel. O achado de uma ou mais lesões realçadas por contraste em um paciente deve ser investigada com consideração ao grande espectro de possíveis etiologias e será influenciado pelo grau de imunossupressão. As etiologias comuns do SNC incluem toxoplasmose, tuberculose, criptococose, abscesso cerebral bacteriano e linfoma. Em um quadro de lesões múltiplas do SNC com realce em anel, a cobertura empírica para toxoplasmose deve ser considerada, enquanto uma biópsia cerebral precoce pode ser necessária para lesões únicas para descartar linfoma do SNC e para pacientes que não respondem às terapias empíricas.

Linfoma primário do SNC positivo para vírus Epstein-Barr (EBV) relacionado ao HIV

Uma apresentação aguda que requer avaliação urgente. O linfoma primário do SNC positivo para EBV é um linfoma não-Hodgkin raro e agressivo. Os sintomas e sinais podem ser semelhantes aos observados na encefalite ou na meningite. Geralmente é identificada uma única lesão de massa, que pode ser confundida com toxoplasmose do SNC.

As pessoas com linfoma primário do SNC positivo para EBV relacionado ao HIV podem ter uma menor probabilidade de receber TAR e ter uma contagem de células CD4 <50 células/mm³.[55]​ O tratamento pode incluir TAR, rituximabe e alta dose de metotrexato.[56]

Toxicidade relacionada à terapia

Uma apresentação aguda de sintomas psiquiátricos em pacientes que iniciaram recentemente a TAR pode sugerir toxicidades relacionadas à terapia. Isso pode não se manifestar com deficits neurológicos. Os pacientes que estão fisicamente bem podem ter apresentado efeitos adversos agudos decorrentes da terapia.

Depressão, ansiedade, insônia e disfunção cognitiva foram relatadas com mais frequência em pacientes que recebem efavirenz e, com menos frequência, naqueles que recebem raltegravir ou dolutegravir.[24][25][31][32][33][34][35][36]​​ Os pacientes podem desenvolver humor disfórico persistente, sofrimento, ansiedade e irritabilidade. A concentração pode estar diminuída, com perturbação do sono e do apetite, fadiga e comprometimento psicomotor.

Os pacientes que recebem TAR podem desenvolver síndrome inflamatória da reconstituição imune (SIRI) como consequência da reação a agentes infecciosos de um sistema imunológico restaurado. Os agentes infecciosos comumente implicados incluem Mycobacterium tuberculosis ou complexo M avium, embora outras causas (por exemplo, vírus do herpes simples, vírus da varicela-zóster, leucoencefalopatia multifocal progressiva [poliomavírus humano 2, também conhecido como vírus John Cunningham [JCV]], citomegalovírus, infecção criptocócica e Toxoplasma gondii) também sejam fatores desencadeantes reconhecidos.[37][38][39]

A insuficiência adrenal, com alterações de humor e fadiga, pode ser causada por medicamentos antivirais que inibem a produção de cortisol, principalmente quando coadministrados com ritonavir ou cobicistate.[45][57]

Uso indevido de substâncias

Uma precipitação aguda de alteração no estado mental pode ocorrer em pessoas com HIV após abuso recente de álcool ou outras substâncias. Os medicamentos neurocognitivamente ativos e abuso de álcool aumentam o risco de delirium em pessoas que vivem com HIV.[58]​ O uso indevido de opioides está associado ao aumento da frequência de sintomas neuropsiquiátricos.[59]

​O delirium causado por abstinência de substâncias pode ser mais prevalente em pessoas com HIV.[60]

doença comórbida

A alteração no estado mental pode ser causada por uma doença orgânica, como um AVC. A infecção por HIV está associada ao aumento do risco de AVC isquêmico, que pode ser subsequente à vasculopatia associada ao HIV (e/ou TAR).[41][61]

Além disso, doenças sistêmicas comórbidas (como hipotireoidismo), que causam deficits cognitivos, devem ser descartadas.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal